Contra o portal-curral

Educador defende o estímulo às redes e à produção cultural de professores e alunos. E critica o aprisionamento em sites com informações pré-selecionadas. Uma saída pode estar na capacitação.



Educador defende o estímulo às redes e à produção cultural de professores e alunos. E critica o aprisionamento em sites com informações pré-selecionadas. Uma saída pode estar na capacitação.



Projeto Viajando no
mundo da leitura, de
Erneb Sitio dos Campos,
em Mogi Mirim (SP).
Para o educador Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, conteúdo pedagógico é qualquer um, desde que seu uso contribua para um ensino que, diferente do atual, potencialize, por meio da tecnologia digital, a conquista da cidadania, da integração plena da pessoa na sociedade, para que ela possa compreender e ter capacidade intervir. Nessa perspectiva, ele está engajado na construção de uma rede, baseada em plataforma de software livre, para intercâmbio de vídeos produzidos por professores e alunos de escolas da Bahia. A Rede de Intercâmbio de Produção Educativa (Ripe) quer ver a produção colaborativa e descentralizada de imagens e sons para a educação básica. A experiência deve começar por três escolas piloto na Região Metropolitana de Salvador, do Recôncavo e do Semi-árido.

O projeto, em parceria com o professor Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba, envolve um sistema para TV interativa: “Instala-se um núcleo de produção audiovisual, nas primeiras três escolas, e o conjunto de alunos e professores vai preenchendo a programação”, explica Nelson. Para o tráfego dos vídeos, a Ripe pretende usar o backbone da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e a estrutura da Rede de Intercâmbio de Televisão Universitária (Ritu). Estão previstas oficinas para professores em conjunto com Pontos de Cultura (apoiados pelo Ministério da Cultura). O desenvolvimento da Ripe está orçado em R$ 200 mil, pleiteados à Fapesb (agência de financiamento à pesquisa da Bahia).

“As tecnologias devem funcionar como estímulo permanente à criação e à produção”, insiste Nelson. Os conteúdos digitais relevantes para a educação, portanto, na sua opinião, não encontram-se em portais voltados para as escolas. Estão em sites como Estúdio Livre ou Overmundo, que dão espaço para a publicação de obras culturais dos internautas, e oferecem ferramentas livres para produção artística (softwares para edição de som, imagem, etc.). Defende, assim, a aproximação dos professores e alunos dos grupos que façam música, cinema, artes populares, como aqueles que se reúnem em torno dos Pontos de Cultura. “Pesquisas mostram que 57% dos jovens norte-americanos já postaram no Youtube”, diz.

Nelson Pretto resume o que não se deve fazer: de um lado, bloquear os conteúdos — não pode jogar, não pode chat, não pode vídeo, não pode rede peer-to-peer; de outro, estimular o acesso dirigido a um portal determinado. “Pronto, está montada a rede broadcast, centralizadora e hierarquizada, em que o professor perdeu a autonomia, é mero ator, não autor”, alerta. “O ideal era os professores entrarem no Wiki, fazerem um ‘Overmundo’ da Educação.”

Por acreditar que não se deve trabalhar com conteúdos prontos, Nelson considera a idéia do portal “extremamente perigosa”. E cita artigo de André Lemos (“Morte aos Portais”), escrito em 2000, onde o autor conceitua os “portais-currais”: “configuram-se como estrutura de informação (conteúdo) que nos tratam como bois digitais forçados a passar por suas cercas para serem aprisionados em seus calabouços interativos. Devemos nos afogar em números.” Ou: “Dizem que tudo existe num Portal, e que não precisamos nos cansar em buscar coisas lá fora. Mas quem define o que é tudo?”

Capacitação
O secretário de Educação a Distância (Seed) do MEC e coordenador do Proinfo, Carlos Bielchowsky, reconhece que não basta instalar a infra-estrutura. “A capacitação é o maior desafio. A necessidade de criar uma nova cultura. Temos que mobilizar a ponta; sem isso, não adianta ter laboratório de informática, nem conteúdo educacional”. Para tanto, a Seed decidiu enfatizar a articulação com os níveis estaduais e municipais. Em cada estado, participa da criação de uma comissão tripartite, com representantes do MEC, da União dos Diretores Municipais de Ensino (Undime) e da Coordenadoria Tecnológica de Educação, dos governos estaduais.

