14/12/09 – O presidente Lula abriu a primeira Conferência Nacional de Comunicação, esta noite, em Brasília. Falou logo depois do ministro Hélio Costa, que ao longo de todo o seu discurso foi vaiado pelos representantes dos movimentos sociais presentes no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, lotado. Lula começou seu discurso agradecendo os empresários que “não tiveram medo de participar desse processo de democratização”. A Confecom é um marco, porque é a primeira vez que uma conferência nacional debate o tema da comunicação social e os caminhos para sua democratização no país. “Perderam uma ótima oportunidade para conversar, defender suas ideias, lançar pontes e derrubar muros”, disse Lula. Referia-se à não participação da Associação Brasileira de Radiodifusores e outras associações que representam os grandes grupos de mídia no Brasil.
A disputa para informar a opinião pública sobre o significado da conferência também começou. Quase ao mesmo tempo em que a abertura era transmitida pela internet, o Jornal Nacional registrava o evento e a versão dos veículos ausentes: “Entre as propostas (a serem debatidas), estão o controle social da mídia por meio de conselhos de comunicação e uma nova lei de imprensa”, dizia a notícia. De acordo com ela, as associações ausentes (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais) consideram essas propostas “uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e a livre iniciativa, todos previstos na Constituição”. No dia 13, a Agência Estado publicou uma matéria com o seguinte título: “Confecom quer recriar cabides estatais de emprego”.
O que se via no centro de convenções era o contrário: a grande maioria dos 1.684 delegados — 40% vindos da sociedade civil, 40% do empresariado e 20% do poder público – é favorável ao aumento do número de canais de expressão, por meio da criação de novos veículos públicos e comunitários. A conferência vai debater a comunicação, no Brasil, a partir de três eixos: produção de conteúdo, meios de de distribuição e cidadania — direitos e deveres. O tema central do encontro é “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania era digital. Nada a ver com criar cabides de emprego. Tudo a ver com atualizar o marco regulatório de comunicação no Brasil, que foi escrito em 1962, fazer propostas para que o maior número possível de setores da sociedade tenha acesso (produzindo e consumindo) a meios de expressão, debater a convergência das mídias e as oportunidades e problemas que pode trazer. E, mais importante, como disse Lula, colocar a questão da comunicação social na pauta política do país.
Regulamento
A disputa, dentro do encontro, também será grande. Um exemplo disso e que a Abra (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que reúne a TV Bandeirantes e a Rede TV!, ameaçou sair da conferência na tarde de hoje, quando se discutia o regimento interno. Depois de muita discussão, o movimento social e as operadoras de telecomunicações acabaram aceitando a posição do radiodifusores e aprovaram que os ” temas sensíveis” poderão ter veto no grupo de trabalho, e não apenas na plenária como se pretendia inicialmente. Isso significa que as propostas da sociedade civil vão passar por um crivo maior, nos grupos de trabalho, para poder ser apresentadas em plenário. A Abra conseguiu, e representantes da sociedade civil consideraram a mudança, em seus posts no Twitter, no endereço #confecom, como mais uma tentativa dos grupos de comunicação de cercear o debate. Também reclamam do fato de a imprensa não ser autorizada a acompanhar os debates nos grupos.
“Aceitamos as mudanças para não criar um impasse de última hora”, afirmou representante das teles, para quem a mudança não interfere na decisão final. “Estamos discutindo a moldura, e não o conteúdo”, retrucou representante da Abra, que reune a rede Bandeirantes de Rede TV!. Pelo regimento interno, as propostas com menos de 30% serão rejeitadas automaticamente e as com apoio de mais de 80% serão aprovadas sem precisar passar pela plenário. Sete propostas de cada um dos 15 grupos irão para deliberação final dos delegados.
Representando a Abra, o presidente da rede Bandeirantes, João Carlos Saad, lembrou que os 10 canais de TV digital reservados pelo governo, e que podem virar 40 com a digitalização, “podem e devem ser abertos a todos os movimentos sociais”. De acordo com ele, isso vai ampliar a diversidade de meios em todo o país. “É preciso que se crie esta mesma pluralidade na TV paga, onde há um porteiro que não deixa nenhum outro grupo participar”, continuou. Ele se refere à Globosat, que distribui programação, e faz parte do mesm grupo econômico da Net e da Globo. “Quem faz programação não deve cuidar de sua distribuição”. Saad lembrou que na semana passada, a Comcast – TV por assinatura – comprou a NBC – TV aberta –, nos EUA. “As Tvs pagas têm duas fontes de recursos, enquanto a TV aberta só tem a publicidade”, explicou, referindo-se à fragilidade da TV aberta em relação aos canais pagos.
O vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e mediador da conferência, Celso Schröder, ressaltou, em seu discurso, a importância da conferência como um “espaço público construído a duras penas” e a necessidade de, ao final dos debates, no dia 17, ser convocada a segunda conferência. “Não se pode permitir que este enorme esforço de construção se perca”.
Em seu discurso, Lula pontuou temas importantes da conferência: apresentar propostas para atualizar a legislação de comunicação social no Brasil e regulamentar disposições colocadas na Constituição, em um ambiente em que a convergência de meios coloca questões novas e ainda sem resposta. Ele próprio ressaltou a diversidade possível nos novos meios, com a força das redes horizontais e dos blogs e o fim da era de “ouvintes, leitores e espectadores passivos”. Disse, também, que esta mudança será ainda maior com a popularização da banda larga no país. Citou os números divulgados na semana passada pelo IBGE e afirmou que “internet não é luxo mas serviço de primeira necessidade”. “É preciso massificar o acesso a rede com alta velocidade e preços módicos” acrescentou. “Inclusão digital deve ser encarada como uma prioridade nacional, da mesma forma que a inclusão social”.
Rádios comunitárias
Enquanto o presidente discursava, pessoas na plateia solicitavam que ele falasse sobre as rádios comunitárias. Lula atendeu, mas se limitou a dizer que é responsabilidade do movimento social impedir que políticos tradicionais se apropriem das rádios. Nada sobre a legislação que criminaliza, na prática, e permite o fechamento de rádios realmente comunitária em todo o país.
Veja um bom relato sobre a abertura da Confecom aqui.