Murilo Battisti*
A internet provocou mudanças significativas no cenário de uso de drogas. Desde o surgimento da epidemia de AIDS, o uso de drogas injetáveis e “pesadas”, como heroína, perdeu espaço para drogas que podem ser inaladas ou ingeridas, como ecstasy e demais drogas sintéticas.
E a internet exerce papel importante na divulgação dessas novas tendências. São inúmeros os sites com informações sobre drogas de abuso.
Em 2003, pesquisadores liderados pelo Dr. Russel Falck entrevistaram 304 usuários de ecstasy em Ohio, EUA. O objetivo era investigar as fontes de informação desses jovens sobre essa droga sintética. As fontes mais importantes foram amigos, internet e programas de televisão. Aproximadamente metade da amostra usava a internet com freqüência para se informar sobre o uso de ecstasy.
Atentos a essa questão, pesquisadores europeus desenvolveram um estudo inédito, intitulado “Psychonaut 2002 Project”, para compreender o modo pelo qual a internet lidava com o tema “drogas de abuso”. Oito línguas foram investigadas: alemão, dinamarquês, espanhol, finlandês, francês, inglês, italiano e português. Dos 1.633 sites que compuseram a amostra, 40,4 % eram dos Estados Unidos, 6,8% eram do Reino Unido e 3,2% do Brasil. Desse universo, 42,0% apresentaram uma clara postura anti-drogas; 30,1% não foram claros quanto ao viés; 17,9% fizeram apologia ao uso de drogas (destacavam aspectos positivos da droga, comercializavam drogas ou material associado ao uso de substâncias). Apenas 10% eram sobre redução de danos. Um dado que chamou atenção foi o fato dos sites pró-uso de drogas aparecerem com maior destaque nas primeiras páginas de busca.
No Brasil, há sites interessantes sobre o tema. Vale destacar o “Álcool e Drogas sem Distorção” (http://aed.one2one.com.br/alcooledrogas/), mantido pelo Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo. Por outro lado, há também grande destaque para as comunidades de sites de relacionamento como o Orkut (www.orkut.com). Muitas dessas comunidades apresentam claro viés pró-uso de drogas e por vezes agem como ferramenta de comercialização de substâncias.
Nota-se, assim, que a internet tem um papel ambíguo quanto ao fenômeno “drogas de abuso”. Por um lado, ajuda na divulgação de mensagens preventivas no combate ao uso de drogas; por outro, auxilia na propagação de novas tendências no consumo de substâncias.
Não há dúvidas de que a internet é parte marcante de nossa realidade, ferramenta poderosa de propagação de informações. Por isso, deve ser contemplada em campanhas preventivas ao uso de drogas de abuso. E essa iniciativa deve ir além da simples oferta de informações cientificamente embasadas sobre o fenômeno “drogas”. Deve também incluir atividades lúdicas e interatividade para tornar seu conteúdo mais interessante. A linguagem deve ser acima de tudo acessível para o público jovem. É importante também que esses sites sejam divulgados nas diferentes mídias, para que não corram o sério risco de se perder dentro do mundo sem fronteiras da internet.
*Psicólogo e pesquisador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
integrante do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad)