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Diga-me o que posta e te direi quem és, com quem andas, o que vais fazer amanhã…

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Diga-me o que posta e te direi quem és, com quem andas, o que vais fazer amanhã…

Valiosas para a definição das políticas públicas, as análises de interações digitais identificam correntes de pensamento predominantes e tendências de comportamento. Coordenador  do Labic, laboratório especializado nesse tipo de estudo, Fábio Goveia explica como funciona e para que serve um mapa do que as pessoas andam falando nas redes sociais.

Texto Áurea Lopes | Fotos Diana Abreu

 

ARede nº 100 – setembro/outubro de 2014

Quando retuíta um comentário ou sobe uma foto no Instagram, você provavelmente não sabe, mas pode estar alimentando um gigantesco banco de dados que vai dar base a uma pesquisa de opinião, ou de comportamento, em tempo real. Cada dia mais, as análises das redes sociais despertam a atenção de corporações privadas, poder público, mídia, ativistas das mais variadas causas. Já existem tanto empresas quanto instituições sem fins lucrativos dedicadas exclusivamente a esse trabalho. Como o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), um dos projetos de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Criado em 2007, o laboratório atua na pesquisa e na realização experimental de produtos digitais, com foco no impacto da cultura digital nos processos e práticas de comunicação. Hoje são cerca de 20 pesquisadores, sob a coordenação de três professores. Um deles, Fábio Goveia, conta como são feitas essas análises e para que são utilizadas.

Que tipo de informação é possível obter de uma análise de redes sociais?
Fábio Goveia – Em termos gerais, podemos compreender o modo como as comunidades se formam em torno de algum tema ou de alguma controvérsia. E, a partir desse quadro, a gente observa diversas variáveis. Costumo dizer que essa forma de análise leva em consideração o fato de que nossas redes que nos configuram. Por exemplo: quando alguém escreve um post que é compartilhado por um conjunto de usuários que tem uma posição política X, o autor do texto é atraído para próximo dessa comunidade. Isso às vezes independe de uma declaração explícita de apoio ao grupo X.

Essa captação põe em risco a privacidade dos usuários da internet?
Goveia – As análises são feitas a partir de dados públicos. Todas as informações são captadas de páginas onde foram postadas pelos próprios usuários. E, como o foco são os comportamentos de segmentos da sociedade, interpretação das tendências de pensamentos e de movimentos de grupos, não se analisa informações individualizadas, de determinada pessoa. Além disso, o que a metodologia faz não é coletar dados pessoais, deste ou daquele IP, mas captar a quantidade de vezes que uma palavra aparece em uma determinada rede, quais as conexões dessa palavra com outras, por exemplo. Assim, não é um trabalho de vigilância do que as pessoas estão dizendo.

É entender qual é a temática que está dominando, quais as controvérsias que estão aparecendo, para entender a dinâmica das redes. As controvérsias geram pontos de vistas e a partir desses pontos de vistas a gente percebe um padrão
de interação.

Tecnicamente, como é feito esse trabalho?
Goveia – Há várias formas de fazermos essas análises. A mais comum é usar modelos matemáticos em softwares especiais. No Labic, trabalhamos com softwares livres. Para a análise de dados, usamos o Gephi, um programa robusto, desenvolvido pelo MediaLab, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). O programa atribui peso a cada tipo de relação que os usuários estabelecem nas redes, permitindo quantificar e qualificar os movimentos realizados pelos integrantes de um determinado conjunto de pessoas. Em análise de imagem, trabalhamos com um
software livre também, o Image J, que funciona com Java. Mas a gente viu algumas limitações nesse programa e passamos a desenvolver ferramentas próprias. Criamos três programas para análise de imagens que ainda estão nas versões iniciais. O Image Cloud, o Alice e o NAR (que tem também a versão NART). Todos estão disponíveis no GitHub do laboratório, um repositório de programas e pode ser acessado livremente – https://github.com/ufeslabic.

Quais as aplicações das analises de redes?
Goveia – Em termos de redes sociais, a aplicação principal é entender o comportamento dos usuários. Entretanto, o uso desses grandes volumes de dados permite aos gestores públicos, por exemplo, identificar as principais demandas em áreas estratégicas como saúde, mobilidade urbana ou educação. As visualizações podem ser uma ferramenta para melhorar a vida dos cidadãos. Para isso, porém, é importante que, para usar da melhor maneira os dados, os administradores públicos invistam em tecnologia e inteligência.

Que projetos o Labic tem feito nessa área?
Goveia – Nós atuamos prioritariamente com questões sociais. Já fizemos mapeamentos relacionados ao Marco Civil da Internet, à grande mídia, ao julgamento do mensalão. E ainda fizemos coleta de dados de eventos considerados por muitos como “menos nobres”, como a final do Mundial de Clubes de 2012, vencida pelo Corinthians, e a novela Avenida Brasil, da Rede Globo. Para a Copa, desenvolvemos o aplicativo #EstadãoNaCopa, que coletou, em tempo real, tudo o que as pessoas falaram no Twitter sobre a Copa. Havia filtros por jogador, por hashtag, cidade, estádio e por seleção. Atualmente, estamos trabalhando em convênio com o Ministério da Educação (MEC), em um projeto para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep).

Fazemos o acompanhamento das conversações nas redes sociais sobre diversos temas ligados à Educação. A partir desse mapeamento, a gente pretende fornecer informações estratégicas para os técnicos do ministério atuarem em problemas pontuais ou estruturais. Um dos focos de atenção é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As análises de redes podem identificar, por exemplo, um caso de falta de prova em determinada região. Também dá pra identificar o que as pessoas estão pensando, ao longo do ano, sobre outros temas de interesse do MEC, como o tipo de livro que está sendo mais compartilhado, quais sugestões de leitura estão surgindo. A partir dessa análise, vamos desenvolver um aplicativo que seja usado pelos gestores para tomada de decisões, com informações em tempo real.

