ARede nº43 Dezembro de 2008 – Com um público de aproximadamente dez mil pessoas, a Teia 2008 exibiu, em diversos espaços da capital federal, a diversidade cultural das cinco regiões do país. O artista pernambucano Mestre Salustiano, considerado precursor do “mangue-beat”, falecido em agosto deste ano, foi um dos homenageados no evento. Músico, produtor, artesão e professor, Salustiano produzia rabecas, indumentárias para o maracatu e personagens do cavalo marinho. Foi um ferrenho ativista na preservação de manisfestações populares como ciranda, pastoril, coco, caboclinho, mamulengo, entre outras.
A família Salustiano se apresentou no palco que ganhou o nome do artista. Participam da homenagem, marcada por muito batuque, Mãe Beth de Oxum, com a sua sambada Coco de Umbigada, o grupo pernambucano Maracatu Estrela de Ouro, Jorge Mautner, Nelson da Rabeca, Selma do Coco e Mestre Zé Duda. Em outro palco, o DJ Malboro agitou o público com o funk carioca.
A Teia também abrigou uma apresentação do espetáculo Ópera Macunaíma, de Iara Rennó. Com maquiagem de traço forte e voz melodiosa, a jovem interpretou trechos de Macunaíma, obra clássica de Mário de Andrade. Outro destaque foi o grupo paulista Mawaca, que apresentou seu novo CD, Rupestres Sonoros, com canções inspiradas em temas étnicos. Não faltaram danças típicas, como a maranhense Cacuriá, apresentada pelo grupo de Dona Teté. A dança faz parte da festa do Divino Espírito Santo e é formada por um grande círculo acompanhado de instrumentos de percussão chamados de Caixas do Divino (tambores).
À frente de seu grupo de maracatu, o pernambucano mestre Zé Duda fez um número com o cantor, compositor e escritor Jorge Mautner, cantando a música Maracatu Atômico. Com instrumentos de percussão feitos com materiais da floresta, como bambu e casca de castanha do Pará, a associação Vertente levou a Brasília o grupo Som da Floresta, de Rio Branco, formado por crianças de escolas públicas da capital do Acre. A apresentação mostrou o trabalho desses estudantes na captação de ritmos musicais brasileiros.
“Nossa intenção foi exibir um panorama da diversidade artística dos Pontos de Cultura”, disse Afonso Oliveira, produtor da mostra artística. Na programação, música erudita, popular, cortejos de manifestações tradicionais, teatro, dança, DJs, grafite, artes visuais, audiovisual, bonecos, circo, mestres griôs (contadores de histórias) e até grupos ligados aos terreiros de candomblé do Brasil. “Todas as regiões foram representadas, seja na programação oficial ou nas participações espontâneas”, acrescentou ele.
Cortejo de Reproclamação da República coloriu as ruas de Brasília. Para a realização do evento, houve um investimento de R$ 3 milhões, por meio de patrocínio da Petrobrás e apoios do Sesc, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal, do Ministério da Cultura, entre outros parceiros. A produção consumiu seis meses de trabalho. Afonso comentou que a limitação de recursos foi o maior obstáculo: “Para atender a grande quantidade de Pontos de Cultura, tivemos de buscar formas alternativas de produção”.
No penúltimo dia do evento, sob um sol de mais de trinta graus, uma manifestação diferente coloriu as ruas. Habituada a protestos diários com as mais diferentes reivindicações, a capital federal assistiu uma procissão alegre e pacífica. Batizado com o nome de Cortejo de Re-proclamação da República, a passeata musical seguiu do Museu Nacional em direção à Praça dos Três Poderes. “É uma manifestação simbólica, pública e cultural. Estamos ocupando a Esplanada dos Ministérios com muita festa, mas para pleitear que a cultura seja colocada definitivamente na agenda política”, explicou Chico Simões, coordenador do evento.
“O povo brasileiro já entrou muito pelas portas dos fundos. Agora é a vez de entrar pela porta da sala”, afirmou o secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC, Célio Turino, na cerimônia de abertura, realizada na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Cláudio Santoro. “Quando foi que alguém pensou que o povo lá dá ponta, bem lá dá ponta, e os terreiros de Candomblé, pudessem um dia estar aqui, em pé de igualdade, dentro de um evento como este?”, acrescentou Mãe Lúcia de Oyá, do Ponto de Cultura Coco de Umbigada, de Pernambuco.
Lei Rounaet esteve em discussão durante os debates. Segundo o secretário-executivo do MinC, Alfredo Manevy, “os Pontos de Cultura não foram inventados pelo MinC. Já estavam lá. O ministro Gilberto Gil teve a feliz oportunidade de viabilizar o programa”. Para Manevy, o que o MinC fez foi reconhecer e apoiar as iniciativas espalhadas pelo país: “Este grande legado é do então ministro Gil. Ele soube identificar essa imensa gama de experiências na sociedade brasileira, Gente que estava trabalhando, construindo nas suas comunidades, realizando seus cineclubes, seus processos de arte e educação, em periferias, favelas e pequenas cidades”.
