Consegi 2009


Poder público
mostra sua produção
de software livre no Consegi 2009

Segunda edição do Consegi registra o crescimento e a qualidade das soluções livres criadas no governo

Patrícia Cornils

ARede nº51,setembro 2009 – Pessoas que trabalham com software livre em várias esferas de governo se reuniram para apresentar soluções, articular projetos e selar cooperações, entre 26 e 28 de agosto, em Brasília, no 2º Congresso Internacional Software Livre e Governo Eletrônico (Consegi). Marcos Mazoni, presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), explicou que o congresso faz parte de uma estratégia do governo de uso de plataformas livres, de desenvolvimento de aplicações livres para governo eletrônico e de adoção de padrões abertos. A opção não é nova: existe desde 2003, início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas este foi o primeiro ano que o presidente da República participou do congresso, em uma demonstração pública de que o software livre deixou de ser tema de especialistas em tecnologia da informação e entrou para a pauta dos gestores de altas esferas públicas.

Na abertura do encontro, Lula explicou que o uso e o desenvolvimento de software livre não é apenas uma questão tecnológica, mas de direito a acessar e compartilhar conhecimento. “A comunidade do software livre conseguiu mostrar a todos nós que ainda há espaço para cooperação, trabalho colaborativo e democratização do conhecimento. É do trabalho em rede e do compartilhamento que estão surgindo, em todo o mundo, ferramentas e tecnologias mais avançadas e úteis para esta nova etapa digital”, disse. Entusiasmado, completou: “Se a gente continuar evoluindo do jeito que estamos evoluindo, certamente o Brasil será o grande paradigma do software livre, no mundo inteiro”.

O próprio Consegi 2009 foi uma vitrine do imenso acervo de soluções e de códigos desenvolvidos e compartilhados que foram criados pelo poder público. Um exemplo é o uso do Open Document Format (ODF), padrão aberto de documentos eletrônicos, por 600 mil pessoas no governo brasileiro. Os usuários devem chegar a 1,5 milhão com a adesão ao Protocolo Brasília dos ministérios da Educação, da Marinha, do Exército, além de diversas empresas privadas. No Consegi 2009 foi anunciada a abertura para a adesão ao Protocolo Brasília de empresas privadas, associações e cooperativas. Entre elas, o Instituto Arruda Botelho – dono de uma réplica do Demoiselle, avião desenvolvido por Santos Dumont, em exposição no Consegi 2009. O Demoiselle estava lá porque esse é o nome da ferramenta livre desenvolvida pelo Serpro para a construção de sistemas na internet. O Demoiselle – software – está disponível no Portal do Software Público Brasileiro, mantido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Lançado em 2007, o portal tem mais de 50 mil usuários ativos.

Mais um exemplo, e que aponta para o futuro, é o Fórum da Cultura Digital, do Ministério da Cultura (MinC). O fórum é resultado da experiência dos últimos três anos do MinC em seu portal na internet. A decisão de não apenas oferecer informações, mas interagir com os cidadãos, por meio do portal, levou a uma descentralização da área de comunicação social do ministério, para que todas as áreas respondam às demandas dos usuários do portal. Essa experiência é radicalizada no Fórum da Cultura Digital, porque sua meta é debater e construir políticas públicas de cultura digital. “Criamos um ambiente para que o debate sobre essas políticas aconteça, de maneira organizada”, explicou José Murilo Jr., gerente de Informações Estratégicas e Cultura Digital do MinC. No fórum, o Estado deixa de ser o único emissor de informações. “Um governo interativo, 2.0, está mais sintonizado com as questões do século 21 do que um governo eletrônico”, provoca Murilo Jr. O código do Fórum de Cultura Digital, desenvolvido a partir de ferramentas Word Press, será documentado e colocado à disposição no Portal do Software Público, na comunidade Xemelê.

Como afirmou no evento Clarice Coppetti, vice-presidente de tecnologia da Caixa Econômia Federal, cada solução implantada é mais um passo para o Brasil ser um grande celeiro do conhecimento compartilhado. Como isso acontece? Uma possibilidade foi exposta no painel sobre software livre na América Latina, que contou com representantes de quatro países – Cuba, Equador, Paraguai, Venezuela. Nicolas Caballero, do governo paraguaio, contou que a Empresa de Servicios Sanitários del Paraguay (Essap) implantou o Gsan, sistema de gerência de operações comerciais e de controle da execução de serviço para empresas de saneamento. O Gsan substituiu o sistema Gobol desenvolvido pela própria companhia. A Essap tem 272 mil clientes ativos e nunca havia, antes do Gesan, arrecadado mais de US$ 8 milhões em um mês. No mês seguinte à implantação, a arrecadação subiu para US$ 10,1 milhões, contou Caballero. Onde a empresa descobriu o Gesan? No Portal do Software Público Brasileiro.

