Som na tela. E na praça.
Festival traz para as ruas, em shows ao vivo, compositores e músicos de todo o país, que se lançaram e divulgam suas obras pela internet.
Patrícia Benvenuti
ARede nº 85 – outubro de 2012
VOCÊ LEMBRA COMO se fazia, antes de a internet existir, para descolar novas músicas e conhecer artistas que não conseguiam um lugar sob os refletores dos estúdios das grandes produtoras fonográficas? Quase impossível, né? Felizmente, a cultura digital chegou e não apenas mudou muitos hábitos, mas criou possibilidades antes impensáveis, como lançar um artista com alcance massivo, sem gastar um único centavo de real. Ou como ouvir e copiar obras rápida e gratuitamente. No entanto, todas essas novidades ainda estão mais restritas ao mundo da web. Nem sempre é fácil estar cara a cara com os novos talentos, que, iniciantes, ainda não têm condições de bancar ou obter patrocínio para shows.
Foi pensando nessa transição do virtual para a realidade concreta que surgiu o Festival Sai da Rede, este ano na segunda edição. Promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o projeto promove espetáculos ao vivo de artistas que usam a internet como principal veículo para difundir suas obras. A ideia partiu dos produtores culturais Amanda Menezes e Pedro Seiler, que perceberam a quantidade de revelações pipocando nas telas, e tão somente nas telas. “Há uma cena de artistas que estouram pela rede, mas não conseguem chegar no seu público ao vivo. E a experiência do show é especial”, explica Amanda.
A dupla de produtores resolveu dar um empurrãozinho para esses encontros acontecerem. Inscreveu o projeto em um edital do CCBB, o que possibilitou a primeira edição do festival, em 2011, em duas cidades – nos teatros do Centro Cultural, em Brasília e em São Paulo. Ao todo, 3.280 pessoas assistiram aos espetáculos nas duas cidades, com casas sempre lotadas.
Tamanho sucesso animou os idealizadores a inscrever o festival no edital deste ano. E assim deu certo a segunda edição do evento, durante sábados, em São Paulo, dias 15, 22 e 29 de setembro. Os artistas convidados para 2012 foram o projeto baiano Baiana System, a banda paulistana Bixiga 70, o compositor carioca Cícero Lins, a banda Do Amor, também carioca, o capixaba Silva e a cantora e percussionista pernambucana Karina Buhr. A escolha de quem vai se apresentar no festival leva em conta critérios como a diversidade. Não só de ritmos e estilos, mas também geográfica – a proposta é fugir da concentração cultural que privilegia o eixo RJ-SP.
De graça
A segunda edição do Sai da Rede veio com uma novidade: para alcançar mais pessoas, as apresentações ocorreram ao ar livre, na Praça do Patriarca, próximo ao Centro Cultural do Banco do Brasil da capital paulista. Os shows, que iniciavam às 16h, reuniram públicos bastante ecléticos. A arquiteta Yulie Hisi, 25 anos, foi atraída não só pela programação, recheada de novas tendências da web, mas pelo caráter gratuito do evento. “Acho bom ser ao ar livre, de graça. Deveriam fazer isso mais vezes”, frisa a jovem. Yulie assistiu as duas apresentações que abriram o evento, de Baiana System e da banda paulistana Bixiga 70. Na mesma plateia estava o cinegrafista Marcel Braga, 30 anos, que também gostou do festival: “É muito interessante essa ideia porque você pode estar passando pelo centro e dar de cara com um show assim”, afirma.
Os músicos, como Maurício Fleury, da Bixiga 70, a primeira no país a dedicar-se exclusivamente ao gênero afrobeat, reforçam o caráter democrático da iniciativa: “Tocar no espaço público e ao ar livre faz parte do ideário da banda, a gente acredita muito nesse tipo de intervenção”. A banda carioca Do Amor fez o público dançar no segundo dia do festival. Criado em 2007, o grupo mistura diversos estilos, do rock ao carimbó. “Parar no meio de um centrão desses e lidar com pessoas que estão passando é muito gratificante”, diz o guitarrista Gabriel Bubu. E não foi só a galera jovem que curtiu. Ismael de Mattos, de 74 anos, caminhava pela região quando viu a estrutura montada para o evento. Decidiu sentar no auditório improvisado para desfrutar do som de Cícero Lins e Do Amor. “Gosto de ver essas coisas, esse movimento todo”, comenta o aposentado, com um sorriso.
Download livre
Apesar das diferenças de gênero musical, há uma semelhança entre os artistas que participam do Festival Sai da Rede: todos colocam suas músicas para download gratuito e investem pesado nas redes sociais. O fenômeno de divulgação pela internet ganhou força há cerca de cinco anos, explica Amanda Menezes, com o agravamento da crise da indústria fonográfica. De lá para cá, a web tornou-se alternativa para os lançamentos. “Mesmo com pouca verba, um artista consegue colocar um disco para circular e, pela redes sociais, vai se tornando conhecido”, salienta.
