O MinC vai realizar quatro
seminários e um fórum nacional para debater a criação de um órgão
regulador no setor e uma nova legislação.
Lu Cachoeira: por uma ação
tático-política.
O Ministério da Cultura vai propor a criação de um órgão regulador do
direito autoral no Brasil, e a mudança da legislação que trata do tema.
Segundo o secretário de Políticas Culturais, Alfredo Manevy, presente
ao evento de Piraí, ambas as medidas serão debatidas com a sociedade, a
partir de novembro, em quatro seminários, que vão desembocar em um
Fórum Nacional de Direito Autoral, programado para o primeiro semestre
de 2008. O objetivo é discutir publicamente a questão autoral, que,
segundo Manevy, está desatualizada e desequilibrada no Brasil, e vai
requerer muita negociação e inovação negocial.
O conceito de direito autoral, explica o secretário, envolve três
direitos: o direito do autor; o direito de quem acessa a cultura, um
direito de cidadania; e o direito de quem investe recursos na produção
cultural. “Esses direitos devem estar em equilíbrio; o que hoje não
acontece. E cabe ao Estado atuar como mediador e restabelecer esse
equilíbrio”, diz, argumentando, que, equilibrado, o “direito autoral é
uma mola propulsora importante da cultura”. Na sua opinão, a atual Lei
do Direito Autoral é “muito limitada”. Por exemplo, “não dá conta da
possibilidade de acesso aos conteúdos para fins educacionais”, o que,
avalia ele, torna-se um gargalo para as políticas de uso banda larga
para o desenvolvimento.
“Há casos de criminalização de exibição de obras por parte de
professores em universidades e escolas públicas, ou em outras
circunstâncias sem finalidade de lucro”. Ou, noutro caso extremo,
uma obra depositada numa biblioteca, se tiver menos de 70 anos depois
da morte do autor (prazo previsto para cair em domínio público, que
cobre praticamente todas as obras do século 20), a instituição
responsável pela sua preservação não pode tirar cópia de segurança, nem
produzir, para ela, instrumentos para acesso a deficientes.
Bonecos gigantes do PdC Anima
Bonecos
Há vários desequilíbrios na gestão autoral identificados pelo MinC,
aponta Manevy. “No campo da música, autores, músicos e compositores se
sentem desprotegidos e mal remunerados, há falta de transparência na
arrecadação. No cinema, há conflito entre os músicos que têm direito de
arrecadar pela exibição pública de suas obras, e muitos cineastas, que
não querem pagar os músicos, e acabam pagando na Justiça. Há também o
caso dos roteirista e outros artistas mal contemplados. Há abuso de
investidores, etc.”. Além disso, destaca o secretário, a lei brasileira
permite a cessão integral de direitos, o que não acontece em muitas
legislações internacionais.
Manevy espera que o modelo do novo órgão regulador, e as atualizações
no marco legal sejam definidos a partir dos seminários e debates
públicos. “Defendemos a criação de uma instituição vinculada ao MinC,
que, na prática, vai atuar como formuladora da política, fomentadora e
capacitadora”. Para ele, é importante capacitar os autores, para que
eles não se desfaçam dos seus direitos, e entendam como funciona a sua
gestão. Esse órgão vai se articular com a Coordenação Nacional de
Direito Autoral, inclusive face às novas tecnologias. “Hoje, a cópia de
um arquivo para um tocador de mp3 é ilegal; a lei não distingue a cópia
para pirataria daquela para uso próprio. Quem faz downolad, pratica
pirataria, o que é um absurdo frente à realidade contemporânea da
convergência tecnológica”.
Combate à pirataria
Chico Simões: superar
barreiras políticas
Manevy destaca, contudo, que o desafio de remunerar os autores na era
digital não se confunde com a defesa da pirataria. “Deve-se separar
completamente a discussão sobre pirataria e direito autoral. Alguns
estão tentando confundir, equivocadamente”, diz. Entre possíveis novos
modelos, ele cita a possibilidade de se instituir uma contribuição a
ser paga pelos fabricantes das mídias virgens — CD, DVD —, ou de
aparelhos celulares, onde o telefone móvel já estiver sendo usado para
transmitir conteúdos.
A idéia é fomentar acordos entre autores e fabricantes de terminais,
para que o conteúdo ganhe liberdade na internet, com acompanhamento de
organismos coletivos. “Em vez de cobrar sobre o arquivo na internet,
usando DRM, dispositivos tecnológicos que contrariam a liberdade da
internet, são ineficazes e improdutivos, deve-se fazer outro modelo de
negócios”.
De acordo com Manevy, o governo é contra o uso de DRM nos equipamentos,
por ser prejudicial ao acesso cultural, mas não há ainda posição sobre
o tratamento a ser dado pela nova legislação de direitos autorais a
essa tecnologia, por exemplo, vetando-a. “Isso deve ficar em aberto
para uma discussão pública.”
O secretário do MinC também rebate as manifestações do compositor
Fernando Brant. Em artigo no jornal “O Globo”, o músico mineiro acusou
Gilberto Gil e os que defendem licenças Creative Commons de terem como
meta “a barbárie”, afirmando, ainda, que o ministro acharia “normal” a
produção cópias ilegais. ”É importante que se diga: o MinC é parte do
Conselho Nacional de Combate à Pirataria; e apoiamos as medidas de
combate à pirataria, sejam elas educacionais, repressivas ou
econômicas, estas últimas para que a cadeia produtiva consiga baratear
preços de bens culturais de modo a aumentar a massa de consumidores. É
posição do governo, não só do MinC. O Brasil é reconhecido
internacionalmente pelo combate à pirataria. Não há dúvidas sobre
isso”, diz Manevy.
Quanto ao Creative Commons, o secretário ressalta que trata-se de
movimento da sociedade civil organizada, e que, na sua opinão, ambos os
modelos — tanto a gestão coletiva dos direitos autorais quanto a
individual, dos autores — são necessários. “O MinC apóia os dois
modelos. Ambos são legais: o Ecad-Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição é mais antigo, o Creative Commons mais recente. Cada autor
escolhe o que acha melhor. “ O MinC, afirma, é um dos maiores
financiadores de bens culturais, com orçamento médio de R$ 1 bilhão/ano
e não dá preferência na destinação dos recursos para um ou outro modelo.
Para o produtor cultural Luiz Cachoeira, do Ponto de Cultura Cineclube
Rede Terreiro Cultural, em Cachoeira, na Bahia, que considera Gilberto
Gil “o ministro da vanguarda”, é preciso articular as tecnologias
para “uma revolução pacífica, pelo conhecimento”. E convoca:
“precisamos construir uma ação tático-política nesse sentido”. Também o
mestre mamulengo Chico Simões, do Ponto de Cultura Invenção Brasileira,
de Taguatinga (DF), posiciona-se “contra essa corrente que acha que
conhecimento é mercadoria, e fica falando contra Creative Commons,
contra hackers, nos acusando de bárbaros, de selvagens”. Por isso, na
sua avaliação, se a tecnologia está disponível, ainda restam as
barreiras políticas a serem superadas. “Essas redes que estão pulsando
brasis afora, precisam ainda de apoio, de governos, parcerias, estados.
Se temos tecnologia, recursos, a barreira é política; e a superação da
barreira também é política. Não tenho dúvida de que vivemos um momento
histórico importante na construção desse país.”