Cultura – Os artistas invisíveis da periferia

O Guia Cultural de Vilas e Favelas de Belo Horizonte revela 739 produtores culturais de bairros de baixa renda. E dá a partida para a articulação desses artistas no portal da ONG Favela é Isso Aí.


O Guia Cultural de Vilas e Favelas de Belo Horizonte revela 739
produtores culturais de bairros de baixa renda. E dá a partida para a
articulação desses artistas no portal da ONG Favela é Isso Aí.



Percussão Taquari.

O que tem em Belo Horizonte, e muita gente não sabe? Tem o bar do
Geraldo, o congado da Guarda do Congo de São Benedito, a dona Iracema,
com 74 anos e 67 de carreira, compondo e cantando música sertaneja,
além de grupos de rock, rap, pagode, funk, forró, gospel,
instrumentistas, dançarinos, artesãos, escritores, desenhistas, atores.
São 739 artistas-solo ou grupos culturais produzindo do que jeito que
dá, em geral com pouquíssimos recursos, espalhados por 226 vilas,
favelas e conjuntos habitacionais da cidade.

Para tirar da quase invisibilidade esses artistas das periferias, foi
lançado, no final de 2004, o Guia Cultural de Vilas e Favelas de Belo
Horizonte, coordenado pela antropóloga Clarice de Assis Libânio. O
livro, com 200 páginas, contou com recursos do Fundo de Projetos
Culturais da Secretaria Municipal de Cultural de BH (80% do total de R$
130 mil gastos) e de patrocínio, através da Lei Rouanet, da Caixa
Econômica Federal e da Telemig Celular.

A produção cultural mapeada pelo Guia revela o trabalho de 6.911
pessoas, entre artistas profissionais e jovens em formação. A pesquisa
levou nove meses, iniciada em 2002 e atualizada em 2003 e 2004, ano da
impressão do livro. “A intenção era divulgar, mostrar fora das
comunidades os trabalhos que são feitos nelas”, explica Clarice, que
trabalhou 15 anos (desde 1987) no programa de urbanização de favelas da
prefeitura, é casada com um músico e um dia começou a questionar a
ausência dessa produção na pauta cultural da cidade. E, para dar
continuidade à iniciativa do Guia, criou a organização
não-governamental Favela é Isso Aí.

Fórum cultural

Outro objetivo do levantamento, diz ela, era promover a articulação
entre os grupos e as comunidades. “As comunidades nem se conhecem
direito”, argumenta. Por isso, a ONG idealizou o Fórum Permanente de
Cultura da Periferia, parte do projeto “Articulação e Visibilidade para
Artistas da Periferia de Belo Horizonte”, apoiado pelo Instituto
Telemar. O Fórum vai servir para reunir, mensalmente, os artistas de
várias favelas, e proporcionar uma discussão constante sobre política
cultural.

Além disso, diz Clarice, o Favela é Isso Aí quer atuar como uma
“produtora comunitária”, viabilizando a gravação de CDs, videoclips,
dando apoio na divulgação e ajudando a promover shows. A ONG
desenvolve, atualmente, cinco principais projetos. Selecionada no
programa Novos Brasis para receber apoio do Instituto Telemar, que
também incentiva a iniciativa do Fórum, a Agência de Notícias da Favela
terá uma sede e três sucursais nos maiores aglomerados das regiões
leste, sul e norte de Belo Horizonte. A idéia é fazer o noticiário
cultural dessas regiões, sob o ponto de vista dos próprios artistas e
moradores, que será enviado para redações de jornais, rádios
(comerciais e comunitárias) e TVs, além de publicado no portal Favela é
Isso Aí.

O próprio site da ONG, também com recursos do Instituto Telemar, está
sendo transformado em um portal, para conter três sites dedicados aos
maiores aglomerados da cidade. A atualização das informações será feita
semanalmente, com reportagens e releases da Agência de Notícias da
Favela, fotos, vídeos, músicas em MP3 e demais dados sobre o trabalho
dos artistas das comunidades.

Vídeos e livros

A dona Iracema, na verdade chamada de Mãe Iracema, já pode ser
conhecida no site. E também foi
Grupo de dança Aruê das Gerais.
tema de um dos cinco documentários em
vídeos realizados pelo Favela é Isso Aí. Os outros registram o trabalho
de Marcelo Ribeiro (cantor, compositor, instrumentista e luthier,
morador da Vila Universo, regional Venda Nova), do Conjunto Felicidade,
e dos grupos de dança Aruê das Gerais e Brother Soul. Atualmente, estão
em fase de produção um documentário sobre o Grupo do Beco e um
videoclip da banda de rap Guardiões Rima. Todos os vídeos estarão no
portal da ONG, onde Clarice também espera publicar as músicas de dez
bandas, a serem escolhidas para o futuro projeto de um CD de pop e rock
das favelas de Belo Horizonte.

A música é a área preferida por 39% dos grupos cadastrados no Guia
Cultural de Vilas e Favelas de BH, mas também há muitos outros
artistas, inclusive autores de literatura. Aprovada na Lei Municipal de
Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e em fase de captação de
recursos, o Favela é Isso Aí quer editar uma coleção de livros com
textos e ilustrações dos moradores das favelas. A coleção promete
trazer poesia, conto, dramaturgia, histórias em quadrinhos e culinária.
A tiragem será de mil exemplares para cada publicação.

O Guia Cultural de Vilas e Favelas de Belo Horizonte pode ser pedido
pelo site da ONG, onde também há matérias especiais sobre os artistas,
uma galeria de arte online, com fotos e grafites, indicação de lugares
interessantes para se visitar na periferia de Belo Horizonte e outras
notícias.

Batidas de tambor

O Grupo Cultural Arautos do Gueto nasceu em 1996, com 22 tambores
construídos por seus próprios participantes. Desde então, com 12
integrantes fixos, vem dando oficinas de percussão e de dança afro para
jovens e crianças, e já conta com cinco subgrupos: a Banda Arauto,
Arautos do Gueto Bloco (levada de tambores), dois núcleos de dança afro
(um de crianças e outro para dançarinos com mais de 13 anos), e
U_Gueto, banda mirim – de sete a 12 anos – de palco, com um vocalista,
dois backing vocals e oito crianças na percussão.

Segundo José Antônio Inácio, coordenador do grupo, apenas este ano o
Arautos do Gueto conseguiu comprar instrumentos próprios (além dos
tambores criados há quase dez anos). Atendiam, até o começo de junho,
65 pessoas, entre jovens e crianças. Graças à Lei de Incentivo do
Estado de Minas Gerais, conseguiram, contudo, aprovar a criação de mais
140 vagas para o projeto Arautos do Gueto – Oficinas Populares 2005.

Os ensaios acontecem em uma pequena casa alugada, na comunidade Morro
das Pedras, na periferia de Belo Horizonte. Inácio conta que, após a
divulgação do grupo no Guia Cultural de Vilas e Favelas de Belo
Horizonte, e no site do Favela é Isso Aí, surgiram novos convites para
apresentações. Nas faculdades UniBH e PUC-MG, por exemplo.

www.favelaeissoai.com.br • ONG Favela é Isso Aí
www.institutotelemar.org.br • Instituto Telemar