Cultura


Reinvenção musical

Clube Caiubi conecta artistas em rede social que impulsiona produção de música independente

Bárbara Ablas

ARede nº63 Outubro de 2010 – Cada vez mais músicos e compositores adotam a internet como alternativa para divulgar seu trabalho. Em vez de se submeter às regras da indústria da música ou esperar por patrocínio, os artistas optam por utilizar a web como um poderoso canal de divulgação e distribuição. Em especial, quando se trata do uso livre e gratuito das obras. Porque, ao contrário do que propagam as correntes que defendem o copyright, essa é uma estratégia para fazer sucesso. Um exemplo que mostra uma sintonia bastante afinada entre o mundo da arte real e o virtual é a rede social Clube Caiubi de Compositores.

Criada em 2008, a rede tem hoje 6 mil associados de diferentes regiões do Brasil e de outros países. Compositores, intérpretes, músicos, poetas e produtores musicais frequentam o espaço virtual para formar parcerias, trocar experiências, divulgar trabalhos. Os perfis dos artistas que integram o coletivo recebem 350 mil visualizações por mês. Com 80 Gb de capacidade, a rede armazena um repertório gratuito de fazer inveja a qualquer gravadora: 14 mil músicas autorais disponíveis para audição, a maioria inéditas. O site ainda concentra mais de 30 mil fotos e cerca de 5 mil vídeos. Além disso, mensalmente são divulgados cerca de 2 mil eventos. Os participantes também animam um fórum de discussão com 285 tópicos relacionados ao universo da música, que vão das carreiras dos autores a debates sobre direitos autorais. A rede é mantida por meio de anúncios pagos por artistas que aparecem em destaque no site.

O músico e compositor Álvaro Cueva, um dos diretores do clube, ressalta que o foco do Caiubi é dar visibilidade para o autor, que geralmente não é citado na mídia. Ele também lembra que muitos músicos que se apresentam em bares, por exemplo, são compositores mas não têm espaço para tocar suas próprias músicas. “O músico fica em um canto, tocando como um ‘radinho’. Isso é frustrante para quem exerce atividade musical. Principalmente, para quem não consegue se dedicar exclusivamente à música”, enfatiza Cueva. Alguns “caiubistas”, apelido dos integrantes do clube, já têm CDs gravados e, na maioria das vezes, produzidos com recursos próprios. Portanto, a rede social do Caiubi acaba funcionando como uma vitrine.

O projeto não ganhou essa dimensão da noite para o dia. A rede social é o desdobramento de uma história que começou muito antes. O clube iniciou suas atividades em 2002, na capital paulista, quando um grupo de músicos e compositores passou a se reunir em um casarão na Rua Caiubi, nas Perdizes, um típico bairro universitário de São Paulo, repleto de bares e atividades culturais, e onde ficam a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e o teatro Tuca, que pertence à universidade. Da mesma forma que acontece na rede, a ideia era oferecer espaço para o trabalho autoral. “No início, eram oito pessoas. Mas o grupo foi crescendo”, lembra Cueva. Nessa época, começou a experiência do Segundas Autorais, um encontro entre compositores que apresentam pocket shows com suas canções. É literalmente um palco aberto para receber músicos de todas as vertentes e com vontade de mostrar seu trabalho autoral. O projeto ganhou mais fôlego com a chegada de compositores consagrados como Zé Rodrix, falecido em 2009, Tavito e Celso Viáfora, atraídos pela movimentação de novos artistas. 

Rodrix descobriu o Caiubi em uma lista de discussão de internet, a M-Música. “Um dia o convidamos para conhecer o clube, mas ninguém imaginou que ele aceitaria”, brinca Cueva. Rodrix topou a proposta. E gostou tanto que se tornou um dos grandes incentivadores do projeto. Zé Rodrix é considerado patrono do clube, título que conquistou por sua dedicação ao Caiubi e pela admiração que os músicos têm por ele. Cantor e compositor, Zé Rodrix é autor de músicas famosas como Casa no Campo, Mestre Jonas e Soy Latino Americano. Em parceria com a dupla Sá e Guarabyra, criou o chamado “rock rural”. “O Zé chegou até nós como ‘o cara famoso’,  mas logo depois virou um amigão”, lembra Cueva. Segundo ele, Rodrix se dedicava muito aos compositores do Caiubi e sua presença contribuiu bastante para a profissionalização do grupo. “Ele nos fez acreditar que temos muito talento e valor”, completa. Com tamanho prestígio, o casarão da Caiubi ficou pequeno para tantos talentos e o clube partiu para os bares de São Paulo, levando o Segundas Autorais – que hoje acontece no bairro do Bixiga.

SEM FRONTEIRAS
Inspirados pelas noites autorais paulistas e conectados pela rede social, músicos de outros Estados e até os residentes em outros países se interessaram em “importar” a experiência dos encontros presenciais. Hoje acontecem Noites Autorais do Clube Caiubi em seis cidades do Brasil: Fortaleza (CE), Caxias do Sul (RS), Vitória (ES), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Feira de Santana (BA). E também em Buenos Aires (Argentina).

