Artistas desdenham de sucesso e priorizam a experimentação, em encontro do Pixel Show
Carlos Minuano
ARede nº41 Outubro de 2008 – A palavra-chave da última edição do Pixel Show, que aconteceu nos dias 13 e 14 de setembro, foi “experimentação”. A arte pela arte, segundo os participantes do evento, que reuniu um animado grupo de grafiteiros, fotógrafos, ilustradores, designers e estilistas, entre outros, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Lucro é bom e eles gostam, mas garantem que fica em segundo plano, ao menos durante a criação.
O Pixel é organizado anualmente pela Zupi, primeira revista brasileira de arte e design experimentais. Em foco, este ano, a criatividade. “Nossa proposta foi colocar todas as vertentes da arte em um único espaço, pensando mais na originalidade e deixando de lado questões técnicas ou comerciais”, observa Julia Bolliger, jornalista da publicação. Criado em 2005 como uma conferência de design e arte, o encontro artístico cresceu e este ano trouxe novidades como uma feira de exposição, com estandes de diferentes produtos e empresas voltadas ao setor de arte, design e tecnologia. Cerca de 900 pessoas passaram pela mostra.
A atividade central do Pixel Show, porém, foi um ciclo de palestras com profissionais do setor, em que marcaram presença nomes como o estilista Jun Nakao, o fotografo André Cypriano, o designer André Matarazzo, o quadrinista americano Greg Tocchini, o diretor de comerciais Marcelo Garcia e o stencil artist Ricardo Tatoo.
Arte e ativismo
No lugar do termo em inglês stencil artist, como é citado na programação do evento, Ricado Tatoo prefere uma definição mais simples para seu trabalho. “Sou um artista das ruas, faço arte urbana”, disse, enquanto preparava a “cola”, para a palestra que daria pouco depois – pequenos cartazes com informações e estatísticas relacionadas a educação e pobreza, entre outros temas.
O termo stencil art, segundo ele, comporta várias modalidades: “Tem o grafite feito à mão livre, de influência americana, e o outro, que usa moldes, ou seja, os estênceis”. Desde a década de 1980, Tatoo espalha sua arte pelas ruas da capital paulista, além da produzir capas de discos e cenários para bandas como Inocentes, Cordel do Fogo Encantado e Sepultura. Mas nem sempre ele esteve com a mão no spray. O artista paulistano é programador visual, já trabalhou na TV e foi o diretor de arte responsável pelo visual underground da marca de roupas Cavalera.
Por achar redundante falar de desenho e arte para desenhistas ou futuros desenhistas — afinal, grande parte do público das palestras do Pixel Show é formada por estudantes de desenho e de comunicação — Tatoo resolveu mudar a pauta e debater com os participantes de que forma arte e transformação social podem caminhar juntas. “Em meu trabalho, em vez de usar personagens famosos, procuro resgatar heróis e histórias da cultura brasileira”, conta Tatoo. Com esse objetivo, ele criou o que é hoje seu principal projeto, o TV Kills (TV que mata), uma crítica ao exagero no uso da língua inglesa. Um site? Uma marca? TV Kills é mais que isso. “É o meu laboratório e a minha assinatura”, responde. Em seguida, complementa: o projeto TV Kills, na prática, é uma espécie de manifesto, com o mote “revolução pela educação”: “A arte tem uma vocação para a cidadania e a inserção social”. Depois, diz, é só levar as idéias para ruas, internet, exposições e oficinas pelo país afora, para pessoas e regiões carentes.
Tatoo conta ter bebido ainda em outra fonte, as idéias do manifesto antropofágico. “Eu pego a cultura de fora, faço a digestão, misturo com elementos brasileiros e devolvo uma nova arte”, define. Para ele, o grafite é uma forma de transmitir valores como o respeito às nossas tradições. “Não podemos ficar cultuando o hambúrguer americano, enquanto desprezamos nossa feijoada”, diz.
A temática social também é a tônica do trabalho do paulista André Cypriano. Fotógrafo, autor de ensaios sobre a cultura informal na década de 1990, Cypriano ganhou destaque com séries realizadas em favelas e quilombos; além de livros como O Caldeirão do Diabo (editora Cosac e Naify), sobre a penitenciária Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Também no seu currículo, imagens místicas e exóticas registradas durante suas viagens a lugares como Indonésia e Sumatra.
Diversão e sustentabilidade
Ainda em setembro, a revista Zupi ajudou a organizar outro evento que se destaca pela inovação. O About Us Festival, realizado em São Paulo e Manaus, que procura mudar os padrões de entretenimento, ao adotar uma postura ecologicamente correta, unindo música e sustentabilidade. Cerca de 40 mil pessoas assistiram a shows de artistas como Vanessa da Mata, Seu Jorge, Bem Harper e participaram de ambientes temáticos como a Tenda Sensorial, onde foram exibidos filmes, imagens e obras sobre desequilíbrio social e natural. O Núcleo de Gestão Ambiental promoveu oficinas como a que apresentou, pela primeira vez, um processo de reciclagem de bituca de cigarro.
Coordenadas por ONGs e artistas plásticos, não faltaram atividades para quem se interessa em transformar em arte o material descartado diariamente nas residências. No espaço de compostagem, foi mostrado como produzir adubo em casa, a partir de resíduos orgânicos. Os participantes receberam mudas de árvores, prontas para serem plantadas.
Imagine a sensual Mulher Maravilha com o rosto da irmã Dulce, o mestre da arquitetura, o centenário Oscar Niemeyer, vestindo o figurino dark do demolidor. Ou então o sociólogo Betinho, no corpinho sarado do Homem de Ferro, e para ir mais longe, o espiritualista Chico Xavier rasgando o céu com a capa do Super-Homem. Parece loucura, mas é exatamente o que fez o stencil artist, ou, grafiteiro antropofágico, Ricardo Tatoo. Diversos heróis, ou anti-heróis, brasileiros compuseram a exposição “Reflita a Luz”, no restaurante Grazie a Dio, Vila Madalena, zona Oeste de São Paulo, entre 17 de setembro e 19 de outubro. De acordo com o autor, a idéia é expandir a mostra e transformá-la em um projeto itinerante, passando por diversas capitais brasileiras e fazendo ações junto a comunidades carentes.