Correria para fazer filmes na periferia

A Filmagens Periféricas, inaugurada em 2002, produz filmes sobre a vida na Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo.
A Filmagens Periféricas, inaugurada em 2002, produz filmes sobre a vida na Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo.


JC, um dos criadores da
Filmagens Periféricas.

Nas locadoras de vídeo da Cidade Tiradentes, quem aluga dois filmes pode levar um terceiro, de graça. A fita extra tem nove curta-metragens produzidos por pessoas da comunidade. Cinco, durante a Oficina Kinoforum de 2002 e outros quatro depois, feitos também por pessoas que participaram da oficina. Se não fossem distribuídos dessa forma, esses curtas dificilmente seriam vistos pelos moradores de Cidade Tiradentes. “Nos festivais, somente os realizadores vêem os filmes. A comunidade não acompanha”, diz João Carlos Teixeira Chaves, o JC, editor. JC participou da Oficina Kinoforum de 2002 e desde então não parou de filmar.

Também foi assim com Cláudio Nunes de Souza, ou TioPac, diretor. Ele continuou produzindo depois da oficina, mas poucas pessoas da comunidade conhecem seus filmes. As fitas nas locadoras começaram a mudar essa situação. Outro dia, TioPac foi parado na rua por um vizinho que assistiu ao vídeo. “Era o Formigão, que me conhece há vinte anos. Ele sempre desacreditou das coisas que faço. Mas, depois de ver os filmes, me chamou para dizer que quer atuar no próximo”, conta TioPac.

JC, TioPac e Kelly Regina Alves criaram a Filmagens Periféricas depois de participar da Oficina Kinoforum. Seu primeiro trabalho profissional de vídeo foi um convite para filmar a festa de 40 anos da Cidade Tiradentes. Para subir no palanque, era necessário um crachá; para preencher o crachá, a empresa precisava de um nome. Filmagens Periféricas foi inventado ali mesmo e escrito com caneta esferográfica nos crachás. “Guardo de relíquia”, diz TioPac.

A idéia de produção periférica está em todos os projetos da FP. O das fitas de vídeo chama-se Cinema de Periferia e foi realizado com dinheiro do programa de Valorização de Iniciativas Culturais da Prefeitura de São Paulo. O mesmo programa premiou o Núcleo Periférico de Cinema PacLee com R$ 15 mil – para a compra de duas câmeras e uma ilha de edição, a serem usadas em oficinas. O dinheiro ainda não foi liberado pela prefeitura.

Até agora, o pessoal da FP fez tudo na raça, com câmeras e ilhas emprestadas. Foi assim que produziram curtas como “Mãe na Obra”, para o Festival do Minuto de São Paulo, em 2004, e “Vida Loka”, que custou R$ 1,5 mil e teve patrocínio da subprefeitura de Cidade Tiradentes. “A Globo fez uma matéria sobre nossa produção e nós levamos para convencer o subprefeito a nos ajudar”, conta JC.

Em outubro de 2004, a FP filmou a entrega do 4º Prêmio Ethos de Jornalismo. Trabalhos como esse não aparecem o tempo todo. Assim, a correria para ganhar dinheiro é permanente. JC é editor nas oficinas Kinoforum e na Faculdade UniSantana. TioPac deu aulas no CEU, ainda não recebeu e, agora, está atrás de patrocínio para outro curta. Um filme sobre um cidadão comum que tenta desenvolver iniciativas culturais em sua comunidade, mas não é reconhecido. “Ele pode conseguir realizar seus sonhos ou simplesmente desistir”, diz TioPac. Vai incluir na história referências ao dentista Flávio Ferreira Sant´Ana, morto pela Polícia Militar em 2004, aos 28 anos, na Zona Norte de São Paulo. “Não sei como será o fim do filme”, diz ele. “Estou com pena do personagem”. Será que o nosso herói vai conseguir?

Oficinas de produção de audiovisual na periferia
www.kinoforum.org