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cultura – Rádio e balada conscientes

 

Rádio e balada conscientes

Projeto social em Heliópolis debate riscos do consumo de álcool, com apoio de redes sociais, blog, música e dança.
Marina Pita

 

ARede nº 93 – setembro/outubro de 2013

Conscientizar jovens sobre os riscos do consumo de álcool é um desafio que exige o uso de todas as ferramentas de comunicação e engajamento possíveis. Essa é a proposta do projeto de Jovens Alconscientes, criado em 2010 pela União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas), em São Paulo. Redes sociais, a rádio web e comunitária e uma revista impressa foram os veículos potencializadores do debate sobre consumo e dependência do álcool. Não é de hoje que a Unas apoia iniciativas que trabalham a relação entre álcool e entretenimento no universo jovem. Em 2007, a organização criou a Balada Black, uma festa gratuita onde bebidas alcoólicas ficam para fora e jovens, música e dança dominam a pista. O evento acontece todo último sábado do mês, das oito da noite à meia noite. Cerca de mil pessoas passam pela balada, para curtir funk, rap, eletrônico e, claro, black music. A festa entrou para a agenda cultural da comunidade, depois de ter vencido um período de resistência.

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Atualmente, quem organiza o evento são os Alconscientes. “A gente se reúne uma semana antes para decidir as tarefas: portaria, monitoramento, refrigerante, distribuição de revistas e panfletos etc.”, explica Rubens de Oliveira, de 20 anos, que frequenta a festa desde os 13 anos. A missão do grupo é ampliar o debate iniciado com a criação da Balada Black – que teve apoio do projeto Jovens de Responsa, desenvolvido pela Ambev. A ideia veio do coordenador da Rádio Heliópolis (87,5 FM), Regionaldo José Gonçalves: “A gente queria usar a comunicação como instrumento de educação e formação de jovens e para levar a mensagem do consumo consciente”, explica.

Os jovens Alconscientes já formaram a segunda turma. Agora têm uma página no Facebook, uma conta no Twitter (@alconscientes) e um blog desenvolvido no software livre WordPress. Também produzem um programa na rádio Heliópolis – toda quinta-feira das 16h as 17h – que também vai ao ar na internet e tem audiência média de 2 mil pessoas. Cada participante do programa recebe uma bolsa-auxílio de R$ 250, paga pela Ambev, mas também podem participar ouvintes voluntários, caso o número de interessados supere o número de vagas disponíveis. No grupo atual, são 20 bolsistas e um ouvinte.
“A internet era bastante escassa aqui em Heliópolis. Não era comum o pessoal ter acesso. Era mais pelos telecentros. Hoje essa realidade mudou bastante. Os jovens já usam a internet normalmente e entendemos que precisamos estimular isso, participar desse universo e promover a educação”, explica Gonçalves. Para o coordenador do grupo de Jovens Alconscientes, a própria migração da rádio para o mundo digital marca essa passagem. No blog e nas redes sociais, os posts do grupo aproveitam parte do conteúdo produzido pelo programa Jovens de Responsa, onde entram dicas culturais e receitas de bebidas sem álcool, além de conteúdos educativos.

Na quinta-feira que antecede a Balada Black, os jovens Alconscientes fazem a Blitz Heliópolis em algum ponto da cidade para onde levam materiais de conscientização sobre o consumo de álcool, carro de som para animar – um dos princípios do trabalho é mostrar que diversão não depende de álcool. A galera sai com muita disposição para conversar com os moradores e ao menos um aparelho celular, de onde fazem um link ao vivo com o jovem Alconsciente que está na sede da Unas pilotando o programa. “Durante a reunião, tiramos quem vai entrar ao vivo da Blitz. Fazemos perguntas relacionadas ao álcool, comentamos um pouco sobre como as pessoas na rua estão reagindo à Blitz Heliópolis e, quando dá, também colocamos alguém para falar sobre o consumo de bebidas alcoólicas”, detalha Oliveira.

