Luz, câmera, (form)ação!
Para se tornar um polo cinematográfico, São Bernardo do Campo, em São Paulo, investe em capacitação de jovens e requalificação profissional.
Rafael Bravo Bucco
ARede nº 89 – março de 2013
UM DOS GRANDES edifícios modernistas do Centro de Formação dos Profissionais da Educação (Cenforpe) de São Bernardo do Campo (SP) abriga equipamentos de cinema de última geração. Entre mesas retroiluminadas para criação de desenhos animados, câmeras, estúdios, ilhas de som e computadores supervelozes com softwares de edição de áudio e vídeo, estudantes e profissionais dividem espaço com um mesmo objetivo: fazer cinema.
“A intenção é que os profissionais ensinem aos alunos e que aqui também sejam produzidos filmes para terceiros. A prefeitura de São Bernardo é o primeiro cliente, para quem vamos fazer vídeos institucionais”, conta Sergio Martinelli, coordenador do Centro de Audiovisual (CAV). O espaço, que pretende ser um polo de formação, requalificação e produção cinematográficas, começou a funcionar no final de 2012. Este ano, abriu dois cursos gratuitos, com três semestres de duração: Cinema/TV e Animação.
Os cursos têm previsão de início para abril. A seleção de alunos, que precisam ter mais de 16 anos, está avançada. “Foram mais de 2 mil inscritos, de todo o país… gente do Pará, da Bahia.”, relata Martinelli. Serão duas turmas por turno – manhã, tarde e noite –, com 30 alunos cada. Os professores são cineastas, formados em instituições do exterior, conhecedores das técnicas mais atuais de produção.
O método será baseado na prática. Todo mundo coloca a mão na massa assim que pisa nas salas de aula. Logo de cara, os alunos devem definir um projeto e trabalhar na criação de um filme. A expectativa é de que a cada seis meses uma leva de curtas, médias e, quem sabe, longas-metragens seja produzida por lá. Esse material será exibido em mostras nos museus e pontos culturais mantidos pela prefeitura. Além disso, o conteúdo gerado ficará online, no site do centro.
Enquanto os cursos extensivos não começam, rolam oficinas semanais, com duração média de 16 horas. Entre os assuntos já abordados estão efeitos especiais, montagem e edição, e animação em Flash. Tércio Gomes, 29, ator, passou pela de efeitos especiais. Ficou impressionado. “Achei que ia ser uma coisa menor, mas é uma estrutura imensa. É difícil achar um lugar assim, e gratuito”, diz. Além do CAV, ele faz a Escola Livre de Cinema, em Santo André.
Os alunos usam computadores Macintosh e programas proprietários, como Final Cut e After Effects. Software livre, infelizmente, não tem vez ali. “Se queremos formar profissionais para o mercado, temos de ensinar os recursos usados pelo mercado”, explica Martinelli. Seu pragmatismo tem relação com o momento crítico do audiovisual no país. A demanda por mão de obra cresceu nas produtoras, e o CAV corre para sanar a deficiência. “O momento é bom para a produção. Com a Lei do Cabo [Lei do Serviço de Acesso Condicionado, que determina aumento das horas de conteúdo brasileiro exibidos pelos canais por assinatura] e a política de cotas no cinema [todo ano, o governo federal assina decreto estabelecendo o número mínimo de dias que o conteúdo nacional deve ocupar nas salas de cinema do país], o mercado já começa a requisitar todo tipo de profissional: cinegrafista, diretor, assistente, produtor, colorista, animador”, explica o coordenador.
Revitalização
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O CAV surgiu de uma meta cultural municipal estabelecida em 2009: transformar São Bernardo em um polo de cinema no Brasil. De acordo com os idealizadores, era preciso cuidar para “não incorrer nos erros de cidades que tentaram o mesmo, sem sucesso, como Paulínia” – cidade do interior paulista que investiu pesado na construção de infraestrutura para estúdios e organizou festivais de cinema. Mas, na opinião de quem está por trás do CAV, Paulínia não acreditou na capacitação profissional dos moradores locais para sustentar o que foi feito. “É preciso criar na cidade o ambiente do cinema com formação e realização de oficinas introdutórias para ter o cidadão criativo, que saiba pegar e utilizar a ferramenta”, explica Osvaldo de Oliveira Neto, secretário de Cultura de São Bernardo do Campo.
O projeto foi batizado de Nova Vera Cruz, uma vez que pretende revitalizar os antigos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz – empresa que marcou a história do cinema nacional por tentar reproduzir no Brasil o sistema industrial estadunidense de produção de filmes.
O primeiro take da revitalização é o CAV, que vem funcionando provisoriamente no Cenforpe com dinheiro obtido a partir de convênio entre o Ministério da Cultura (Minc) e a prefeitura de São Bernardo. Firmado com a Secretaria do Audiovisual (SAV) do Minc em 31 de dezembro de 2009, o acordo destina R$ 6,25 milhões à iniciativa: R$ 5 milhões dados pelo Minc, e R$ 1,25 milhão pela prefeitura. No final de 2014, a escola vai para o espaço dos antigos estúdios da Vera Cruz e continuará a ser gratuita, mantida com aluguel de equipamentos, infraestrutura e prestação de serviços do espaço revitalizado. “O polo terá um estúdio grande, um médio e um pequeno, atendendo às necessidades das grandes produtoras de cinema, às pequenas de publicidade”, prevê Neto.
O local vai hospedar também uma incubadora de empresas de cinema, restaurante, cineteatro com 800 lugares, cinema, e memorial sobre a Cia. Cinematográfica Vera Cruz. “Faz parte do projeto comprar a Vera Cruz”, diz Neto. A empresa atualmente pertence à família Khouri e tem vasto acervo fotográfico e de adereços relacionados aos seus mais de 60 anos de história. O valor da transação, ainda a ser feita, não foi divulgado.
O mega-espaço, esperam os responsáveis, deve atrair produções nacionais para a cidade e sustentar as empresas criadas ali. “A incubadora terá uma linha de crédito e ambientes que poderão ser ocupados por um ou dois anos, no máximo”, explica Neto. Com exceção da parte de formação, o restante ainda precisa sair do papel. E o papel, ainda precisa ser escrito… “Estamos fazendo um plano de negócios para detalhar o funcionamento da Nova Vera Cruz. Queremos chegar a um modelo sustentável, que pode funcionar com base em parcerias público privadas, por exemplo”, diz o secretário.
O objetivo, além do resgate da memória dos estúdios, é criar uma cadeia de produção e gerar renda aos moradores da cidade. O plano de negócio vai a consulta pública três vezes para aprovação popular, ainda neste ano. Uma vez aprovado, não deverá faltar ação em São Bernardo: a expectativa é ter tudo funcionando até o final de 2014.
A história da Vera Cruz
Criada em 1949, existe até hoje, funcionando como distribuidora. Teve três donos ao longo do tempo: Franco Zampari, o Banco do Estado de São Paulo e Walter Hugo Khouri, morto em 2003 e cuja família, hoje, administra a empresa. A Vera Cruz produziu 40 filmes, 22 apenas na fase de Zampari. Vários astros do autiovisual nacional passaram pela Cia., entre eles, Anselmo Duarte, Cacilda Becker, Paulo Autran e Amácio Mazzaropi. É considerada fundadora de dois gêneros de filme: sobre o cangaço e sobre o caipira.