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cultura – Viva! A cultura agora é lei!

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Viva! A cultura agora é lei!

Legislação foi um alento para os ativistas da arte popular.
O próximo passo é regulamentar o programa.

Rafael Bucco

 

ARede nº 100 – setembro/outubro de 2014

Os últimos meses tiveram um saldo positivo para as organizações da sociedade civil (OSCs) no país. Houve a sanção, pela presidente Dilma Rousseff, de duas leis há muito pleiteadas: o Marco Regulatório das OSCs (lei 13.019/14) e a Política Nacional de Cultura Viva (13.018/14). Ambas vão impactar, diretamente, a forma como os governos – federal, estaduais ou municipais – se relacionam com os grupos produtores de cultura no país.

Podem, inclusive, definir de vez se o Cultura Viva vai, ou racha. Criado em 2004, sob o comando de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (MinC), o programa cresceu a ponto de se tornar, hoje, o quarto principal destino de recursos do MinC, recebendo cerca de R$ 100 milhões ao ano. São 4.080 pontos de cultura fomentados até o momento. Para além dos números, porém, é preciso contabilizar os problemas enfrentados ao longo dos dez anos da iniciativa, e que se intensificaram nos últimos cinco.

O auge do Cultura Viva foi em 2007, quando 1.793 grupos se transformaram em pontos de cultura; outros 31, em pontões. Novos convênios foram feitos nos anos seguintes, mas em ritmo menor, e foi diminuindo a ponto de baixar a zero em 2012. Os críticos não hesitam em responsabilizar a ex-ministra Ana de Hollanda. “A gente teve um baque muito grande no momento da troca de governo. O programa foi claramente desidratado”, diz Daniel Marostegan Carneiro, integrante do pontão Nós Digitais, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Segundo ele, depois, quando a Marta Suplicy assume, o discurso muda bastante. “Mas ainda não consigo identificar uma reidratação do programa”, frisa.

Juca Ferreira, ministro da Cultura entre 2008 e 2010, hoje secretário de Cultura da cidade de São Paulo, reconhece que sua sucessora atrofiou o programa ao propor uma relação com os grupos similar à do governo com empresas. “São organizações populares com estruturas muito frágeis, não podem ter o mesmo tratamento”, diz. Para ele, a lei do Cultura Viva também poderia ser melhor: “Na nossa época, a gente chegou a aceitar projetos orais, de grupos indígenas. Mas isso foi visto como excesso de heterodoxia”.

Marostegan acredita que a federalização do programa, que ampliou a participação de estados e municípios, minou conceitos essenciais do Cultura Viva. A gestão de Marta retoma ações, como a Teia da Diversidade (fotos), que não acontecia desde 2010, mas ainda de forma tímida. “Um monte de ações inclusivas, que dizem respeito à gestão compartilhada do programa, não foram retomadas. A sensação de participação social na política pública era muito intensa, e agora não é tanto”, observa.

O ativista também critica a falta de compromisso com inclusão digital e cultura digital.Na lei sancionada em julho, sequer há menção a software livre. “Aquilo que a gente chamou de inclusão digital talvez tenha sido a ação com maior gap ao longo do processo”, aponta Marostegan. Novamente, o aumento da importância de estados e municípios na gestão do programa foi, em sua opinião, fundamental para que isso acontecesse.

“Você começa a ter diferentes interpretações do que é inclusão digital, e a realidade vai mudando”, opina. Ele cobra propostas claras do governo federal e dos governos estaduais. “Apenas os mais vinculados a tecnologia vão pensando a cultura digital na documentação dos grupos, em como eles vão ter voz na internet. Vários coletivos formataram suas máquinas e passaram para Windows”, lamenta.

O MinC explica que precisou arrumar a casa na virada dos governos. “Havia um passivo muito grande, que foram pagos em 2011 e 2012”, diz Pedro Vasconcellos, diretor da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, responsável pelo Cultura Viva. A partir de 2013, a publicação dos editais é retomada. “Não com o mesmo folego e orçamento do período anterior. Houve diminuição dos recursos no ministério, na esplanada como um todo, em função da crise econômica. Tem sido feita uma retomada, mas com certeza está aquém do que a sociedade espera. Também não estamos satisfeitos”, admite.