Internacional
Representantes de 14 países (África do Sul, Argentina, Chile, Coreia do Sul, Cuba, Equador, França, Índia, Indonésia, Malásia, Paraguai, São Tomé e Príncipe, Venezuela e Zimbábue) participaram do Consegi 2009. De acordo com Mazoni, presidente do Serpro, o país tem uma extensa agenda de cooperação internacional na área de software livre. Na França, o Brasil faz desenvolvimentos conjuntos com o Consórcio de Empresas de Software Livre/OW2, do Institut National de Recherche en Informatique et en Automatique (Inria). No Consegi, o OW2 reuniu-se com a Cooperativa de Tecnologias Livres (Colivre), que desenvolveu o Noosfero, plataforma web livre para redes sociais. O Noosfero é usado pelo Sistema Fórum Brasileiro de Economia Solidária (rede dos atores da economia solidária no Brasil) e pela Unifreire (rede de pessoas e instituições freirianas de vários países, entre as quais os institutos Paulo Freire). No primeiro encontro do OW2 do qual o Brasil participou, em dezembro de 2008, o Demoiselle foi eleito a melhor ferramenta ali apresentada.

A ferramenta de escritório eletrônico Expresso, desenvolvida pelo Serpro, tem colaborações com Angola, Timor Leste e São Tomé e Príncipe. O governo de São Tomé e Príncipe usa as soluções de correio eletrônico e telefonia sobre IP do Expresso. No Paraguai, o Brasil tem uma parceria com Itaipu Binacional, também para o uso do Expresso. E do Ecar, sistema de gestão de projetos. Com a Venezuela, o país tem acordo para desenvolvimento de soluções de governo eletrônico. Em dezembro de 2004, o presidente Hugo Chavez determinou, por decreto, a migração de todos os sistemas de governo daquele país para software livre.

Recursos financeiros
e culturais
Durante o Consegi 2009, foram citados pelo menos dois exemplos da economia que o uso de software livre traz para os cofres públicos. Lula apresentou o número do Comitê de Implantação do Software Livre, liderado pelo Serpro: “Deixamos de gastar R$ 370 milhões com a compra de softwares, desde 2003. Tudo o que economizamos, reinvestimos em desenvolvimento de novas soluções tecnológicas”.

No governo do Paraná, de acordo com Cláudio Dutra, diretor de Tecnologia da Informação da Companhia de Informática do Paraná (Celepar), desde 2003 também só se desenvolve em software livre. “Entre fevereiro de 2003 e maio de 2007, conseguimos calcular uma economia de R$150 milhões, que é praticamente o orçamento de um ano da Celepar. Nesse período, a Celepar praticamente dobrou o quadro de funcionários, passando de cerca de 600 empregados para 1,1 mil”, conta ele.

Os recursos aplicados no desenvolvimento de uma solução de software não precisam ser repetidos em vários órgãos públicos. Essa é uma vantagem do software livre que extrapola as fronteiras entre as esferas de governo – municípios, estados e União. “Lembro do programa de modernização fazendária, nos anos 1990, em que todos os estados receberam recursos para fazer exatamente as mesmas coisas, em cada Secretaria da Fazenda”, diz Mazoni.

O diferencial do Brasil, no entanto, não é apenas econômico. A discussão sobre software livre aqui não é apenas técnica, é filosófica, acrescenta Mazoni. “O próprio Richard Stallman diz isso”, conta ele. “Nós incorporamos o debate sobre a questão da liberdade, além de usar software livre em atividades da ponta, do serviço aos cidadãos, no governo”. Os conceitos de liberdade e direito de acesso ao conhecimento estão tão incorporados nas discussões sobre uso de software livre no governo que temas como inclusão digital, economia solidária, cultura livre fazem parte da programação do Consegi, com lugar de destaque.

No último dia do encontro, na Tenda Cultural, o poeta e rapper Gog; Fernando Anitelli, do Teatro Mágico; a rapper Ellen Oléria e os produtores culturais Jaqueline Fernandes, Marcelo Barqui e Everton Rodrigues apresentaram o movimento Música para Baixar (MPB), que debate os direitos autorais com foco na cadeia produtiva da música, novas formas de circulação, cultura livre e digital. A tenda onde o MPB fez suas ações recebeu o nome de Tenda Cultural Imre Simon, um dos precursores da pesquisa em ciência da computação no Brasil, falecido em agosto. O MPB lançou, em julho, um manifesto “em defesa da liberdade e da diversidade musical que circula livremente em todos os formatos e na internet”. O documento registrou mais de 500 assinaturas, entre as quais as de artistas como Léo Jaime, Leoni, Zélia Duncan e André Abujamra. A tenda ficou repleta. E Anitelli escreveu no Twitter: “Muito bom o debate no Consegi”. “Ah! em breve… nova música em pareceria com meu camarada GOG (o maior poeta do rap nacional)!!!!”

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