Manevy falou também sobre o debate em torno da reforma da Lei Rouanet, principal mecanismo de financiamento à cultura que, em duas décadas de existência, não conseguiu mudar os baixos indicadores de acesso à cultura. “Essa legislação não foi capaz de alterar o quadro de exclusão, por isso estamos propondo uma reforma. Nosso objetivo é criar um fundo para a cultura brasileira capaz de dar conta de todas as demandas e necessidades da população, no plano cultural”.
O tema da Teia deste ano — direitos humanos — foi lembrado pelo ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi. Segundo ele, o conceito que se tem hoje de igualdade está em descompasso com a realidade do Brasil. “A pessoa que ganha o seu primeiro computador aos cincos anos não tem as mesmas oportunidades daquele que só conhece informática aos 16. Queremos igualdade no ponto de partida”, enfatizou. Vannuchi ressaltou que as ações promovidas pelo MinC, com os Pontos de Cultura, significam o início da recuperação da cultura popular brasileira, “reflexo das políticas públicas retomadas e formuladas por esse governo”.
O secretário de Cultura do Distrito Federal, Silvestre Gorgulho, pediu a democratização da Lei Federal de Incentivo à Cultura: “Os produtores culturais de Brasília, do Piauí, do Macapá, do Nordeste precisam ter o mesmo acesso à Lei Rouanet que têm os produtores do Rio de Janeiro e de São Paulo”. O novo presidente da Funarte, Sérgio Mamberti, citou Barak Obama como exemplo de mudança no mundo. “Sabemos que nenhuma mudança acontece de graça. Tudo tem um preço. Não há cultura de primeira e de segunda classe. E, se a educação é o corpo, a cultura é a alma”, finalizou Mamberti.
O Pontão República do Cerrado (GO) realizou, dentro da Teia de Brasília, a primeira Mostra Intercultural – Um olhar sobre os povos indígenas. A ação reuniu, em uma aldeia montada na Esplanada dos Ministérios, mais de 20 etnias indígenas de vários estados. Entre as etnias convidadas, estiveram presentes representantes de Pontos de Cultura Indígenas, como Índios Online e Vídeo nas Aldeias. Uma estrutura com seis ocas e uma palhoça central, por onde passaram milhares de visitantes diariamente, recriou o ambiente de uma verdadeira aldeia, com atividades desenvolvidas pelos próprios indígenas.
O Brasil tem hoje mais de 280 povos indígenas diferentes, e um total aproximado de 180 línguas distintas. Um pouco dessa diversidade de culturas e costumes foi mostrada na Teia. O objetivo, segundo os organizadores da mostra, foi buscar no centro político do país o diálogo entre os povos indígenas, o público, intelectuais, integrantes do governo e mídia.
A programação incluiu filmes indígenas, oficinas e vivências ministradas pelos índios, exposição fotográfica, feira sustentável, apresentações de música, dança, ritos, teatro, culinária, pintura corporal e debates nas rodas de prosa. A mostra teve a curadoria do indigenista Fernando Schiavini (Funai), co-curadoria de Simone Moura e patrocínio do Ministério de Ciência e Tecnologia, com apoio de Funasa, Embrapa e Funai.
Participaram do evento as etnias Ashaninka, Kaxinawa, Korubo (AC), Baniwa (AM), Karipuna (AP), Pataxó Hãhãhae (BA), Krenak (MG), Kalapalo, Kamayurá, Kuikuro, Terena, Xavante, Yawalapiti, Enawene Nawe, Umutina (MT), Kayapó (PA), Fulni-ô, Kariri Xocó, Pankararu (PE), Kaingang (RS), Apinajé, Krahô (TO).
Colares de fuxico, roupas de crochê, alimentos orgânicos e cosméticos naturais. Foi a Feira de Economia solidária, mais uma vez presente na Teia. Tudo elaborado por artesãos e pequenos produtores agrícolas respeitando a sustentabilidade, ou seja, não agredindo a natureza e contribuindo para o avanço e prosperidade local. Participaram cerca de 30 associações e cooperativas mostrando artesanatos cuja matéria-prima são os objetos que muitas pessoas jogam no lixo. Pulseira feita de jornal, porta-caneta de rolo de papelão (como aqueles de papel toalha) e bonecos com perninhas de tampa de embalagem pet. “Trabalhamos juntos e, para manter a nossa produção, reservamos 15% de todo o lucro para a cooperativa. O restante é rateado entre todos os artesãos”, disse a artesã Maria Freitas, da cooperativa Cooperunião, de São Sebastião (DF). A preocupação com a comunidade é uma prioridade também. Prova disso são os cursos de capacitação profissional, como o de cabeleireiro, culinária e reciclagem. Para continuar com os projetos de autogestão e colaboração à comunidade, a Cooperunião faz parte da incubadora da Universidade de Brasília (UNB). “Recebemos apoio de designers, cursos de administração e também de gestão de negócios”, conta a artesã.