A cantora argentina Marcela Viciano organiza os encontros em Buenos Aires desde março de 2009. Faz dez anos que ela canta música popular brasileira. Estudou português para cantar bossa nova, samba e outros gêneros da nossa música popular. Em 2008, Marcela lançou o CD Mar de Adentro, com canções de autores brasileiros e próprias. Na Argentina, os primeiros encontros presenciais aconteceram por meio do  boca a boca entre os amigos músicos e depois foram divulgados por e-mail e pelo Facebook. Aos poucos, foram chegando novos “caiubenses” argentinos. Marcela conta que o Caiubi argentino já recebeu a visita de uma poetisa brasileira que chegou por meio da rede, Esther Alcântara. E a expectativa é de receber mais visitantes. “Gostaria muito de organizar intercâmbios de músicos entre os dois países”, diz a cantora.

Um dos objetivos do clube é justamente possibilitar o encontro entre artistas, incentivar a inovação na música brasileira e revelar novos talentos. Para Cueva, o sucesso da rede está relacionado a uma demanda reprimida: “Não há mais indústria fonográfica, nem festivais musicais como antigamente e as gravadoras estão se dissolvendo”. Na opinião dele, a internet “é o caminho para a música”, mas ainda não é possível saber como sobreviverá nesse ambiente.

Enquanto o mercado musical tradicional dá sinais de extinção, não é por acaso que a Caiubi cresce na internet. O músico André Lemos, por exemplo, encontrou o clube quando procurava autores independentes de MPB na web. Ele queria escrever sobre o trabalho deles em seu blog, que trata desse tema. “Encontrei um link do Caiubi no MySpace do músico do Élio Camalle e uma luz se acendeu pra mim”, diz.  Lemos integra a rede há nove meses e participa das Noites Autorais no Rio de Janeiro. Para ele, o maior retorno do Caiubi são as novas amizades e a interação com outros artistas: “Rola uma admiração recíproca entre alguns participantes e a partir daí começam naturalmente as parcerias”.

AO SOM DE POESIA
O compositor, intérprete e violinista Cardo Peixoto, caiubista das Noites Autorais da cidade de Caxias do Sul, também procurava compositores independentes e formas para ampliar a divulgação do seu trabalho, até que  um convite para dar entrevista para uma revista eletrônica, parceira do Caiubi, abriu oportunidades de trabalhos com outros artistas na rede. “Comecei a buscar letras para fazer melodias e hoje já são mais de 80 canções feitas em parceria com cerca de 20 poetas”, diz Peixoto. O músico, que já tem dois CDs gravados, está preparando o terceiro, Na pele do Poema. Ele criou um blog para quem quiser acompanhar o árduo processo de gravação de um CD independente. “A internet não é o fim, mas o meio. Existe um limite para o mundo real. Por exemplo, nossa primeira preocupação não é com o clube, mas com a excelência do trabalho apresentado”, avalia.

Anja Caiuba, de Porto Alegre, pseudônimo de  Sônia Machado, também encontrou muitos parceiros no clube. “Mais de 20 artistas musicaram poemas meus”, afirma. Anja publica poemas na internet desde de 2001 e um dia foi descoberta pelo músico baiano Pedro Moreno, com quem estabeleceu sua primeira parceria. Cantor e violinista, o músico mora em Madrid, Espanha, desde de 2007, e apresenta repertório criado na rede em shows pela Europa. “Pedro leu um poema no meu blog, gostou e me mandou um convite entrar no Caiubi. Na época, havia apenas 80 associados”, recorda.

No momento, a gaúcha está trabalhando com o mineiro Josino Medina, que mora no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Ele gravou um CD inteiro com poemas dela, intitulado Sumidouro. A obra está rodando o país e já foi apresentada por Josino em cidades como Diamantina (MG), Aracaju (SE) e Palmas (TO). A dupla foi formada há um ano em meio, mas só em julho os dois se encontraram pessoalmente. “Ele me recebeu no aeroporto com serenata e tudo o mais”, diverte-se.

Em outubro, é a vez da Anja cantar seus poemas. Ela se apresenta com Josino durante um simpósio de extensão universitária na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Apesar da distância, os dois conseguiram ensaiar. Pelo Skype. Anja admite que não imaginava que seus poemas repercutiriam dessa maneira. Na segunda edição do prêmio Caiubi, realizado em 2009, em São Paulo, ela concorreu como melhor letrista. 

O encontro entre a música e a poesia no Clube Caiubi também acontece fora da rede. Em São Paulo, músicos, compositores, intérpretes e poetas se reúnem no sarau Sopa de Letrinhas, realizado na última sexta-feira do mês. A cada edição, o evento homenageia um poeta brasileiro. E o público pode subir ao palco para ler as poesias, concorrendo a prêmios de melhor leitura. No final, uma sopa de letrinhas, servida por conta da casa.

http://clubecaiubi.ning.com
http://apeledopoema-odisco.blogspot.com
http://mpbindependente.blogspot.com/

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