A sabedoria criativa
Exposição de design popular mostra a inventividade e o talento de artesãos e cidadãos que fazem arte na periferia
Áurea Lopes
ARede nº 90 – abril de 2013
UMA CADEIRA feita com pedaços de madeira encontrados nas ruas, batizada de Cadeira Favela, ganhou destaque nas principais revistas e jornais do país, há alguns anos, quando foi exposta em uma mostra internacional de arte. Outra obra de design de mobiliário também exibida em uma exposição de arte, um banco talhado em um tronco de árvore, não recebeu igual atenção da grande mídia. A explicação é simples: embora criadas a partir da mesma origem, as duas peças pertencem a mundos muito diferentes. A primeira é “assinada” por uma dupla de brasileiros prestigiados até em Milão, na Itália, a Meca do design; enquanto a outra é fruto da criatividade popular, esculpida por um brasileiro anônimo (quem sabe até um legítimo morador de favela?). A primeira faz parte do mundo da cultura institucionalizada. A segunda faz parte do mundo da cultura marginal.
É a jornalista e curadora Adélia Borges, com atuação nesses dois universos, quem constata: “Quando você manda para a imprensa o anúncio de uma exposição dos irmãos Campana, por exemplo, todo mundo publica na hora. Mas trabalhos desse tipo, de artesãos populares, nos quais esses próprios designers premiados se inspiram, não conseguem a mesma visibilidade na sociedade”. Há um certo preconceito com o que é “popular”, lamenta Adélia. Os irmãos Campana são os autores da famosa Cadeira Favela. O banco de tronco integra a mostra Design da Periferia, que está no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Ibirapuera, em São Paulo (SP).
Idealizada com o propósito de mostrar que a inventividade é uma força vital no Brasil, a exposição traz artefatos, utensílios, móveis e objetos feitos por artesãos e também por cidadãos comuns que, sem recursos, têm de se virar e construir os próprios equipamentos de trabalho. “Nem por isso desprovidos de encantamento e beleza”, diz Adélia, curadora da exposição da Periferia.
Entre as obras da mostra, que a curadora define como “manifestações inequívocas de sabedoria criativa”, estão fotografias e vídeos realizados por jovens da escola Oi Kabum! de Salvador (BA). Isabel Gouvea, coordenadora da ONG Cipó, parceira do Instituto Oi Futuro no projeto, conta que os meninos e as meninas da escola produziram quatro vídeos especialmente para essa exposição: um sobre latas de taboca (recipientes para vender biju); um sobre o carrinho de sorvete Cantimplora; um sobre o catador de sucata Maverik; e um sobre os carrinhos para vender café, que já são uma tradição baiana. Os ensaios fotográficos registram mobiliário de bares com composições geométricas, cenas da vida nas lajes de comunidades pobres, letreiros de barcos.
Há ainda um carrinho de pedreiro-lanchonete – um carrinho de mão sobre o qual foi instalada uma redoma de vidro onde são acondicionados os sanduíches, e uma caixa de isopor para bebidas. Um carrinho de bebê que se transformou em uma lojinha móvel, assim como o carrinho de supermercado para vender badulaques de todos os tipos. Brinquedos, vestimentas e folhetos impressos de propaganda também têm seus espaços.
A mostra, que vai até julho, recebe escolas em visitas monitoradas. Educadores do Pavilhão das Culturas Brasileiras realizam oficinas de arte-educação. Dia 18 de maio haverá um debate gratuito, das 16h30 às 19h, com a participação da curadora, Adélia Borges; de Isabel, da Cipó; e do sociólogo e historiador Titus Riedl, professor da Universidade do Cariri.