A organização não-governamental
Casa Curta-se tenta erguer a cultura audiovisual em Sergipe, mas sofre
com falta de recursos. O ponto alto das atividades é o Festival
Luso-Brasileiro de Curtas-Metragens, marcado para abril. João Luiz Marcondes
Praticamente inexistente, até então, a cultura audiovisual do estado de
Sergipe deu uma guinada, a partir de 2001, com o Festival Curta-Se, de
filmes com até 15 minutos de duração. Na esteira da mostra,
fortaleceu-se o projeto Casa Curta-Se, um cineclube ativo desde 1997.
Em 2004, já como organização não-governamental, tornou-se um Ponto de
Cultura, um espaço público dedicado ao estímulo das artes, com
incentivo do governo federal.
Desde então, o festival, promovido pela Casa, cresceu muito e hoje é
luso-brasileiro, ou seja, aceita inscrições de filmes brasileiros e
portugueses. É, também, itinerante e percorre, além da capital,
Aracaju, municípios de relevância histórica no estado, como São
Cristóvão (a quarta cidade mais antiga do país), Estância e Laranjeiras
– esta última, patrimônio arquitetônico do estado.
O Ministério da Cultura investiu R$ 150 mil no projeto, em quatro
parcelas, duas ainda a receber. No entanto, a Casa ainda não recebeu o
kit multimídia, prerrogativa de todos os Pontos de Cultura (com câmera
de vídeo e três computadores, entre outros equipamentos), essencial
para o prosseguimento das atividades. “Não sei bem a razão, mas, sem
isso, não podemos ampliar as oficinas”, lamenta Rosângela Rocha,
coordenadora do projeto.
Além disso, para receber o dinheiro do MinC, a Casa é obrigada a entrar
com uma contrapartida de R$ 37 mil, com recursos próprios. O projeto
não tem patrocínio privado. “Os empresários daqui não têm costume de
investir em atividades culturais e uma lei estadual de incentivo, já
aprovada há tempos, nunca foi regulamentada”, explica Rosângela. A Casa
consegue obter algum dinheiro realizando mostras para prefeitura,
e outras iniciativas do gênero. Além disso, a organização
não-governamental sofre com a briga de partidos políticos locais. “Se
você faz um projeto com o governo de um, não consegue mais nada com o
outro”, queixa-se a coordenadora.
O projeto ocupa, atualmente, uma casa alugada em Aracaju. Uma garagem
reformada serve de sala de aula para os estudantes. Dos quatro
computadores, dois são reciclados e pouco servem à produção de vídeos.
O restante é equipado com software livre. “Vivemos no sufoco”, diz a
coordenadora Rosângela, que mora na casa e paga, com seu próprio
dinheiro, dois terços do aluguel, além de luz, água e outras despesas.
Atualmente, a Casa ministra oficinas para 30 alunos da rede pública e
do ensino superior, com idades entre 16 e 24 anos. São contempladas
todas as fases da produção audiovisual e cinematográfica, tais como
roteiro, produção, fotografia, iluminação, direção de arte, trilha
sonora, além de história do cinema.
Outra atividade é o projeto Figuras em Trânsito, voltado para a difusão
de filmes. Em parceria com a Copacabana Filmes, os alunos fazem a
divulgação do Festival Internacional de Cinema Infantil (exibido na
rede Cinemark) e também de uma mostra de cinema francês, parceria com a
Cinemateca Francesa (por intermédio da embaixada do país europeu no
Brasil).
Outra função, claro, é o fomento do Festival Curta-Se, já tradicional
na capital sergipana, que acontece entre 26 e 30 de abril. Este ano,
pela primeira vez, haverá uma mostra competitiva. O vencedor ganhará R$
8 mil em aluguel de equipamentos para a produção em película 16 mm,
patrocínio da Cinerama. “Também é um projeto que consome dinheiro, com
hospedagem, passagens e comida para os convidados, por exemplo”, diz
Rosângela. A Petrobras Cultural contribui com R$ 100 mil para a
realização do festival.
No final de fevereiro, depois de um mês de abertas as inscrições, a
sexta edição do festival (Curta-Se 6) havia recebido 70 inscrições. O
prazo para se inscrever vai até 11 de março, e o resultado dos
pré-selecionados será divulgado no dia 7 de abril. Dos inscritos até
então, seis são películas em 16, 28 e 35mm, e 64 são vídeos. O maior
número de produções é do Estado do Rio de Janeiro. Três produções
sergipanas estão na lista dos vídeos, junto com cinco curtas de
Portugal.
Lojas de sapatos
Mostras alternativas para ver
filmes que estão fora do circuito
comercial.Serão selecionados 25 curtas-metragens na categoria película (16 mm
e 35 mm) e outros 20 de vídeo e digital. O festival também vai exibir
longas-metragens que não chegam ao circuito comercial sergipano e,
portanto, são inéditos em Aracaju, caso de Crime Delicado (filme
aclamado de Beto Brant, ainda em exibição em São Paulo), o baiano
Cidade Baixa, o documentário Soy Cuba, Mamute Siberiano, além de um
filme português, Alice.
A falta de espaço para a exibição de filmes nacionais no estado é um
problema que a OnG não se esquiva de enfrentar. Em Aracaju, há 18 salas
de cinema, todas em shopping centers, ambas pertencentes a grandes
grupos (Cinemark e Moviecom) e, é óbvio, só exibem blockbusters
americanos do tipo King Kong e Star Wars. Há dois anos, existia o
cinema Vitória, tradicional fonte de entretenimento na cidade, que foi
demolido para a construção de um mini-shopping. Pior sorte teve o Cine
Rio Branco, praticamente uma antiguidade, que era tombado como
patrimônio cultural de Aracaju. No entanto, o tombamento foi suspenso,
devido a uma briga da família dona do imóvel, e o cinema acabou virando
uma loja de sapatos. A Casa Curta-Se, junto com a associação Ecos
(Entidades Culturais Organizadas de Sergipe), que agrega instituições
ligadas a música, artes plásticas, fotografia e outras áreas, entrou
com uma representação na Procuradoria Geral do Estado, tentando
reverter a situação. “É uma situação triste, mas nossa função é lutar
contra esse tipo de coisa”, conclui Rosângela.