Ainda em 2007, saem editais para financiar projetos de fomento e difusão de conteúdos em português.
Anamárcia Vainsencher
O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) vai publicar, ainda este ano,
editais para financiamento de projetos que contemplem o fomento e a
difusão de conteúdos digitais em português. Essas chamadas vão envolver
recursos da ordem de R$ 10 milhões, segundo Henrique Faulhaber, membro
do Comitê e primeiro integrante da comissão formada para tratar da
questão, presente aos dois encontros (em julho e agosto) do CGI.br
dedicados a peneirar as questões relevantes para a elaboração dos
editais de seleção dos projetos.
A iniciativa reflete a decisão do CGI.br de expandir suas fronteiras de
atuação para além das atividades de suporte à infra-estrutura da rede;
nomes de domínio “.br”; distribuição de endereços de IP; segurança das
redes; combate ao spam; pontos de troca de tráfego; discussão da
governança da internet. No planejamento estratégico da instituição, em
2005, definiu-se que o Comitê deveria investir em projetos de fomento e
difusão de conteúdos digitais em língua portuguesa. Um tema de vital
importância para o desenvolvimento não só da rede, mas, principalmente,
da cultura, educação e valorização da própria identidade do país, como
ressalta Henrique. “Através de um programa de conteúdos, visamos nossa
maior inserção na sociedade da informação,” pondera o representante do
segmento de TI e software na comissão de trabalho de conteúdos (CT
Conteúdos).
Julio (Juca) Worcman aplaude a criação do grupo de conteúdos, e tem
grande expectativa em relação aos editais. Ele e equipe têm apreciável
bagagem no mundo digital em língua portuguesa: a produtora e
distribuidora de programas de TV (pricipalmente pedagógicos) Synapse
assina o Porta Curtas Petrobras, na internet desde 2002, e cujo sucesso
levou à criação do Instituto Tamanduá Synapse Cultural, Oscip
(Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) voltada ao apoio
a iniciativas de catalogação e difusão, via internet, de informações
rich media (em formato multimídia interativo) sobre a produção cultural
brasileira, como o projeto Porta Curtas (veja o quadro).
A idéia do Tamanduá, conta Juca, nasceu da constatação de que, nas
demais áreas (fonográfica, editorial, audiovisual, artes plásticas e
artes cênicas), ainda é enorme a carência de catalogação e difusão
cultural. O instituto tem projetos em todos esses campos, que podem se
beneficiar dos incentivos fiscais da Lei Rouanet. Mas nem por isso
conseguiram patrocínio até hoje. “Contamos com a possibilidade de que
algum de nossos projetos se enquadre nos futuros editais do CGI.br,
porque, no geral, os editais atuais não são preparados com essa
finalidade”, observa Juca.
Apesar dos encontros já promovidos pelo CGI.br, continua enorme a
diversidade de questões levantadas. No primeiro, foram explicitadas as
motivações que norteiam o Comitê, a começar pelo aumento da quantidade
de conteúdos digitais de qualidade em português. E, mesmo que conteúdos
relevantes da cultura sequer estejam digitalizados, segundo assinala
Henrique, já há materiais importantes em formato digital, porém
escondidos — DVDs e CDs nas gavetas, em sites isolados, em bancos de
dados pouco acessíveis. Seja porque muitos conteúdos não estão
catalogados, ou estão de forma primitiva; ou porque os conteúdos não
estão acompanhados de suas necessárias descrições; seja porque há muito
pouca divulgação do que existe.
Henrique destaca, ainda, que qualidade não quer dizer apenas arte e
cultura chamadas eruditas. Portanto, é preciso levar em conta as
manifestações da cultura popular diversificada e plural. E pontuou que,
no projeto do Comitê, no médio prazo, há que considerar também como
conteúdos os de empreendedorismo, histórias de vida, culinária,
produção jornalística e difusão científica, dentre tantos. “Não
queremos valorizar somente o que ganhou reconhecimento no passado, mas,
principalmente, dar valor e espaço à cultura contemporânea que, muitas
vezes, já nasce digital. Tanto nos grandes centros quanto nas regiões
periféricas, em comunidades que muito recentemente vêm sendo incluídas
digitalmente, e sendo capacitadas para se tornarem protagonistas do
fazer cultural”, diz.
O foco do grupo, desde o início, são o uso e as implicações do projeto
de conteúdos digitais na educação da juventude. Porque, para fazer a
inclusão digital, é preciso investir de forma pesada nos conteúdos,
senão a inclusão será somente parcial. “Não podemos fazer a inclusão
para que nossos jovens naveguem tão-somente nos Orkuts, na Disney, no
Second Life, no MSN e no Par Perfeito, embora essas comunidades de
serviços e sites tenham conteúdos muitas vezes interessantes. Devemos
estimular os conteúdos em língua portuguesa que fortaleçam a identidade
nacional e nossa cooperação com os países que compartilham nossa
língua”, argumenta Henrique.
