É o conhecimento que move o mundo

08/02/2010 – Dennie Fabrizio faz parte do Puraqué, um coletivo que trabalha com cultura digital em Santarém, no Pará. O Puraqué é um Pontão de Cultura Digital junto com o Projeto Saúde e Alegria, também de Santarém. Realiza oficinas em comunidades ribeirinhas e também fez um programa de capacitação de professores das escolas municipais da cidade.

A entrevista foi feita por e-mail, em dezembro de 2009 e fez parte do trabalho de apuração da matéria “Monitor, Agente da Cidadania“, sobre capacitação e formação em inclusão digital, publicada na edição número 54 da revista ARede. Ela é mais extensa do que as demais entrevistas que publicamos, porque também tinha como objetivo entender as atividades do Puraqué.

ARede — Você realizam uma porção de oficinas em telecentros, escolas, na Casa Puraqué. Que oficinas são essas? O que vocês querem ensinar às pessoas? Onde elas acontecem?

Dennie — Nós realizamos oficinas de Cultura Digital de um modo geral, são oficinas de apropriação da tecnologia e dos meios de comunicação digital, sendo elas:

Metareciclagem — desmistificação do computador, ele não é uma caixa preta, mas sim algo que pode ser apropriado desde suas bases. Também ensinamos a fazer manutenção preventiva no computador, para que a pessoa sinta que ele é uma ferramenta útil para e não somente um entretenimento, como a televisão;

Gráfico — editoração eletrônica de um modo geral, edição de imagens, trabalho com gráfico vetoriais, produção de cartazes, panfletos, folders, pediódicos, jornais e por aí vai… É uma oficina interessante por conta de envolver muita criatividade e também brincadeiras interessantes como montagem, distorção de fotos, tratamento de imagens e técnicas necessárias para se trabalhar bem com os vários meios de mídia textual;

Áudio — produção de roteiros e scripts para se trabalhar a edição de conteúdo sonoro, técinas de captura, edição, produção de vinhetas, músicas, programação para rádiowebs, rádio poste, rádio FM e etc;

Vídeo — produção de roteiros que irão dirigir os vários produtos que essa ferramenta pode produzir: documentários, curtas, etc… Também são ensinadas técnicas de filmagem, captura e edição dos produtos;

Essas oficinas acontecem praticamente onde as pessoas podem fornecer um mínimo de logística para nós: transporte, alimentação e alojamento. Sendo que já realizamos oficinas de Cultura Digital em comunidades ribeirinhas, escolas, associações comunitárias, infocentros, telecentros, para projetos socias (ongs, oscips) e do poder público (projovem, esporte e lazer, informática educativa). Tudo isso sendo tanto a nível local como também a nível regional e nacional.

ARede — E qual é o objetivo do trabalho de vocês?

Dennie — Queremos que as pessoas sejam contaminadas com esse vírus da Cultura Digital e da filosofia do software livre, pois com a revolução do conhecimento, o computador praticamente se tornou uma ferramenta que centraliza todos os meios de produção multimidiática, também ele é uma ferramenta poderosíssima de aprendizado, comunicação, troca de idéias, armazenamento de informações. As pessoas precisam sim entender isso, pois senão nossa sociedade não irá evoluir da forma como se almeja; sendo isso mais acentuado por aqui, pois atualmente passamos por outros processos predatórios (madeira, grãos, minérios), que vêm trazer mais miséria para nossa região.

ARede — O Puraqué é, desde o começo, um movimento de formação de pessoas?

Dennie — Nós sempre atuamos em várias frentes: formação, articulação, contaminação. Então dizer que o Puraqué é só formação seria uma idéia muito limitada. Nós praticamente estamos envolvidos em todos os movimentos de Cultura Digital que se desenrolam na região: infocentros do Estado, telecentros comunitários, laboratórios das escolas municipais, programas de governo, etc…

Procuramos nos articular com eles para contribuir com nosso conhecimento e também com nossa experiência local, pois vários projetos desses vem de cima para baixo, sem conhecerem a realidade local, a cultura e os problemas sociais da região.

ARede — Nesta experiência de ensinar, o que vocês aprenderam? Quer dizer, existe uma diferença entre as capacitações que vocês faziam no começo da história do Puraqué e as que vocês fazem agora?

Dennie — O processo de ensino é uma atividade muito engraçada, quanto mais você ensina e compartilha o seu conhecimento mais você ganha. Então, com o Puraqué evoluiu muito durante todos esses anos articulando e formando pessoas; desde quando ele era apenas um pequeno espaço na garagem da casa de um companheiro daqui, compartilhando o conhecimento de usar o computador, e chegando agora como um Coletivo que trabalha fortemente a Cultura Digital e Software Livre dentro dos vários projetos de Inclusão Digital desenvolvidos na região.

ARede — Tem uma diferença entre formar o público e formar as pessoas que viraram multiplicadores aí no Puraqué?

Dennie — Esse processo funciona assim: as oficinas que realizamos em nossas articulações são mais para contaminação das pessoas com os princípos da cultura digital e filosofia de software livre, pois muitos projetos de inclusão digital só trabalham com formação de gente para o mercado de trabalho e esquecem que por trás tem que ter esses princípios também, senão estaremos no mesmo círculo vicioso que tem se perpetuado há décadas.

Queremos pessoas que entendam o que significa estar vivendo na era do conhecimento, onde emprego é pouco, mas trabalho sempre tem. Que entendam que agora o conhecimento é o que move o mundo e não o que foi pregado durante muito tempo para nós (petróleo, minério, madeira, grãos etc…). Assim, dessas pessoas que foram contaminadas, umas entendem o que queremos passar e abraçam a causa. Aí começamos a trabalhar mais fortemente em cima dessas pessoas, elas começam primeiro como voluntários e dependendo do desenvolvimento pessoal nas questões de compromisso, responsabilidade e conhecimento, começam a realizar outras atividades conosco e posteriormente podem se integrar ao Coletivo ou ser um esporo em outros projetos de inclusão digital.