 

Para decifrar os grafos

revista-arede-100-entrevista-04Acompanhe, abaixo, uma síntese do passo a passo de uma análise feita em junho de 2013, de autoria de Fabio Malini, também coordenador do Labic. O trabalho, intitulado “Dilma nas redes sociais: o fim da bipolaridade política e o desejo de radicalizar mudanças”, mostra cada camada de dados obtida pela captação de conversas no Twitter. A íntegra da análise pode ser lida em goo.gl/s24ZBj

Coletei, dias 16 e 17 de junho, esses tweets. Eles somam 170 mil. Destes, 50 mil são de RTs (republicações). Peguei o arquivo e plotei-o no Gephi, para saber quem são os hubs dessa rede. Grandes hubs são aqueles que possuem ótimas qualidades de conexões. Autoridades são aqueles que possuem ótimos conteúdos. O poder do segundo reside na credibilidade e na difusão. O segundo, nisso e no fato de obter e circular informações de qualidade, para tantas outras autoridades. Resultado já sabido: Hubs são os ativistas. Autoridades, os perfis mais noticiosos.

Explicado isso, vamos aos verdadeiros resultados: a rede “Dilma” no Twitter possui uma densidade enorme. Isso significa que quanto mais conexões (linhas) existir nessa rede, mais densa ela vai ficando (e isso não pára de acontecer). (…) Essa densidade significa, em linguagem de “humanidades”, que há uma intensidade de relações sendo produzidas. E essas relações criam, neste momento, componentes (grupos) fortemente conectados. Para se ter uma ideia, a rede da figura acima possui 48.481 componentes fortemente conectados.  E somente 5.475 fracamente conectados. É um evento múltiplo de grandes proporções.

Há três mega componentes fortemente conectados (dentro desses 48 mil). O primeiro é o azul claro. Nele encontramos o grupo de oposição a Dilma há anos. É uma rede cuja presença podemos visualizar: @robertofreire, @faxinanopoder, @joapaulom, @blogdonoblat, mirandasa_, blogolhonamira, @lidpsdbsenado, @rede45. Importante salientar que esses perfis ficam juntos porque se retuitam.

A rede vermelha é o tradicional grupo que blinda a Dilma na rede e constrói pontos de vista alternativos. Um grupo do qual a própria Dilma passou a se manter com certa distância (em função da aproximação da presidenta com os grupos tradicionais de mídia). O grupo é formado por perfis tais como @zedeabreu, @stanleyburburin, @ptnacional, @blogdilmabr, @emirsader, @rogeriocorrea. É hoje uma rede política consolidada.

Toda rede ligada a algum político possui um certo padrão: a bipolaridade. Mas a grande novidade dessa rede é a mancha verde do grafo. Compostos com grandes centralidades tais como @iavelar, @helenapalm, @teclologoexisto, @semfimlucrativo, @matheusrg, @personalescrito, @tsavkko, @cadulorena. Essa é uma rede que narra fatos que nenhuma das duas outras gostam muito de discutir: a relação entre gastos públicos e Copa, a questão indígena, a crítica do que é esquerda e direita (são inúmeros temas). Ela  tem perfil mais independente. E ganha relevância na conversação na rede. Possui alta conexão com as redes que circundam o centro do grafo. Significa que são perfis muito conectados com as ruas.

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A velha mídia são os nós de forte difusão. Como mostra a figura com o @estadao, o padrão é de ser perfis muito retuitados pelos seus seguidores (desconectados com o resto da rede) e por por usuários de diferentes perspectivas (à direita da imagem). São autoridades, muito em função dessa enorme difusão de tweets. Contudo, por que Folha, Estadão, Marcelo Tas, Rafinha Bastos não criam grandes clusteres (grupões)? Simples, porque são retuitados, mas não retuítam. Os jornais, por exemplo, possuem uma deontologia jornalística, cujo valor reside no problemático “ver tudo de longe”. Ou seja, esses perfis não são ativos DENTRO da conversação/manifestação, porque não criam relações. E quem não cria relação não tem perspectiva.

Já as celebridades possuem outro ingrediente. Quem é Rafinha Bastos ou Marcelo Tas? Uma autoridade igual ao Estadão, do ponto de vista estrutural de rede: uma mega árvore nesse rizoma. A força deles deriva da escala de seguidores que possuem. Se Rafinha ou Tas assumem o risco de replicar continuamente outros perfis, eles assumirão uma causa política do Outro. E conectar mensagens escritas por seus seguidores permitem que discursos considerados menores sejam mega visualizados. Aqui reside um egoísmo enorme, que também é o núcleo duro do valor capitalista desses perfis: replicar vozes minoritárias ou não? O Marcelo Tas retuitaria os fãs ou não? Por um lado, esses perfis têm tanta audiência, que não conseguem administrar as interações via menções ao mesmo tempo que possuem poucos seguidores (o recado é que eles filtram as pessoas a que querem estar atentos – logo, se mantêm longe do que é notícia dentro do ativismo). Por outro lado,  há uma questão estratégica em torno da “imagem midiática” dessas grandes autoridades. Se retuítam pessoas nos protestos, entram na causa e perdem “valor de mercado”. A opção é tuitar algo original, próprio, para ser retuitado: é o oportunismo do surfar no “assunto do momento”.

 


 Fábio Goveia é professor da Ufes, doutor em comunicação pela UFRJ e coordenador do Laboratório de Estudos Sobre Imagem e Cibercultura. Pesquisador e investigador de novos modos de visualização de dados.