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cultura – Tropixel: coisas pra fazer junto

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Tropixel: coisas pra fazer junto

Com espírito criativo e colaborativo, festival reúne experiências, saberes, ativismo e cultura digital.
Luciana Fleischman

 

ARede nº 95 – novembro/dezembro de 2013

Eletrônica, metareciclagem, turismo de base comunitária, bioarte, fabricação digital, agroecologia, laboratórios experimentais, software e hardware livre, intervenções urbanas, mobilidade, culturas tradicionais, mídia livre. O que tudo isso tem em comum? Muito! Como ficou claro no Tropixel, um festival que desafiou as fronteiras entre as diversas áreas de conhecimento e promoveu a convergência de artistas, pesquisadores e ativistas do Brasil e de outros países. Os debates, as ações nos territórios e as contaminações criativas procuraram, por meio da colaboração, pensar a construção de futuros mais sustentáveis..

Resultado de uma parceria com a rede Pixelache, da Finlândia, que desde o ano de 2002 promove atividades de experimentação em arte, ciência e ativismo, com especial atenção ao ambiente, ao conhecimento aberto e aos processos Diwo (do inglês do it with others, faça com outras pessoas), a primeira edição brasileira teve duas etapas: de 17 a 19 de outubro, em Juiz de Fora (MG), e de 21 a 25 de outubro, em Ubatuba (SP).

O Tropixel-Juiz de Fora foi coordenado pela professora Raquel Rennó, do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora. A programação incluiu mesas redondas e apresentações em torno das ciências da diversidade como etnobotânica, etnomatemática e agroecologia, que incorporam tanto conhecimentos científicos quanto tradicionais. O encontro também tratou de produção de arte sonora a partir de experimentos bioacústicos, como a captação das frequências eletro-magnéticas da aurora boreal; e da criação de gambiarras com finalidades artísticas, lúdicas e educativas. Cultura digital, ação cidadã, feminismo em rede foram outros temas em pauta.

O artista inglês James Wallbank apresentou, nas duas cidades, a experiência do Access Space, um laboratório de arte e tecnologia de perfil comunitário, sediado na cidade de Sheffield (Inglaterra). Com 13 anos de existência, o Access Space combina reciclagem de computadores, fabricação digital, software livre e inteligência coletiva. “Convidamos as pessoas a vir para o nosso espaço fazer seus próprios projetos, utilizando as tecnologias. Elas podem converter seu tempo livre em algo produtivo, que pode ser reutilizado. Em vez de considerar o lixo eletrônico como lixo, podemos enxergá-lo como um recurso que pode ajudar não somente a melhorar a situação econômica de alguém, mas também de toda a sua comunidade”, diz Wallbank. Em Ubatuba, ele fez demonstrações e ministrou uma oficina do Raspberry-pi, um microcomputador de baixo custo baseado em hardware e software livre.

Outra participação de destaque foi do argentino Jorge Crowe criador do Laboratorio del Juguete (laboratório do brinquedo, em espanhol) e do projeto multimídia Los Hacecosas (os fazedores de coisas), que trabalha com crianças a construção de brinquedos eletrônicos a partir de materiais obsoletos ou quebrados.
Além das oficinas, o projeto mantém uma plataforma web e um seriado de televisão no canal público PakaPaka. Crowe falou da importância dos laboratórios abertos como instâncias que empoderam as pessoas, estimulando a criatividade, o vínculo social e afetivo, para além dos objetivos artísticos. Os participantes do festival de Ubatuba assistiram à performance audiovisual “Ludotecnia”, baseada no uso de brinquedos, hardware modificado, dispositivos eletrônicos caseiros e industriais.

Na mesa sobre feminismo em rede, Maria Ptqk, produtora cultural e pesquisadora independente da Espanha, fez uma retrospectiva do ciberfeminismo e contou sobre experiências atuais, como as do coletivo subRosa, nos Estados Unidos. Ela também integrou um painel sobre bioarte, onde apresentou o livro Soft Power. Biotecnologia, industrias de la salud y la alimentación y patentes sobre la vida, que aborda esses temas da perspectiva dos coletivos de arte, da ciência e do ativismo.
O segundo momento do Tropixel, em Ubatuba, foi coordenado por Felipe Fonseca, do projeto Ubalab, em conjunto com uma comissão organizadora de abrangência nacional. Foram articuladas propostas com o contexto específico da cidade, caracterizado pela rica biodiversidade, pela importância dos povos tradicionais (caiçaras, quilombolas e indígenas), pela exploração turística desequilibrada e pela falta de oportunidades para os  jovens, entre outros fatores.

