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Revista “Menisqüência”, produzida por jovens da Brasilândia e região, aposta na visão crítica da sociedade e sensibilidade artística apurada.


Revista “Menisqüência”, produzida por jovens da Brasilândia e região,
aposta na visão crítica da sociedade e sensibilidade artística apurada.

João Luiz Marcondes


Brasilândia. Periferia da zona norte de São Paulo. Sobreloja. Embaixo,
uma padaria funciona a todo vapor produzindo calor (muito) e aromas de
roscas e pães de queijo. Da janela, vê-se barracos, um oceano deles, a
perder de vista. É nessa pequena salinha abafada, oculta no cotidiano
febril dessa parte da capital, que é produzida a revista “Menisqüência”
— um verdadeiro oásis de idéias em meio à pasmaceira do mercado
editorial que se encontra, por exemplo, numa banca da Avenida Paulista.

Menisqüência? É, o termo é uma gíria de periferia e vai mudando de
acordo com a região onde é pronunciado. Na Brasilândia, significa
“rebeldia”, mas pode ser também um “estado de felicidade”. E por aí
vai. A publicação é fruto de um trabalho da Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscip) Instituto Sala 5 (a tal salinha
calorenta) e chegou agora à sua edição ano 1 número 1.

Estréia muito distinta, diga-se de passagem. Impressa em papel de alta
qualidade, toda colorida e contando com participações especialíssimas,
como Laerte e suas tiras geniais (da “Folha de S. Paulo”) e texto de
Soninha (vereadora, colunista de jornais, revistas e redes de TV). A
entrevista de capa é com a banda O Rappa. Custa R$ 2,00, sendo que a
metade do preço vai para os vendedores, ou seja, os próprios jovens que
fazem a revista.

Mas, apesar da participação dos “famosos”, o destaque fica por conta
das próprias matérias e histórias em quadrinhos produzidas pelos alunos
do projeto. Semelhante a outra publicação comunitária (a “Becos e
Vielas”, do Jardim Ângela), produz-se ali jornalismo, crônicas e textos
opinativos com ampla sensibilidade, crítica e uma visão por vezes
mordaz da sociedade. Mordacidade fortemente justificável pelo ambiente
onde vivem, onde as ruas “não são como a Disneylândia”, só para citar
um rap dos Racionais MCs.


“Não queremos que os jovens daqui reproduzam padrões de mídia. Fazemos
leitura crítica de jornais e, além disso, eles colocam uma visão
poética nos trabalhos”, comenta Luiz Flávio Lima, diretor de projetos
do Sala 5. Há uma história (uma fotonovela) em que um adolescente
descobre que seu pai é uma mulher (tem seios). Em tom surrealista,
seguem-se as revelações. Por exemplo, que ele não é branco, mas “de
cor” e estava envolto em uma roupa de “poliestireno retrátil”. Ele sai
correndo “pelo mundo”, mas as ruas revelam-se apenas uma pintura na
parede. É o pai quem ensina: “O mundo é falso”.

Menisqüência” é uma revista variada. Tem crônicas, poesias,
reportagens de comportamento nada convencionais. Uma delas questiona o
preconceito que sofrem os “emos” — abreviação de emocore, estilo de
música, meio punk, meio fashion, que dominou a garotada teen e é
reprimido com violência pelos mais durões — os metaleiros, os rappers,
etc. O tema preconceito, aliás, permeia essa primeira edição. Lauro
Farias, de O Rappa, conta quando integrantes da banda foram confundidos
com assaltantes de banco (segundo ele, pelo fato de serem negros) e
acabaram enquadrados pela polícia.

A aparição da banda, aliás, não é por acaso. Assim como não são as de
Soninha e Laerte. “Eles avalizam a revista, dizem para a sociedade:
`nós nos colocamos no meio desses jovens`, dão credibilidade”, diz Luiz
Flávio. No caso da vereadora, a ajuda vai um pouco além. Ela é uma das
instrutoras da casa. Dá aulas de jornalismo e de idiomas para a
garotada. Todos os projetos do Sala 5 são coordenados por profissionais
voluntários, como jornalistas, publicitários, quadrinistas,
roteiristas, etc.


Os jovens fazem e
vendem a revista,
ganhando comissão.

Além da “Menisqüência”, há cursos de idioma (inglês e espanhol),
oficina de fotografia, grupo de teatro, entre outros, com enfoque
cultural e de comunicação. Normalmente, a faixa etária dos
participantes fica entre os 16 e 24 anos, mas pode fugir disso. Os
interessados não vêm apenas da Brasilândia, mas de regiões vizinhas
como Vila Nova Cachoeirinha, Lausane Paulista e Vila Albertina.

Luiz Flávio deixa bem claro que ninguém freqüenta o Sala 5 para “passar
o tempo” ou “praticar um hobby”. “Queremos que os jovens dêem
continuidade ao que estão fazendo aqui, que descubram uma vocação, que
desenvolvam uma profissão”, destaca.

O instituto busca também a sustentabilidade de seus projetos. Conseguir
patrocínio para a revista, que teve tiragem inicial de 10 mil
exemplares, é tão importante quanto a qualidade artística do produto.
Para o primeiro número, eles conseguiram o apoio da Fundação Artemísia,
que banca empreendimentos sociais sustentáveis. Além disso, tem o
anúncio da Infoviu, uma empresa de informática do próprio bairro.
“Estimulamos esses jovens a sonhar em dar continuidade a seus projetos,
a andar com a próprias pernas”, conclui Luiz Flávio.