Decisão do Parlamento Europeu dará os contornos da neutralidade da rede

19/03 - A votação em plenário será dia 3 de abril. Comitê de Indústria aprova princípio da neutralidade, mas abre espaço para os serviços especializados.

Lia Ribeiro Dias
do Tele.Síntese

19/03/2014 – Após muita discussão entre posições polarizadas, o Comitê de Indústria do Parlamento Europeu aprovou ontem (18) o texto sobre neutralidade da rede que será submetido ao plenário no dia 3 de abril deste ano. Embora o Comitê tenha adotado, em seu relatório, o conceito clássico da neutralidade da rede – “o tráfego deve ser tratado sem discriminação, restrição ou interferência, independentemente de quem envia ou recebe, do tipo, conteúdo, serviço ou aplicação” pelas operadoras de telecomunicações –, aprovou duas disposições que, na opinião dos grupos organizados de liberdade na rede, podem vir a comprometer os princípios da neutralidade.

Há uma preocupação entre estes grupos e entidades que defendem a liberdade na rede de que os chamados “serviços especializados” venha a representar um by pass na neutralidade. Duas emendas referentes aos serviços especializados foram incluídas no relatório. A primeira, patrocinada pelas bancadas conservadora e liberal, permite que as operadoras de telecom façam contratos com os provedores de serviços de internet (como YouTube e Netflix, por exemplo), que lhes garanta prioridade de entrega de tráfego por meio dos serviços especializados. A segunda, apoiada pela bancada verde, tem por objetivo garantir a competição dentro dos serviços especializados, para que eles não contemplem apenas os gigantes da internet. Assim, a oferta de serviços especializados deverá ser feita, em condições isonômicas, também para as empresas pequenas e inovadoras ou outros atores com essas características.

Repercussão do acordo Comcast/Netflix?

Na avaliação de especialistas, o que está em debate no Parlamento Europeu – a priorização de tráfego para os serviços especializados – não é a mesma coisa envolvida no acordo entre Comcast e Netflix, nos Estados Unidos, anunciado em janeiro.

Por este acordo comercial, a Netflix, como forma de acelerar o fluxo de seus dados para os clientes, decidiu interconectar sua rede diretamente na rede da Comcast, eliminando o armazenamento de seu conteúdo em data center de terceiros. Passou a pagar mais por este serviço, mas, em compensação, aliviou um gargalo existente na conexão entre data centers de terceiros e a rede da Comcast.

Embora analistas vejam no acordo uma quebra do princípio da neutralidade da rede, outros especialistas dizem que ele representa uma mudança no modelo de negócios, com a eliminação da figura da empresa de armazenamento de conteúdo entre o provedor de conteúdo e a operadora de telecom, mas não afeta necessariamente a neutralidade. “O que Netflix e Comcast negociaram é onde e como o conteúdo de vídeo da Netflix entra na rede da Comcast, não como ele será tratado no acesso de última milha, onde operadoras de cabo e de telefonia têm um virtual duopólio nos Estados Unidos”, comentou Carol Wilson, da Light Reading. Em sua opinião, é um acordo que faz sentido para o negócio das duas companhias, já que a Netflix responde por 1/3 do tráfego de dados dos Estados Unidos e necessita que ele seja adequadamente gerenciado.

Acordos comerciais de troca de tráfego são comuns na internet, em todos os países. Cada ator troca tráfego com que quiser, normalmente quando são empresas com serviços completares e não diretamente concorrentes. Esses acordos comerciais – sejam eles peer to peer ou negociação de n para n – não estão submetidos a nenhum tipo de norma. E só serão avaliados se ferirem a neutralidade da rede.

O risco é que esses acordos comerciais, como o firmado entre Comcast e Netflix, terminem em priorização deliberada de tráfego. Os movimentos recentes na rede com a mudança clara do modelo de negócios sinalizam para um novo cenário, onde pode ser inevitável, mesma que não se queira, uma certa regulação das atividades na rede. Todos temas candentes e que vão fazer parte da pauta da NETmundial, evento internacional de governança na internet que acontece em São Paulo, nos dias 23 e 24 de abril.