cultura – Liberdade quadro a quadro

 

Liberdade quadro a quadro

Propriedade intelectual, remix, software e hardware livres foram temas de mostra cinematográfica e debates em São Paulo
Tatiana Merlino

ARede nº 82 – julho de 2012

CAPTADORA DE recursos e fotógrafa, Louise Bezerra é fã de cultura livre. Ela é uma das cerca de 25 pessoas que estiveram no quarto e último dia do Ciclo Copy, Right?, realizado em São Paulo, entre 12 e 26 de junho. “Pretendia vir nos outros dias, mas não consegui. Vim para assistir ao filme de Leonardo Brant, pois acompanho o trabalho dele”, conta a moça de 32 anos. Organizado pelos coletivos Baixa Cultura, Casa da Cultura Digital, Centro Cultural da Espanha e Matilha Cultural, o ciclo tem como objetivo promover a exibição, a difusão e a discussão de filmes relacionados à cultura livre.

O documentário de Brant, Ctrl-V – Video Control (2011, 56 min), exibido no Centro Cultural da Espanha, em Higienópolis, região central da capital paulista, é resultado de uma pesquisa sobre convergência audiovisual que explora as relações de poder e efeitos da indústria audiovisual sobre as sociedades contemporâneas. Inclui remixes de vários filmes hollywoodianos e entrevistas com pesquisadores da indústria audiovisual e internacional, entre eles, Edward Jay Epstein, Neil Gabler (EUA), Gilles Lipovetsky, Yvon Thiec (França), Massimo Canevacci (Itália), Octavio Getino (Argentina), Orlando Senna, Ismail Xavier, Newton Cannito (Brasil). “Gostei muito da produção. Vai me ajudar na reflexão sobre criação, originalidade e a questão da cópia, que tem sido temas do meu trabalho fotográfico”, afirmou Louise, ao final da exibição, na noite do dia 26. Quem também foi ver o trabalho de Brant foi a estudante de políticas públicas Bárbara Perlanda: “Vim para conhecer mais o universo da cultura livre e porque tenho interesse em trabalhos audiovisuais”, explicou.

Na mesma noite também foi exibido Remixofagia – Alegorias de Uma Revolução (2011, 16 min), realizado por Rodrigo Savazoni e a produtora Filmes para Bailar, ambos da Casa da Cultura Digital. O trabalho é um remix de trechos de filmes, entrevistas e músicas “que fazem uma espécie de ‘arqueologia’ da cultura digital brasileira recente, com destaque para a luta pelo conhecimento livre e a presença das práticas de apropriação e reciclagem ao longo de nossa história”, explica a curadoria do ciclo. O trabalho integra o projeto 5X Cultura Digital – cinco ensaios sobre a cultura contemporânea realizados por coletivos de audiovisual do Brasil.

De acordo com Leonardo Foletto, curador e idealizador do ciclo, “tentamos escolher produções que tratassem da questão da propriedade intelectual, da cultura remix, de software e hardware livre. E que, de preferência, não tenham sido exibidas nas outras edições”. Porém, havia também trabalhos não inéditos, como RIP – A Remix Manifesto, exibido novamente por já ser considerado “uma espécie de clássico da cultura digital”, relata Foletto. O documentário, narrado em primeira pessoa pelo diretor, o canadense Brett Gaylor, discute as tentativas de controle cultural sob a alegação de proteção de direito autoral. Como exemplo, o diretor usa o copyright da música “Parabéns a você”, dos filmes da Disney e do funk carioca.

Exibido no terceiro dia do ciclo, o trabalho de Gaylor foi lançado oficialmente em 2008. Porém, o diretor disponibilizou material online muito antes, por meio do Open Source Cinema, projeto criado por ele para facilitar a circulação e o remix de vídeos online. “A ideia original era que o filme fosse uma produção colaborativa, com a qual o público pudesse contribuir com material ou mesmo baixar, editar e remixar o filme de acordo com sua vontade, seguindo a ideia da propaganda pela cultura do remix”, explica Foletto, que é editor do site Baixa Cultura (www.baixacultura.org) e integrante da Casa de Cultura Digital.

Essa foi a terceira edição do ciclo Copy, Right?. A primeira e a segunda aconteceram em Santa Maria (RS), em 2009 e 2010, e também foram organizadas por Leonardo Foletto. “Nossa ideia é dar continuidade ao ciclo, e os temas de que tratamos têm sido cada vez mais discutidos”, explica o curador. Segundo ele, o público da mostra é composto, na maioria, por quem trabalha com cultura digital, “mas cada vez mais reúne mais interessados em vários tópicos que circundam o guarda chuva da cultura digital”.

