As botas pretas que tomaram os muros de São Paulo, na década de 70, foram as precursoras do grafite brasileiro, celebrado nacionalmente, em março. João Luiz Marcondes
Trabalho de Rui Amaral, pioneiro do grafite paulistano, que abriu a exposição comemorativa.
O grafite brasileiro nasceu em São Paulo, das mãos de um etíope de ascendência italiana. Alex Vallauri deixou sua terra natal em direção a Santos, no litoral paulista, com 16 anos.
Boleta: criaturas agonizantes dão
o tom da metrópole paulistana.Rapidamente, ganhou destaque em concursos de artes e migrou para a capital. No final dos anos 70, começou a intervir no concreto paulistano com uma imagem que ficou marcada no imaginário da cidade: a Bota Preta. Feita a partir da stencil art, ou simplesmente estêncil, que usa máscaras (ou moldes) com spray para dar forma a desenhos de rápida assimilação, a bota representava uma moça, que estava sempre a passear pela cidade.
A obra consagrou Vallauri, que expôs seus trabalhos em três bienais e na Pinacoteca do Estado, além de espaços nobres no exterior. Em 27 de março de 1987, o precursor morreu, vítima da AIDS. E a data foi foi escolhida por seus seguidores, qualquer um que use a rua para se expressar, como o Dia Nacional do Graffiti (na grafia dos artistas).
Arte em tempo real no Dia Nacional do Graffiti.
Paulistanos comemoraram a data, no mês passado, de forma apropriada – grafitando. No espaço da OnG Ação Educativa, no centro da cidade, vários artistas passaram o dia compondo um painel, com diferentes técnicas, em que não poderia faltar o estêncil. Além disso, foi uma oportunidade para discutir os rumos dessa arte, que sempre teve vocação marginal, mas que, agora, aproxima-se do mainstream, dos parâmetros do status quo (sempre combatido pelos artistas) e da viabilidade comercial.
Grafite de Jey: palavras para criticar o discurso vazio.
Profano? Ozéas mistura Jesus
Cristo e Mickey Mouse (stencil art) Com 32 anos, Antônio Duque, o Tota, é um dos poucos “sortudos” que vivem do que gosta. O primeiro preconceito que enfrentou foi em casa, do pai. Nordestino, baiano, operário, conservador, vaticinou: “tá na rua, pintando muro dos outros, é vagabundo!”.
Tota conseguiu escapar do destino de “peão”, imaginado pelo pai. Tem três filhos, para quem cultiva novas perspectivas. “Tenho a preocupação de levá-los ao parque, para um programa cultural, diz ele, que ganha o pão fazendo trabalhos variados, de decoração a cenografia e exposições. Tornou-se também inspiração para os mais novos, como Thiago Vaz, 21 anos. Estudante de Comunicação (bolsa paga com trabalho), o tema central de seus desenhos é alienação – da mídia, da televisão.
Tota pinta cabelo black: contra discriminação.
Ele milita em Ribeirão Pires (próxima a São Paulo), nem sempre receptiva à arte underground. Já foi denunciado à polícia por “vandalismo”, mas não pretende parar. “Preciso do grafite para expressar sentimento, angústia e protesto”, sintetiza ele, que ajudou a pintar o painel no Ação Educativa. Perto da entidade, foi instalada uma exposição, no ateliê do artista Danilo Blanco, engajado em causas sociais. Binho, Jey, Ozéas, Chivitz, Pato, Donato, Boleta, Rui Amaral, Daniel Melim e Celso Gitahy representaram centenas de grafiteiros no Brasil.
Binho, um dos grafiteiros mais reconhecidos da cena, dá os últimos retoques em sua obras.
Gitahy, ativista do estêncil e contemporâneo de Alex Vallauri, foi um dos organizadores da exposição. Para ele, o grafite, hoje, é tão popular, que corre o risco de se nivelar por baixo. “É importante, que o artista busque referências, estudo. A arte é uma coisa maior. E é aí que o grafite deve se inserir.”
Mural é preparado no Ação Educativa, centro de São Paulo.