Uma exposição com trabalhos de artistas estrangeiros, inéditos no
Brasil, mostra como a arte tecnológica pode imitar a vida e fazer
refletir sobre a existência humana. O conceito explora a cibernética, a
interatividade e a relação máquina/homem João Luiz Marcondes
"Eden", a instalação de McCormack,
reproduz a evolução da vida em
ambiente artificial. Criaturas
interagem com visitates da
exposição.
Um software pode ser uma obra de arte? A verdade é que
ainda há muita resistência, inclusive entre a crítica especializada,
sobre o valor dessas obras digitais. O próprio francês Edmond Couchot,
de 74 anos, um dos maiores expoentes do gênero e professor da
Universidade Paris 8, reclama da marginalização que seu trabalho sofre:
“Esse tipo de arte raramente é vendida ou encontrada em galerias”.
Agora, no Brasil, 13 trabalhos de alguns dos mais representativos
artistas estrangeiros acabam de desembarcar no Itaú Cultural, para a
exposição Emoção Art.ficial 3.0. Um dos destaques é Les Pissenlits, de Couchot e Michel Bret.
O conceito explorado nessa exposição, a terceira do tema no Itaú
Cultural, é a cibernética – termo que pode
Dispositivos se comunicam por
ondas ultra-sônicas e formam
uma comunidade.Obra de
Usman Haque e Robert Davis.ser entendido como a relação
de comunicação e controle entre animais (aí incluído o ser humano) e
máquinas. Basicamente, as obras colocam o espectador em situações de
interatividade, o que proporciona, além da reflexão que qualquer objeto
de arte pede, uma dose extra de diversão sensorial.
Segundo os organizadores da mostra, a arte não depende da
plataforma utilizada, sejam as antigas telas dos pintores
renascentistas, sejam monitores de plasma. “Não é a tecnologia que
importa, mas sim o conteúdo, a poesia”, observa Marcos Cuzziol,
coordenador geral do Itaulab – fórum que discute projetos do tipo. E,
apesar de o digital colocar bytes e bits
como protagonistas nesse nosso moderno mundo, boa parte dos autores
reproduz, por meio de software, ecossistemas orgânicos, em uma crítica
à artificialidade das relações humanas nos dias de hoje.
Vida própria
Campeã de diversão, a "Messa di
Voce", de Levin e Lieberman,
transforma a voz das pessoas em
desenhos abstratos.
Um exemplo é o Eden, trabalho de Jon McCormack, professor sênior de
Ciência da Computação da Universidade de Monash, em Melbourne
(Austrália). O espectador entra em uma sala escura, onde uma instalação
reproduz um ecossistema, com criaturas e rochas. Os seres têm uma vida
(artificial, gerada por software) própria. Quando uma pessoa se
aproxima de determinado ponto da obra, o ambiente se enche de vida,
comida é produzida e os animaizinhos se excitam, emitem ruídos. Muitas
vezes, situações não previstas pelo próprio autor acontecem. Por
exemplo, as criaturas se acostumaram a cantar, a fim de atrair os espectadores.
Já a francesa France Cadet faz uma crítica obstinada à manipulação
genética em seu trabalho que é, ao
O texto da máquina
de escrever dá vida
a pequenos seres
virtuais. Obra da
artista e bióloga
Christa Sommerer
com o marido Laurent
Mignonneau.mesmo tempo, chocante e terno. Ela
reproduziu, com robôs, experiências feitas com bichos de verdade. Seus
animais tecnológicos, semelhantes a brinquedos de criança, são bizarras
criaturas que misturam genes de cães, gatos, vacas, porcos, carneiros e
até humanos. Há, por exemplo, um cãozinho com duas orelhas nas costas.
Os robôs, quando ligados, têm comportamentos esquizofrênicos, um deles
apresenta a doença da vaca louca e acaba morrendo, quase espumando.
“Muitas vezes, o público ri dos robôs. Mas não é para achar engraçado,
até por que todas essas experiências genéticas foram feitas, de fato,
com animais de verdade”, denuncia France.
Outra obra lúdica que, certamente, está divertindo quem passa pela exposição é Messa di Voce (impostação de voz, em italiano), dos artistas Golan Levin e Zachary Lieberman. Nela, um sofisticado software
de reconhecimento de voz transforma os nuances vocálicos (dos
visitantes, por exemplo) em gráficos complexos e expressivos. As
pessoas gritam, murmuram, sussurram, gargarejam e cantam no microfone,
gerando os mais variados e belos padrões gráficos. Perguntado sobre
qual o objetivo de sua arte, Levin ataca com bom humor. “Nenhum artista verdadeiro deve responder a esse tipo de pergunta.”
Genética
Os cães robôs de France Cadet
sofrem as mesmas reações de
animais de verdade submetidos
a experiências genéticas feitas.
Como nos trabalhos de France Cadet e McCormack, muito do que se vê
nessa exposição mostra simulacros de vida em ambiente virtual.
Conceitos como vida artificial e inteligência artificial pipocam em
palestras e nas explicações dos entendidos. Uma das obras mais
incríveis, que vai nessa linha, é Life Writer,
do casal belga Christa Sommerer e Laurent Mignonneau. Pense numa
máquina de escrever, dessas antigas, só encontradas em antiquários. Em
vez de papel, uma tela branca e luminosa. À medida que a pessoa
datilografa, vão surgindo pequenas c
Clássico da arte tecnológica, "Les
Pissenlits", de Couchot e Bret, são
flores dente de leão que soltam
suas sementes com o sopro do
espectador.riaturas. Que se espalham pelo
branco da tela. Ganham vida. Uma se alimenta da outra. Outras morrem.
Não é só no aspecto físico que elas são diferentes, mas no
comportamento. “A idéia é bem literal. O texto (da máquina) é o código
genético desses animais”, explica Christa, que também é bióloga. As
possibilidades de manipulação genética, no caso, parecem infinitas.
Os organizadores da mostra não selecionaram artistas brasileiros para
essa exposição, mas não quer dizer que eles não existam ou não sejam
importantes. “Optamos por trabalhos inéditos no país”, explica Cuzziol.
Mesmo assim, vale citar alguns dos principais expoentes nativos da arte
tecnológica, como Gilberto Prado, Tânia Fraga, Diane Domingues, Rejane
Cantonia, entre outros, cujos trabalhos já foram apresentados no Itaú
Cultural.
"Text Rain", de Camille Utterback
e Romy Achtiuv: chuva de letras
cai sobre reflexos dos
visitantes. Um aspecto interessante desse tipo de arte é sua relação umbilical com
a indústria tecnológica. Muitas delas têm que ser atualizadas, pois
suas plataformas (hardware ou software)
se tornam, rapidamente, obsoletas. “Além disso, há grande interesse da
indústria, por exemplo, a de games, de olho nas descobertas a respeito
de vida artificial e inteligência artificial”, destaca Cuzziol. De
fato, quando uma criança depara com um desses mundos interativos, é
inevitável que o brincar seja prioridade. É lúdico e diverte. Mas
Christa Sommerer lembra que a diversão é meramente ocasional e
secundária. E mais: não pode se sobrepor à reflexão e à crítica sobre a
existência – aí sim, o que caracteriza a verdadeira obra de arte.
No dia 18 de julho, o Itaú Cultural lançou o Rumos Arte Cibernética
2006 – com o objetivo de mapear, apoiar e difundir esse segmento
artístico no Brasil. As inscrições podem ser realizadas até o dia 18 de
novembro. A seleção dos projetos será feita por uma comissão autônoma
de especialistas, em duas carteiras: Apoio à Produção de Obra de Arte
em Tecnologia e Apoio à Pesquisa Acadêmica (mestrandos e doutorandos).
Na primeira carteira, serão contemplados até oito projetos (prêmios de
R$ 20 mil a R$ 40 mil).
Emoção Art.ficial – Interface Cibernética: até 24/9 no Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149).
Telefone: 11- 2168-1776. Entrada franca.