“O objetivo dessa coordenação é valorizar os Núcleos Tecnológicos Educacionais (NTEs) nos estados e estimular a criação de NTEs municipais”, diz. Além disso, o programa de capacitação em mídias na Educação reúne, atualmente, 20 mil professores no módulo básico; 8 mil, no segundo módulo; e 3 mil estão concluindo o curso de especialistas.

Mílada (Mila) Tonarelli Gonçalves, da área de planejamento e avaliação do portal EducaRede, da Fundação Telefônica, reforça a necessidade de investir em capacitação. “Não é que o professor não produz na internet, ele não produz nem fora da internet. Ele não produz no seu relatório, em papel”. Concorda, assim, com o filósofo francês Michel Serres, que, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em 1999, declarou: “As novas tecnologias não trazem novos desafios à Educação”. Também para Mila, “os desafios são os mesmos de sempre: formar o professor criativo, mediador, que aceita ser questionado.”

Por isso, embora o Educarede ofereça planos de aula prontos — “porque tem o professor criativo e tem aquele que quer tudo pronto”, diz Mila — estimula o uso da internet para o seu próprio interesse, atalho para a futura autonomia online. “Se o professor não é usuário, como vai pensar pedagogicamente esse meio?”, pergunta. A estratégia é identificar as necessidades pessoais do educador: o e-mail para falar com parentes distantes, o acesso a receitas,  etc. “Se você consegue que o professor tenha uma caixa de e-mail já é um avanço. Semanalmente, o Educarede manda um boletim para ele.”

No Paraná, a Secretaria de Educação tem um Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) para formação continuada de professores (entram 1,2 mil por ano), com duração de dois anos. “Dentro desse programa, cada um abre um grupo de trabalho em rede, com até 30 integrantes, e torna-se tutor, com relação aos conteúdos que ele está vendo, para professores da mesma área de conhecimento que não estão o PDE”, explica Elizabeth Santos, diretora de tecnologia educacional. Em 2007, foram 30 mil professores envolvidos (de uma rede total de 55 mil profissionais).

Portais pagos

Apesar da existência de conteúdos gratuitos na internet, os governos do Amazonas (130 escolas) e de São Paulo (por meio do Centro Paula Souza) e algumas prefeituras optaram por portais proprietários e pagos. A Positivo atende a cerca de 380 mil alunos da rede pública, em todo o Brasil, com o portal Aprende Brasil, segundo André Caldeira, vice-presidente de tecnologia educacional da empresa.

Para o executivo, o diferencial é o trabalho feito junto ao professor (20 horas de capacitação), e o fato de a empresa manter um pessoa por escola para prestar assistência. Só as escolas clientes têm acesso aos conteúdos, por meio de logins e senhas distribuídos aos professores. Lá dentro, há ferramentas para blog e para publicação, embora o material produzido fique fechado dentro do portal. “A finalidade é puramente educacional. Se o professor quiser publicar um vídeo, pode publicar no Youtube”, diz André.

Há também cerca de 300 objetos de aprendizagem, desde um simulador até um microscópio eletrônico. Mas a ferramenta de busca filtra a pesquisa. “Todos os sites são catalogados. De modo que a ferramenta só vai buscar o que foi pré-avaliado”, ou seja, os conteúdos considerados adequados pela equipe mantida pela Positivo. O preço de contratação, em geral por um ano, varia de acordo com o número de escolas e de alunos. Segundo André, uma escola com 800 alunos paga, em média, R$ 2.150,00/mês, pelo acesso ao portal, capacitação, implantação. Muitas vezes, os negócios envolvem também a venda dos computadores educacionais ClassMate (1,4 mil unidades vendidas até o final de abril, sendo 1.075 deles para a prefeitura de Indaiatuba, em São Paulo).

No caso de São Paulo, o professor Almério Melquíades de Araújo, responsável pela Coordenadoria de Ensino Técnico (Cetec) do Centro Paula Souza, explica que o acesso foi contratado para 40 escolas do ensino médio — equivalente a 850 professores e a cerca de 18 mil alunos, nas três séries. Para escolher a solução, ela foi submetida à crítica e aprovada por um conjunto de escolas. Segundo Rosana Mariano, coordenadora no Centro do projeto, o conteúdo da Positivo destacou-se por atender ao currículo do ensino médio, com ferramentas interativas como chat e blog.