cultura


Celebração do 
bem comum

Redes transitam do virtual para o espaço público na terceira edição do CulturaDigital.br, no Rio de Janeiro.   Áurea Lopes

ARede nº 77 janeiro de 2012 – Durante dois anos, em 2009 e 2010, aconteceu, em São Paulo, o Fórum de Cultura Digital. Em 2011, o fórum se tornou um festival internacional e chegou até o Rio de Janeiro. Não por acaso. Com boa parte das atividades realizadas em espaços abertos, no vão livre do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, a 3ª edição do CulturaDigital.br teve como proposta ampliar horizontes, ganhar visibilidade, abrir frentes de interlocução, levar a cultura digital para as ruas. E foi o que aconteceu, de 2 a 4 de dezembro de 2011, quando o Festival Internacional de Cultura Digital.br (FICD) agregou cerca de 6 mil agentes culturais, ativistas e  visitantes interessados em trocar conhecimentos sobre cultura livre e democratização do acesso às tecnologias da informação e da comunicação. O público, vindo de todos os estados do país, participou de 11 Encontros de Rede, 16 apresentações no espaço Visualidades, 52 exibições da Mostra de Experiências, sete debates na Arena, oito palestras no teatro Odeon Petrobras e cerca de 20 oficinas ministradas no Laboratório, no Ônibus Hacker e no Espaço Multimídia.

Todas as atividades do 3º FICD – que foi viabilizado por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, com patrocínio da Petrobras – procuraram se orientar pelo espírito “da produção e da apropriação do bem comum, seja esse bem cultural ou resultado material de uma criação intelectual”, disse Rodrigo Savazoni, diretor geral do evento. Essa ideia vem da palavra commons, da língua inglesa, um conceito tão abrangente que ainda não há uma tradução consensual para o português – discussão que também foi objeto de reflexão entre os participantes do festival, empenhados em trazer os temas da liberdade de expressão e produção para mais perto da sociedade brasileira.

“Essas estruturas vazadas, para que todos possam ver, participar, representam a proposta do festival. Nós ocupamos o espaço público. Foi um exercício de liberação das potências da internet para as redes físicas, provocando processos inovadores”, avaliou Savazoni.

As atividades do festival foram distribuídas em seis eixos: Mostra de experiências, Visualidade, Laboratório Experimental, Espaço Multimídia, Encontro de Redes e Arena de debates. O ex-
ministro Gilberto Gil foi o embaixador do festival e recebeu, na cerimônia de abertura, o professor Yochai Benkler, diretor do Berkman Center for Internet. Presente em todos os dias do festival, o ex-ministro participou, ao lado do compositor Jorge Mautner, de um debate na Arena sob o tema “Ocupações, revoluções, redes: articulação do movimento global”, em que falaram também moradores de rua que participam de uma ocupação urbana na Cinelândia. Fazendo uma análise sobre as mobilizações sociais contemporâneas, impulsionadas pelas tecnologias, Gil disse: “O rio da história arrasta muita coisa. As novas ofertas [referindo-se à internet] são aparentemente libertadoras. Mas não eliminam a necessidade da vigília, da disposição de lutar pela atenuação, que seja, das desigualdades. É sempre assim, não dá para aliviar, é preciso nadar contra o aluvião das injustiças”.

Em uma roda de conversa sobre participação cidadã, o secretário de Políticas Públicas, Sérgio Mamberti, e o coordenador-geral de Mídia Digital, José Murilo Jr., apresentaram as iniciativas que o Ministério da Cultura vem encaminhando dentro do Plano Nacional de Cultura. Murilo apresentou o Sistema Nacional de Informações Culturais (SNIC), que está sendo desenhado para ser uma plataforma de dados abertos que a sociedade poderá não apenas consultar, mas complementar e também utilizar as informações de forma livre, uma vez que as APIs serão abertas. “Imaginamos uma espécie de Google Maps da cultura brasileira”, disse o coordenador. A partir dessa base de dados, esclareceu, a população poderá construir serviços e aplicativos. “O sistema vai exigir a participação de produtores e artistas, que deverão manter o banco atualizado”, completou. A grande riqueza, acrescentou, o volume de informações desse acervo virá da interlocução com a sociedade.

Murilo também falou sobre a proposta do MinC de criar um registro unificado de obras de arte, acoplado a uma licença pública para bens culturais. Os detalhes da nova licença ainda não estão definidos: “Queremos construir esse conceito junto com a sociedade, com vocês, para isso estamos aqui. O diálogo está aberto e o ministério espera as contribuições”. Sérgio Branco, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, colocou a preocupação de que a licença pública não venha excluir a licença 
Creative Commons. Murilo garantiu que não será uma licença obrigatória, tampouco virá para substituir a licença Creative Commons. Poderão ser usadas ambas, adiantou. “A combinação de registro autoral com uma licença customizada vai permitir que o autor decida que tipo de incentivo à circulação deseja para sua obra”, avaliou.

A troca de conhecimentos, experiências, links e aplicativos aconteceu em variados formatos e espaços durante o 3º FICD. Mas as conexões transcenderam a grade de programação. “O que estamos vivendo aqui é uma rede de afetos, que entrelaça as relações de pessoas para pessoas”, sintetizou Régis Bailux, do coletivo Bailux de metareciclagem.

No cine Odeon, na Cinelândia, aconteceram as palestras de convidados internacionais, como Yochai Benkler, diretor do Berkman Center for Internet; Michel Bauwens, fundador do Peer-to-peer; Kenneth Goldsmitih, criador do site UbuWeb; o documentarista canadense Hugues Sweeney e o pesquisador Phillipe Aigrain, CEO da Sociedade pelos Espaços de Informação Pública (Sopinspace). Os palestrantes brasileiros foram a ensaista Heloisa Buarque de Hollanda e o escritor Paulo Coelho,

No MAM, coletivos com foco em arte, educação, direitos humanos e serviços públicos apresentaram seus trabalhos na sala da Cinemateca. No vão livre, as bancadas do Laboratório Experimental promoveram a troca livre de conhecimentos e desenvolvimentos colaborativos utilizando tecnologias livres.

“Este ano, quisemos quebrar a expectativa das pessoas em relação às oficinas, onde você v em e aprende a fazer algo. Neste festival, temos as pessoas dialogando e produzindo, espontaneamente, com liberdade”, disse Felipe Fonseca, um dos organizadores do laboratório. Ele apontou, entre outros projetos do laboratório, um trabalho com cartografia experimental. “Estamos falando do uso de mapas e cartografia como ferramenta e metodologia de interferir na realidade, a partir de sistemas livres de georeferenciamento”.

O festival recebeu também o Ônibus Hacker, que fez sua primeira viagem, partindo de São Paulo com mais de 30 ativistas da transparência de dados públicos. Um projeto viabilizado a partir de uma iniciativa de financiamento coletivo, o ônibus está se preparando para percorrer o país e levar às comunidades o conceito e a prática do direito cidadão de ter acesso aos dados governamentais, em todas as instâncias. O ônibus, que recebeu a vista do embaixador do festival, Gilberto Gil, voltou para São Paulo equipado com um circuito de transmissão de rádio FM feito em uma das oficinas do festival.

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