Publicação discute compartilhamento dos bens simbólicos
Patrícia Cornils
ARede nº41 outubro de 2010 – Algumas coisas, à primeira vista, não fazem parte do mesmo universo: produção em rede, cinema, sementes transgênicas, direito ao anonimato na internet, educação, poder político. No entanto, estão todas interligadas a partir de conceitos que começam a fazer parte do cotidiano da cultura digital. Esse é o eixo central do livro Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. A publicação, lançada em agosto, reúne 17 ensaios sobre a revolucionária possibilidade da humanidade se conectar por meio de redes de colaboração.
“Nunca foi tão fácil compartilhar, pela internet, informações, bens culturais, bens simbólicos”, observa Sérgio Amadeu da Silveira no vídeo de apresentação dos seminários que resultaram na produção do livro, disponível no YouTube. Em contrapartida, alerta ele, “nunca assistimos tamanho endurecimento da idéia de propriedade sobre bens do conhecimento”. As possibilidades de conhecimento livre e as tentativas de manter a interatividade e a inventividade sob controle estão presentes no livro.
Para quem trabalha em infocentros, telecentros, laboratórios de informática, para aqueles que acessam ou produzem informações pela internet, os ensaios ajudam a compreender as implicações da liberdade (ou da falta de liberdade) dos chamados “bens de conhecimento”. O primeiro ensaio do livro, feito pelos pesquisadores Imre Simon e Miguel Said, trata disso. Os autores explicam o que são os “rossios não-rivais”. Rossio é a palavra em português para áreas comuns, pastos ou praças, usados por uma comunidade, sem que nenhum proprietário exclusivo tenha a prerrogativa de vender as terras ou impedir seu uso. Em inglês, se diz commons, e é essa palavra que está na origem das licenças Creative Commons, que permitem usos flexíveis de bens culturais. Não-rival é quando o bem tem um uso simultâneo, por várias pessoas.
Bem não-rival
A língua portuguesa é um exemplo. Cada indivíduo consiste em um pequeno banco de dados e processador — único e muito complexo — dessa língua. Cada falante constrói, detém e exerce sua própria versão da língua, mas há elementos comuns a todas as versões. O que aconteceria se tivéssemos que pagar para usar a versão básica da língua? A informação, em geral, é um bem não-rival. Ao contrário de bens materiais — comida, por exemplo —, seu compartilhamento não reduz a parcela que cabe a cada um. Assim, um rossio não-rival é um conjunto de bens ou recursos que podem ser usados simultaneamente por uma comunidade.
As redes digitais permitiram o surgimento de grandes projetos de produção social estruturados em torno de rossios não-rivais. O livro trata sobre essa possibilidade de produção — que vai desde filmes até o conhecimento desenvolvido por nossos antepassados, que domesticaram o milho, o arroz e outros alimentos, e nos legaram de forma livre este conhecimento. Alguns ensaios abordam questões como direito autoral, com conceitos próprios dessa área do conhecimento, que podem ser mais difíceis de entender. Mas o esforço vale a pena.
O livro está na internet, livre para ser baixado. A edição é resultado de seminários realizados pela Casa de Cinema de Porto Alegre e pela Associação de Software Livre, organizados por Sérgio Amadeu e pelo professor Nelson Pretto, da Universidade Federal da Bahia, em 2007. Os seminários fazem parte do programa Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura. No link do Cultura e Pensamento também há um rossio – todo o conteúdo dos debates do projeto está disponível para ser usado.
www.cultura.gov.br/programas_e_acoes/cultura_e_pensamento/index.php