Os Alconscientes desenvolveram uma pesquisa que lhes forneceu um quadro do problema enfrentado pela comunidade. “Quando a gente tabulou as Blitz, pudemos perceber que o consumo de álcool não é apenas um mal. É um câncer, está fora do controle. Então, mesmo que eu não tenha alguém próximo que beba, eu passei a estar atento a isso. Quando vejo alguém no chão, bêbado, eu penso que é uma pessoa doente, que precisa de ajuda”, diz Oliveira.

Enquanto aprendem e conscientizam a comunidade sobre o consumo responsável de álcool, os jovens recebem formação sobre produção de eventos; design gráfico, para produção de material impresso e online; leitura e escrita e conhecimentos gerais sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). As oficinas acontecem uma vez por semana.

Para o trabalho de conclusão do curso, os Jovens Alconscientes preparam uma revista com versão impressa e online, em que apresentam o trabalho realizado nas Blitz, na Balada Black e no Helipamusic (festival de música da comunidade). Mas a pauta abrange outros temas, como as manifestações de junho, o Movimento Passe Livre e questões ligadas a direitos humanos.

“A preparação que eu tive aqui, eu não tive em lugar nenhum. Além das aulas, aprendi a ser questionador e não ser massa de manobra, não ser levado pela opinião mais fácil, ajudar na melhoria da comunidade”, afirma Lucas Pereira, de 18 anos, um dos formandos da segunda turma. Uma das coisas que o jovem aprendeu é o potencial da comunicação para mudar as opiniões das pessoas: “A internet tem um grande poder de influência”, explica. O Unas já prepara a seleção para a terceira turma. 

www.radioheliopolisfm.com.br

 

Fórum debate temas da atualidade
A ambição do Unas de incentivar o pensamento crítico entre jovens vai além da formação sobre o consumo consciente de álcool. A organização promove ainda o Fórum da Juventude, que reúne jovens da comunidade e expande o debate em um programa de rádio, o Fala Jovem. Os Alconscientes são bastante ativos também nesse espaço.

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“O que fazemos é discutir temas da atualidade, as notícias que estão saindo, e tentar aprofundar, entender algumas coisas e levantar o debate”, aponta Rafael Carvalho Outtone, colaborador do Unas e integrante do Fórum da Juventude. O Fórum já tratou de maioridade penal, manifestações, redes sociais, guerra na Síria. Tudo em formato descontraído, na linguagem da galera, com despojamento e humor. Os organizadores utilizam as redes sociais como canal de comunicação, para preparar o terreno para o debate ao vivo, que acontece semanalmente. Com o tema escolhido, os responsáveis pelo fórum divulgam memes, textos e imagens. Os meios digitais são de grande ajuda na interação entre ouvintes da rádio e moradores. O Fórum Jovem acontece toda primeira terça-feira do mês, das 17h às 19h. O programa Fala Jovem, da rádio Heliópolis, todas as sextas, das 16h às 17h.

Som no palco
Promovido também pelos Alconscientes, o Helipamusic é um festival de música com diversas categorias, como rap, forró, samba e funk. O objetivo é estimular composições em torno de temas educativos, além de dar oportunidade a novos artistas da comunidade. O evento é temático. Em 2013, o tema foi educação, mas o Helipamusic já tratou de saúde, moradia e cultura. Além do troféu, os vencedores ganham uma gravação em estúdio profissional e um videoclipe.

Comunidade que é uma cidade
Heliópolis tem 1 milhão de metros quadrados, na zona Sudeste da capital paulista. As moradias são irregulares – os moradores não têm posse dos imóveis – e diversificadas: barracos, palafitas e casas de alvenaria. Mas também há prédios de dez andares (Cingapura – Cohab). Esse conjunto forma a maior favela do estado de São Paulo. A população da chega a 195 mil habitantes. Destes, 51% são crianças e jovens até 25 anos. 85% dos moradores migraram ou são descendentes de imigrantes do Nordeste e 50% têm, em média, apenas quatro anos de estudo.