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A Wikipedia completa dez anos de construção coletiva de conteúdos e resistência para manter a confiabilidade 

Mariana Lacerda


ARede nº66 – janeiro/fevereiro de 2011

Ao completar dez anos no dia 15 de janeiro, a Wikipedia tinha muito a comemorar: 17 milhões de verbetes, em mais de 250 idiomas; cerca de 400 milhões de usuários, e a posição de 5º site mais popular do mundo. A meta, agora, anunciou o estadunidense Jimmy Wales, co-fundador da enciclopédia virtual, é atingir 1 bilhão de usuários, até 2015. Ele também revelou que está nos planos da Fundação Wikipedia – mantenedora da enciclopédia, entre outros projetos derivados (ver página 41) – abrir um escritório na Índia, este ano, e outro, em breve, no Brasil.

O sucesso da Wikipedia tem muitos ingredientes: a enciclopédia é de livre uso, não tem fins lucrativos e se sustenta nos princípios de colaboração em rede. Os textos dos verbetes podem ser lidos, escritos, complementados, modificados e até excluídos do acervo por qualquer pessoa. “Uma enciclopédia gratuita para cada cidadão do planeta, em seu próprio idioma, sempre foi nossa missão, desde o primeiro dia. E é um objetivo que perseguimos de modo obsessivo”, declarou Wales ao jornal Financial Times.

A Wikipedia tem origem no projeto Nupedia, uma enciclopédia virtual criada em 1999, para ser produzida por acadêmicos voluntários. Contudo, a elaboração de artigos era lenta demais para o ritmo da web – em um ano, o trabalho não rendeu mais do que uma dezena de verbetes. Para resolver esse problema, Wales e o editor da Nupedia, Larry Sanger, se dedicaram a estudar um jeito de dar mais liberdade à geração das informações. No dia 2 de janeiro de 2001, os dois conheceram o conceito wiki (que significa rápido, no idioma havaiano).

Era o que buscavam, considerando-se a definição da plataforma tecnológica na própria Wikipedia: “Permite que os documentos sejam editados coletivamente, com uma linguagem de marcação muito simples e eficaz, através da utilização de um navegador da web”. Doze dias depois, vai para o ar a Wikipedia, mudando o conceito de enciclopédia, formação e produção do conhecimento e sua democratização.

No primeiro ano, a nova enciclopédia digital teve cerca de 20 mil visitantes, que contribuíram com cerca de 1.500 artigos por mês. Em 30 de agosto de 2002, o acervo já alcançava a casa dos 40 mil verbetes. “A taxa de crescimento aumentou mais ou menos constantemente, desde a concepção do projeto, à exceção dos momentos de ajustes no software e hardware”, informa o site da Wikipedia. O português é a oitava língua de maior presença, com 667 mil artigos. Até mesmo o guarani, língua de uma minoria étnica que enfrenta grande dificuldade de acesso à informática, tem 1.300 verbetes. Muitos brasileiros também contribuem na Wikipedia em inglês, revela o cientista molecular e físico Alexandre Abdo, um dos coordenadores da edição brasileira.

O acesso a esse conteúdo é gratuito. Embora o site seja um dos mais visitados na internet, não há qualquer publicidade. Mas dispõe de um sistema de coleta de doações on-line. A Fundação Wikipedia informa que tem apenas 57 funcionários – a lista do staff é aberta, no site. O texto explica que “metade dos funcionários trabalha com tecnologia, uma pequena equipe apoia a sensibilização do público e atividades de cultivo de voluntários e os restantes membros da equipe (sic) trabalham na angariação de fundos e administração. De acordo com uma reportagem publicada em janeiro na revista Business Week, quase a metade dos US$ 16 milhões que a enciclopédia virtual captou em dezembro de 2010 serão investidos no desenvolvimento de um segundo banco de dados para facilitar o acesso fora dos Estados Unidos e na Europa. Quanto mais cresce o acervo e o número de autores, mais preocupante se torna a questão de confiabilidade dos dados. Abdo informa que a Wikipedia é regida por princípios: “Cada contribuidor compartilha igual responsabilidade em zelar pelo cumprimento das regras”. Entre as normas de conduta, estão várias orientações para garantir a qualidade da informação e alertas do que “não fazer”, como “não se autopromover” e “não fazer proselitismo”.

Em defesa da qualidade das informações, a Wikipedia informa que, em dezembro de 2005, a revista Nature publicou os resultados de um estudo comparativo entre a Enciclopédia Britânica e a Wikipedia, avaliando a preocupação científica nos artigos. “Foi a primeira revisão comparativa dessa natureza a respeito da Wikipedia, feita por especialistas em ciência em seus respectivos campos de trabalho”, diz o site da enciclopédia. Os cientistas receberam artigos sobre assuntos de suas áreas – um da Britânica e outro da Wikipedia. Eles não sabiam a fonte dos artigos e tinham como tarefa procurar erros, omissões e declarações mal interpretadas. Após a análise de quarenta e dois artigos de ambas as enciclopédias, a revista Nature divulgou que foram encontrados 123 erros na Britânica (uma média de um erro para cada 2.92 artigos). Na Wikipédia, constavam 162 erros, um para cada 3.86 artigos. Na avaliação da Wikipedia, pelo menos em ciência, a enciclopédia virtual tem exatidão comparável a outras enciclopédias modernas.

Andrew Lih, um administrador da Wikipedia e autor do livro The Wikipedia Revolution, disse, em entrevista à Business Week, que “atualmente, a preocupação dominante é proteger o que já está lá”. Porque o problema, na sua opinião, é que “à medida que as empresas de relações públicas, consultores de imagem e assessores de congressistas ficam mais habilidosos em dar uma nuance sutil aos verbetes, serão necessários cada vez mais voluntários para reverter os verbetes a seu tom original”.

Para contra-atacar os mal-intencionados, foi desenvolvido o WikiScanner, um software que checa referências cruzadas nos endereços IP. A Wikipedia constatou que computadores de empresas como ExxonMobil, PepsiCo e Diebold, entre outros, foram usados para retirar informações negativas nos verbetes sobre essas companhias. No ano passado, o conselho de arbitragem da Wikipedia proibiu contribuições cujas origens fossem IPs da Igreja da Cientologia, em razão de uma disputa de anos, com edições de verbetes enganosas, tanto por parte de partidários quanto de críticos dessa religião.

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