Para Maurício Fleury, do Bixiga 70, a principal conquista foi romper a barreira imposta pelo jabaculê – prática das gravadoras de pagar para ter determinada música veiculada em rádios e TVs. “Existe uma estrutura antiga na música brasileira e a gente acaba se colocando um pouco fora disso quando compartilha”, afirma.
A democratização do acesso à música é outra vantagem, e o alcance, muitas vezes, surpreende os próprios músicos. O guitarrista e idealizador da banda Baiana System, Roberto Barreto, ficou admirado ao ouvir, durante o Sai da Rede, a plateia cantar as músicas do seu álbum de estreia, homônimo ao grupo. “Várias pessoas conheciam as músicas e isso com certeza é por conta da internet”, assegura.
O projeto Baiana System foi criado em 2009, com a ideia de explorar as diferentes possibilidades da guitarra baiana. A banda lançou seu primeiro álbum no ano seguinte. Pouco depois, o disco foi liberado em seu site e, até hoje, foram cerca de cinco mil downloads. Além da página oficial, a banda utiliza o MySpace e, principalmente, o Facebook, onde posta trechos de shows e anuncia as próximas apresentações.
As redes sociais são mesmo as principais aliadas dos artistas, mas é preciso estar atento à dinâmica de utilização das ferramentas para compartilhamento de músicas. “Isso muda de um ano para o outro e se dá melhor quem vai sabendo navegar nas novidades”, analisa Amanda Menezes. Até o ano passado, o MySpace era o principal espaço para se acessar novos trabalhos. Recentemente, ganharam força o Facebook e o Youtube, o que motivou a realização de videoclipes. A atualização constante é fundamental. “Você tem que dedicar algumas horas do seu dia para responder aos fãs e colocar coisas novas”, alerta Gustavo Benjão, da banda Do Amor.
Ao colocar suas músicas para download, essa nova geração de artistas parece compreender e anunciar que não há mais como frear o compartilhamento de informações na internet. “É bobo querer lutar contra, tem que tentar entender como funciona e usar isso a seu favor”, afirma Roberto Barreto, que não vê relação direta entre o download e o fim da venda de discos. “Baixar, ouvir e gostar não impede a pessoa de comprar o disco. São coisas complementares”, acrescenta.
A estudante Amanda Cavalcanti, 16 anos, é um exemplo. Apesar de baixar músicas pela internet por meio do sistema Torrent, ela não deixa de comprar os CDs de seus músicos preferidos. “Quando o artista coloca sua música na rede, ele está fazendo uma divulgação do seu trabalho”, argumenta a adolescente, que foi assistir os shows de Cícero Lins e Do Amor.
Esse caráter de relações entre autor e público, surgido a partir da internet, também deve ser levado em consideração na revisão da Lei de Direitos Autorais, na opinião de Gustavo Benjão. Favorável ao download gratuito, o integrante da banda Do Amor acredita que o artista deve, sim, ser beneficiado pelo direito autoral. No entanto, o estágio atual de embate entre diferentes setores impede uma solução. “O direito autoral na rede é mais uma briga do que um diálogo. Ninguém senta para ver como a gente pode rever essa questão. A internet está aí, as pessoas baixam e não tem como mudar isso”, ressalta.
Amanda Menezes também defende a importância do direito autoral, mas acredita que a saída será criar um sistema com regras próprias para a internet: “Vai ter que se criar uma regra nova para regulamentar o direito dentro da internet. Não tem como abrir mão do direito autoral, mas por enquanto não achei satisfatória nenhuma das propostas que vi”. “Nesse momento está tudo em aberto, até pela falta de controle da internet, não se pode aferir quem baixou ou como usou [o material]. Mas acredito que aos poucos vão encontrar formas de controlar o uso disso”, opina Roberto Barreto.
Enquanto a revisão da Lei de Direitos Autorais não acontece, os novos músicos buscam alternativas para manter seus projetos. A tendência, segundo Amanda, é de que os artistas passem a se financiar menos com a venda de discos e mais com a realização de shows e venda de produtos. É o caso do Bixiga 70, que aposta em CDs e, sobretudo, em vinis. “Existe gente que gosta do disco, e a gente mesmo gosta de ter discos”, revela o guitarrista Maurício Fleury.
Ainda dentro desta edição do Sai da Rede, haverá apresentações em fevereiro de 2013, no CCBB do Rio de Janeiro. Diante do êxito experimentado até agora, os realizadores do projeto sonham mais alto. Querem que o festival se torne permanente, com edições anuais. “Todo ano surgem milhares de novidades e artistas bons pela internet. Então a ideia é todo ano trazer uma seleção”, diz Amanda. O CCBB não divulga os valores de financiamento de seus projetos.
www.saidarede.com
www.baianasystem.blogspot.com.br
www.bixiga70.com
www.cicero.net.br
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www.karinabuhr.com.br