Os debates e as propostas se centram em torno das questões pertinentes
aos grandes temas que vêm sendo discutidos em grupos. Um, examina os
acervos, em busca de caminhos para o mapeamento de conteúdos
existentes; trazer para a internet a produção cultural viva; promover a
produção contemporânea que já nasce digital; digitalizar, indexar,
armazenar, colocar à disposição, difundir. Além disso, esse grupo
levantou o problema da propriedade intelectual e dos modelos de
negócios possíveis a partir das iniciativas discutidas, mesmo com
conteúdos que tenham direitos autorais. A saída seria adotar o Creative
Commons? Estimular a criação de ativos com direitos ou a produção de
mais conteúdo livre?
Outro grupo reflete sobre tecnologia e ciência da informação,
consideradas fundamentais para encaminhar os temas discutidos pelos
grupos de acervo e de propriedade intelectual. Aqui, lembra Henrique, é
nas camadas de software e serviços, e na tecnologia e ciência da
informação que estão sendo criadas as grandes possibilidades de
desenvolvimento de fronteira. Por isso, neste projeto, “sem xenofobia
ou sem ser xiitas”, deve-se privilegiar a produção nacional de
conhecimento em software, tecnologia e ciência da informação, definidas
como estratégicas e portadoras de futuro pelo governo federal.
“Precisamos usar projetos como este para fazer com que as prioridades
colocadas nos discursos e no papel se tornem prioridades de fato, e
que, efetivamente, tenhamos políticas públicas de desenvolvimento nas
áreas de TI nacionais,” assinalou. O grupo de tecnologia discute
questões como padrões emergentes de metadados no tratamento de
informações da área cultural; tagging de conteúdos pelo usuário;
padrões para arquivos abertos; aprofundamento da busca além do que os
mecanismos existentes oferecem; protagonismo do usuário;
heterogeneidade de práticas de catalogação e indexação, etc.
O Ministério da Cultura, que participa da comissão, anunciou firme
engajamento na agenda da digitalização dos conteúdos nacionais em
português, segundo o secretário de políticas culturais, Alfredo Manevy.
Para ele, as questões levantadas são pertinentes à integração de
políticas estratégicas de Estado.
“Estamos falando de uma política de conteúdo, de tecnologia, de
propriedade intelectual, de língua portuguesa, e de uma política
educacional. A integração de políticas setoriais não é um costume do
Estado brasileiro,” diz. E explica que o Estado brasileiro herdou uma
forma compartimentada de desenvolver, formular, articular e gerir
políticas. Mesmo que conteúdo, produção cultural, tecnológica e
científica não sejam uma agenda exclusiva de Estado, porque não são
serviços como educação e saúde, que cabe ao Estado prestar, como é a
sociedade que produz cultura, “cabe ao Estado garantir e assegurar os
meios e mecanismos para que a sociedade possa desenvolver plenamente a
sua produção e seu acesso à cultura”, destaca.
Para Manevy, o grande desafio é preparar o Brasil para ser um grande
produtor de conteúdo. Ao país não faltam criatividade ou riqueza de
expressão cultural. O problema estaria na distribuição, na falta de
meios e formas para que a produção cultural possa circular socialmente,
e de maneira mais equânime.
Portais é o que não faltam. Uns estão às moscas por falta de
atratividade. Outros são um sucesso, caso do Porta Curtas Petrobras,
cujo acervo inclui 4.150 filmes para pesquisar, 509 para assistir, e
quase 18 mil fichas de artistas e técnicos. Na web
desde 2002, o projeto tem patrocínio majoritário da Petrobras, que
cobre, em média, 60% dos orçamentos anuais, e se destina a suprir a
lacuna de informações sobre a produção brasileira de curta-metragens, e
propiciar a exibição gratuita dos filmes, na íntegra. Desde a estréia,
foram 10 milhões de visitas, 58 milhões de page views, 7,5 milhões de exibições.
A grande difusão do Porta, conta Juca Worcman, da Synapse e da Oscip
Instituto Tamanduá Synapse Cultural, deve-se a três fatores: uso de
ferramentas interativas, resultados de busca ricos, sistema
automatizado de parcerias de difusão. O que importa é que a obra vá ao
espectador. A difusão da produção cultural passa por sua exposição ao
leitor/consumidor que, se se sentir atraído, navega em torno dela,
ensina. Resultado: em 2006, nasceu o Curta na Escola, módulo pedagógico
do Porta Curtas Petrobras que dispõe de site próprio voltado para a
comunidade de educadores, e lançou o primeiro volume da Coleção Curta
na Escola, DVD de curtas com alto potencial didático, que será
distribuído, gratuitamente, para 600 escolas da rede pública.
http://portacurtas.com.br
http://curtanaescola.com.br
http://institutotamandua.org.br