O ciclo foi realizado por meio de recursos do Centro Cultural da Espanha, com orçamento baixo. É um tipo de mostra que “custa muito pouco”, uma vez que todos os filmes exibidos já estavam disponíveis na internet. A novidade da terceira mostra foi a socialização dos trabalhos exibidos durante a Feira do Compartilhamento, realizada no último dia do ciclo.
Os organizadores montaram uma estrutura com HD externo, um roteador e um hub com entradas USB. “Aí era só chegar com HD, note-
book, pendrive, celular, escolher o arquivo e copiar. Foi bem legal”, conta Foletto. A proposta  de reproduzir presencialmente o conceito de troca de arquivos que ocorre na rede, aconteceu também em março deste ano, durante o Piquenique do Compartilhamento do festival Baixo Centro, realizado em São Paulo.

Produção nacional
Se nas duas primeiras edições a programação era majoritariamente estrangeira, devido à carência de obras nacionais, o terceiro ciclo chegou com produção brasileira. “O critério da curadoria foi apresentar obras que versassem sobre cultura livre, que fossem recentes, não tivessem sido exibidos nos ciclos anteriores e que, entre os trabalhos, houvesse produções nacionais”, explica Leonardo Foletto.

Além das produções nacionais de Leonardo Brant e Rodrigo Savazoni foram exibidos filmes como ¡Copiad, Malditos! – Copyright (or right the copy) (2011, 58min), dirigido por Stéphane M. Grueso – documentarista espanhol, diretor da Elegant Mobile Films e integrante do movimento 15M – em parceria com a RTVE, televisão pública da Espanha. Trata-se de uma investigação sobre os direitos autorais no mundo digital baseada em três perguntas: o que é propriedade intelectual? Até que ponto pode se ter a posse de uma ideia? Que direitos emanam dessa propriedade? Finalizado em 2011, ¡Copiad foi o primeiro filme licenciado sob uma licença livre (Creative Commons – CC BY-NC) a passar na TV pública espanhola.

O software e o hardware livres são temas fundamentais da cultura digital de duas obras exibidas no ciclo. Patent Absurdity (2010, 28 min), dirigido por Luca Lacarini e produzido por Jamie King, com apoio da Free Software Foundation, discute a batalha travada pelas indústrias dos softwares para manter o monopólio de patentes de seus programas e o quanto essa relação afeta a economia mundial. Já Arduíno – o documentário (2011, 28 min), dirigido por Rodrigo Calvo e Raúl Diez Alaejos, trata do desenvolvimento da placa homônima, um “minicomputador” que pode sentir o estado do ambiente que o cerca por meio da recepção de sinais de sensores e que é um dos principais representantes do que se chama “hardware livre”.

Mundo novo
Nos quatro dias do ciclo, após a exibição dos filmes, houve debates com pessoas “que trabalham, discutem ou vivenciam intensamente esse admirável mundo das tecnologias digitais e suas implicações sociais e políticas na vida cotidiana”, relata o curador. Entre os debatedores dos quatro dias do ciclo, estava Pedro Mar-
kun, integrante da Esfera Hacks Políticos, da comunidade Transparência Hacker e da Casa de Cultura Digital. Ele falou sobre as mudanças na área da propriedade intelectual e da cultura digital desde a produção de RIP, de 2008, até os dias de hoje. Rodrigo Savazoni, da Casa de Cultura Digital e diretor do Festival CulturaDigital.br, participou de uma debate junto com Leonardo Brant, coordenador da plataforma Empreendedores Criativos e editor do site Cultura e Mercado. Os dois falaram sobre seus filmes e políticas públicas de cultura digital, audiovisual em tempos de convergência, cultura livre e indústrias culturais.

O diretor Stéphane M. Grueso também participou de um debate, por videoconferência, sobre produção audiovisual em cultura livre e as diferenças e semelhanças entre Brasil e Espanha. Para debater o lado brasileiro, estava Rafael Frazão, integrante da Casa da Cultura Digital, sócio da produtora Filmes para Bailar e um dos realizadores de Remixofagia – Alegorias de uma Revolução. Também participaram dos debates Rodrigo Rodrigues, integrante do Garoa Hacker Clube – o primeiro hackerspace do Brasil, sediado no porão da Casa da Cultura Digital – e sócio da Metamáquina – empresa recém-criada dedicada à impressão 3D de baixo custo –, e Bernardo Gutierrez, “pós-jornalista” espanhol, CEO do Future Media, ativista do movimento 15M e pesquisador de cidades de código aberto e urbanismo P2P.

http://ctrl-v.net | http://ripremix.com
http://vimeo.com/24172300
http://youtu.be/qnX2Aae5G08
http://patentabsurdity.com/watch.html
http://vimeo.com/3138923

Tatiana Merlino