Além de novos editais, outro indício do resgate do programa foi a criação do Laboratório de Cultura Digital, no Paraná. A ideia é que seja o primeiro de uma rede de laboratórios localizados nas universidades federais e que vão desenvolver tecnologias de gestão, protagonismo e disseminação na internet para os pontos de cultura. Sempre em software livre.

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“Na minha opinião, há uma perspectiva de retomada, de fortalecimento do programa com o conjunto de editais e capilaridade das parcerias estaduais. Mas ainda tem muito que avançar. O orçamento para o Cultura Viva está muito aquém para atender a meta de 15 mil pontos até 2020 do Plano Nacional de Cultura”, opina João Paulo Mehl, coordenador de cultura digital do Laboratório de Cultura Digital, integrante do Coletivo Soylocoporti e da Comissão Nacional de Pontos de Cultura. De 2004 até hoje, o ministério destinou R$ 548 milhões ao programa. Estados e municípios contribuíram com mais R$ 212 milhões.

Segundo Vasconcellos, o MinC pensa nisso. Para os próximos quatro anos, a intenção é garantir acesso do Cultura Viva ao Fundo Nacional de Cultura, e ampliar a arrecadação desse fundo. “Queremos ver aprovada a PEC 150 [que prevê destinação de 2% orçamento federal e de 1,5% do estadual e municipal para a Cultura]”, conta. Com a medida, seria possível dobrar o orçamento do programa, o que, para ele, seria suficiente para atingir a meta de pontos criados até 2020.

Outro tópico de debates acalorados, a burocracia deve ser abrandada pelas leis recém-sancionadas. A prestação de contas, alvo número 1 das reclamações das organizações sociais, pode ficar mais simples, baseada em métricas de resultados. Os pontos deverão enviar relatórios, vídeos, fotos, registro das atividades para comprovar sua atuação.

“A gente sabe que no mundo da cultura tem de ter uma flexibilidade financeira. Isso vai facilitar muito a vida dos agentes culturais, dos fazedores de cultura, que vão se preocupar menos com a prestação de contas. Mas não quer dizer que alguém vá ser desresponsabilizado”, ressalta Vasconcellos. Ainda será preciso comprovar gastos. Porém, o gestor terá mais flexibilidade para realocar os recursos recebidos.

Ele também afirma que a avaliação das contas será agilizada com a métrica por resultados. Até hoje, idas e vindas de documentos, espera por aprovação de alteração de rubricas e avaliação das contas empacavam projetos por todo o país. Os agentes culturais precisam esperar o aval do governo para seguir com a iniciativa. Como a Lei das OSCs vai reger os futuros editais dos pontos de cultura e o formato da prestação de contas, as coisas devem andar mais rapidamente. “A demora [atual] no MinC se dá porque a equipe de técnicos é pequena para analisar contas de muitas ONGs. A nova lei obriga o gestor a aprovar as contas em, no máximo, um ano”, afirma.

Regulamentação

A lei que institui a Política Nacional de Cultura Viva prevê que detalhamentos sobre funcionamento seriam descritos depois. Segundo Vasconcellos, até 31 de dezembro a regulamentação será publicada no Diário Oficial da União. Um grupo de trabalho, formado por representantes da sociedade civil, da Comissão Nacional de Pontos de Cultura, do Tribunal de Contas, da Controladoria-Geral da União, de ministérios e das secretarias de cultura dos estados e municípios, começou a trabalhar em agosto.

O governo crê que ao menos dois itens não podem faltar na regulamentação: a definição sobre o termo de compromisso cultural e sobre o funcionamento do cadastro nacional de pontos de cultura. O termo de compromisso, vai propor o governo, deverá equivaler ao termo de fomento, usado para inovação de políticas públicas, e ao termo de colaboração, para execução de políticas existentes, descritos no Marco Regulatório das OSCs. “Não tem sentido propor algo diferente, pois geraria uma insegurança jurídica. O termo de fomento será usado para novos pontos de cultura”, diz Vasconcellos.

 Já o cadastro nacional de pontos e pontões poderá seguir o modelo do cadastro de ONGs no Ministério da Justiça ou o da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na área de Educação (Cebas), que lista as organizações no Ministério da Educação (MEC). “Quem estiver no cadastro, poderá acessar os recursos. Haverá 27 cadastros estaduais, ligados com municípios, e um mecanismo complexo para fiscalizar e ver como as entidades estão funcionando”, sugere.