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Nos dois primeiros dias, a Escola Técnica (Etec) do Centro Paula Souza sediou a sessão de abertura e um seminário estruturado em painéis temáticos, que foram retransmitidos ao vivo na página do festival na internet. As apresentações abordaram a discussão sobre lixo eletrônico e os laboratórios experimentais. Foram apresentadas experiências nacionais como a do Metareciclagem, uma rede auto-organizada que há mais de dez anos conecta propostas e processos de apropriação crítica das tecnologias para a transformação social. Fonseca, que é um dos articuladores do coletivo, apresentou o Ubalab e falou da convergência dos laboratórios experimentais com os processos de inovação social. Outro articulador do Meta, Hernani Dimantas, é também fundador do projeto Lixo Eletrônico, site que agrega referências e informações sobre a questão no Brasil e no mundo. Houve ainda painéis sobre bioarte e turismo sustentável.

Os próprios participantes do festival organizaram, de forma colaborativa, a programação de um Laboratório Experimental Temporário. Foram recebidas mais de cinquenta propostas, que passaram por uma seleção prévia. Diversos pontos da cidade sediaram oficinas, conversas e intervenções que espalharam as práticas de laboratório pelo espaço urbano, estimulando a troca de conhecimentos e a colaboração entre integrantes do festival e a comunidade. O Festival agregou um público entusiasmado e diversificado – pessoas vinculadas a redes de cultura livre, arte e tecnologia, jovens estudantes da escola técnica, educadores, interessados em cultura, ambiente, turismo, inclusão social e mídia comunitária. 


O Ônibus Hacker trouxe de São Paulo vinte pessoas com propostas selecionadas por meio da chamada pública de imersão criativa. No dia 23, o ônibus estacionou na Etec, onde aconteceram oficinas de rádio livre, prototipagem rápida com máquina cortadora CNC, construção de brinquedos a partir de lixo eletrônico, mapeamento da ciclofaixa, sinalização de pontos críticos, e criação de uma comunidade online para discussão da mobilidade em bicicleta na cidade, entre outras. No dia 24, as atividades continuaram no espaço público, em conjunto com o Labmóvel, outro laboratório sobre rodas, onde o coletivo passarola promoveu conversas sobre cultura espacial, e experimentações como a fabricação de hidrogênio caseiro, utilizado para encher balões.

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Um pequeno grupo foi ao Quilombo da Fazenda Picinguaba, próximo do Parque Estadual Serra do Mar, uma das maiores reservas de mata atlântica do Brasil. A proposta foi conhecer a situação da comunidade e os projetos relacionados com a preservação da cultura tradicional e a sustentabilidade. Uma das iniciativas, contou Laura de Jesus Braga, presidente da associação do quilombo, é o ponto de cultura Olhares de Dentro, onde mulheres quilombolas trabalham a questão da gastronomia tradicional; outro, é a Casa do Artesanato Comunitária.

O quilombo tem um telecentro comunitário, que apesar de ser uma grande necessidade da comunidade, estava inativo há mais de dois anos por falta de acompanhamento do governo. Naquele mesmo dia, participantes do festival colocaram em funcionamento a conexão à internet pela antena do Gesac. Na mesma hora, jovens da comunidade se aproximaram do local para acessar a internet pelo celular.
Outros participantes ofereceram assessoria para desenvolver uma estratégia de comunicação e fortalecer o empreendimento de culinária tradicional. Iuri Guilherme, integrante da rede Metareciclagem, realizou uma imersão no quilombo e, com ajuda de outros participantes e apoio dos moradores,  o telecentro foi reativado e voltou a ser utilizado plenamente pela comunidade.

No último dia, o laboratório ganhou sua máxima expressão com a ocupação cultural de um terminal turístico abandonado em frente à praia do Perequê-Açu. As pessoas foram chegando, circulando pelo lugar, e colaborando na montagem de suas estações de trabalho, na sinalização dos espaços e na programação do dia.
Entre as diversas atividades auto-organizadas, houve um mutirão de horta urbana, uma rede autônoma sem fio destinada à livre troca de arquivos, uso de bicicletas para geração de energia elétrica, graffiti, performances audiovisuais, feira de artesanato, roda de capoeira, apresentação teatral, exibições de vídeo. Também oficinas de stencil, eletrônica e construção de sintetizadores caseiros, RaspberryPi, Arduino, construção de antenas de rádio e construção de câmeras pinhole. O Labmóvel realizou projeções e debates utilizando o Gambiociclo, um triciclo de carga modificado contendo equipamentos eletrônicos para realização de intervenções na rua, desenvolvido pelo coletivo Gambiologia.

Mauro Lauro, da equipe da Gaivota FM, rádio comunitária de Ubatuba que realizou uma cobertura diária do evento, achou interessante a forma com que iam surgindo as atividades: “O festival foi se movimentando ao mesmo tempo em que ia acontecendo. Foi se alimentando com interferências, ideias. Alguém coloca um ponto de vista e surge um novo campo que você não tinha pensado, então você coloca uma questão…é um movimento constante, um modo contínuo”.

tropixel.ubalab.org