O encanto da palavra escrita e falada é devolvido a crianças de todas
as idades no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Para tanto, vale
a ferramenta preferida das novas gerações: a tecnologia. João Luiz Marcondes
“- Vc naum vem aki hj?”
As palavras que formam a frase acima não existem no português culto (à
exceção de “vem”) e nem no coloquial, para dizer a verdade. Mesmo
assim, ela é perfeitamente compreensível para quem se comunica por
blogs, chats, Orkut, telefones celulares e outras estradas virtuais da
vida, tão comuns nos dias de hoje, especialmente para os mais jovens. O
efeito disso sobre a língua (portuguesa, no caso) ainda não pode ser
medido, mas fica o alerta: “Não existe humanidade sem língua”.
O choque desses dois mundos, o da palavra culta com o do apelo
irresistivelmente veloz das novas tecnologias é, provavelmente, a
grande sensação proporcionada pelo Museu da Língua Portuguesa,
inaugurado este ano na reformada Estação da Luz, centro de São Paulo. O
lugar está sempre cheio de crianças – as tradicionais excursões de
colégio. Desses seres indóceis espera-se pouca paciência com as
sutilezas da língua. Mas, ao final de um passeio pelo museu, estão
todos encantados e, certamente, houve um aumento de interesse pelas
palavras. Incrível. Como foi possível?
Bem, normalmente, a visita começa no 3º andar. Ali há um auditório.
Todos se sentam, como em um cinema. Assoviam, fazem gracinhas. O filme
em si dura dez minutos – é nele que surge a frase “não existe
humanidade sem língua”, narrada por Fernanda Montenegro. Rapidamente,
conta-se a história da língua e sua importância. Na tela, cidadãos de
diferentes países falam em seus próprios idiomas. O espectador é
convidado a experimentar, com o ouvido, as diversas sonoridades. Uns
riem, mas a maioria já começa a prestar a atenção.
Depois, vem a melhor parte. A tela se ergue (mais um “efeito especial”)
e todos correm para um grande espaço que se parece com um planetário –
onde se sentam num quase círculo. Poesias são recitadas por vozes
conhecidas – como as de Chico Buarque, Matheus Nachtergaele ou Rappin
Hood. São versos dos maiores nomes da língua portuguesa (Fernando
Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, entre
muitos outros), mas, também, de poetas populares, como o próprio Hood
ou a dupla de repentistas Caju e Castanha. No que seria o céu do
planetário, as palavras são reproduzidas, ganham formas, tremem, andam,
somem e aparecem. Enfim, algo lúdico que captura a atenção da meninada
com maestria.
É o tipo de brincadeira que pode ofender alguns puristas. Mas o que vem
a seguir é ainda mais interativo e “moderno”. No segundo andar, em um
espaço do tamanho (comprimento) de um trem da estação, percorre-se um
tour interativo da língua portuguesa. Há, por exemplo, totens digitais
– cada um deles representa uma língua que influenciou o português
brasileiro: vai do tupinambá ao japonês, passando pelos dialetos
africanos e o inglês, for sure. Em um desktop, a criançada aprende
sobre a cultura desses povos e quais palavras oriundas de outras
línguas invadiram nosso vocabulário.
O que mudou o idioma
Em uma das paredes, há uma linha do tempo que começa contando os
primórdios da língua (por volta de 4 mil anos antes de Cristo) até os
dias hoje. São destacados fatos que deram novos rumos ao nosso idioma –
caso da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo – marcada pelos
experimentalismo da dupla Oswald e Mário de Andrade, entre tantos
outros artistas.
Há, também, um telão com um mapa do país. O espectador clica nos vários
estados brasileiros e, por meio de um fone, ouve os diferentes
sotaques. Dentro de um mesmo estado, é possível conferir como se fala
em mais de uma cidade (na capital ou no interior, por exemplo).
Forma-se fila para ouvir os “uais”, “bahs” e “oxentes” da vida, entre
tantos regionalismos que marcam nosso território. No final do andar,
mais um brinquedo raitéqui concentra a atenção da criançada. São mesas
onde são projetadas letras, randomicamente. Com a mão, o espectador vai
juntando as sílabas até formar palavras – quando uma delas está pronta,
aparece a etimologia da palavra. Educativo, hein?
Guimarães
Nem só de pirotecnias tecnológicas vive o museu. No primeiro andar
(normalmente o último a ser visitado), descortina-se uma espécie de
mundo encantado, não menos lúdico, de Grande Sertão: Veredas, a obra
definitiva do mineiro João Guimarães Rosa, considerado um dos maiores
livros escritos na língua portuguesa.
Guimarães foi daqueles transgressores hipercriativos. Inventou um jeito
de falar, apropriou-se da fala do sertanejo e o misturou à sua
imaginação alucinante. Há fartura de neologismos – o mais famoso é o
“nonada”, a primeira palavra do romance. Seu livro não é considerado
dos mais fáceis de se ler. Está aí a sacação da artista plástica Bia
Lessa, que concebeu a instalação no museu.
O espaço mistura diferentes obras de arte – que, em seu conjunto,
remetem ao Grande Sertão… Nada é óbvio. Por exemplo, há tonéis de
água com trechos do livro, mas para conseguir ler o que está escrito, o
visitante tem que usar um espelho, pois está tudo ao contrário. Em
outro lugar, as palavras parecem estar desconexas, faltam algumas
letras. Mas, se a pessoa sobe em uma escada (referência a um morro
visitado pelo personagem Riobaldo) consegue ver, através de uma lente,
o que está escrito lá embaixo.
Ouvem-se barulhos de animais típicos da região e gotas caem do teto (do
céu?), lembrando as veredas. Pendentes do alto, estão bandeiras, com as
páginas do livro manuscritas. É possível ler a obra inteira no museu.
Mas isso exigiria muito tempo e paciência e não há notícia de que
alguém tenha realizado a proeza.
Praça da Luz, s/nº Centro
Visitação: de terça-feira a domingo, das 10 às 18 horas
Entrada: R$ 4,00/ estudantes: R$ 2,00