Em três anos, banda larga em todos os municípios.

Entenda a troca de metas de universalização das concessionárias de telecom: saem os PST, entra a infra-estrutura de banda larga.


Entenda a troca de metas de
universalização das concessionárias de telecom: saem os PST, entra a
infra-estrutura de banda larga.

Lia Ribeiro Dias

Graças a uma eficiente negociação, o governo federal acertou a troca
das metas de universalização das concessionárias de telefonia fixa. No
lugar de instalar Postos de Serviços de Telecomunicações, que
ofereceriam serviço de internet discada, pago, vão levar a rede de
banda larga a todas as sedes de municípios e conectar a 1 Mbps 56,6 mil
escolas públicas urbanas, que não pagarão pelo serviço até o final de
2025.

A negociação demorou além do previsto, especialmente em função de
dificuldades técnicas para estabelecer as regras da qualidade do
serviço de conexão em banda larga das escolas públicas urbanas. Mas, em
8 de abril, em solenidade no Palácio do Planalto, com a presença do
presidente Lula, de cinco ministros, do presidente da Anatel e
executivos das concessionárias de telefonia fixa, o governo anunciou,
formalmente, a troca de metas de universalização e o Programa Banda
Larga nas Escolas.

Saudado por autoridades do governo e por todos os segmentos da
indústria de telecomunicações, a troca de metas substitui a instalação
de pouco mais de 8 mil PST’s, prevista nos contratos de concessão que
entraram em vigor em 2006, pela extensão da infra-estrutura de banda
larga aos 3.516 municípios que hoje não contam com ponto de presença da
internet e só podem acessar a rede via linha discada e, na grande
maioria das cidades, pagando ligação de longa distância. A negociação
também inclui a conexão em banda larga a 1 Mbps das 56,6 mil escolas
pública urbanas até 2010, que não pagarão pelo serviço pelo menos até o
final do atual contrato de concessão(2025).

Para os técnicos do governo, a troca de metas representa um passo
decisivo para a construção de um Plano Nacional de Banda Larga. “O
desafio, agora, será construir a última milha”, diz Cezar Alvarez,
coordenador dos programas de inclusão digital e assessor da Presidência
da República. Roberto Pinto Martins, secretário das Telecomunicações e
responsável pela proposta inicial de troca de metas — com o engajamento
de outros órgãos do governo, especialmente da Casa Civil, à expansão da
rede de banda larga foi somada a conexão das escolas públicas —, a
iniciativa trará benefícios diretos a toda a sociedade. “Os PST’s iriam
oferecer serviços de telefonia e de internet discada, por limitação
legal, já que estavam incluídos nos contratos de concessão que só
cobrem a telefonia fixa. Além disso, seriam serviços cobrados à
população. Agora, vamos ter uma infra-estrutura nacional de banda
larga, que vai favorecer o desenvolvimento dos municípios, das pequenas
empresas, além de atender aos pontos públicos, como escolas, postos de
saúde, unidades das prefeituras, etc.”, explica.

Na verdade, para atender a legislação — os contratos de concessão só
cobrem serviço público e o único existente é a telefonia fixa —, a
extensão da infra-estrutura de transporte foi incluída no contrato de
concessão, em substituição à obrigação de instalar os PSTs; e a conexão
às escolas, com prazos de atendimento e características de qualidade do
serviço a ser prestado, foi colocada como aditivo aos contratos de
Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) das concessionárias. A
engenharia legal foi também um dos fatores que emperrou as negociações.
E a solução acertada recebeu o aval do Tribunal de Contas da União.
Consultado, ele não concordou que a conexão às escolas figurasse como
aditivo ao contrato de concessão, pois conexão em banda larga não é
telefonia fixa. E isso poderia abrir espaço para questionamentos
futuros.

A preocupação em dar uma solução que fosse juridicamente robusta e ao
mesmo tempo satisfizesse o governo não encontrou eco na Pro Teste,
entidade de defesa dos direitos do consumidor. Logo após a publicação
do Decreto nº 6424/08 com a troca de metas, a Pro Teste entrou com ação
civil contra a medida, por entender que ela atende mais aos interesses
das concessionárias do que dos consumidores. Além do mais, sua
porta-voz, a advogada Flávia Lefevre, que também integra o conselho
consultivo da Anatel, declarou, repetidas vezes, que a Lei Geral das
Telecomunicações (LGT) não permite imputar metas de banda larga, e que
a contrapartida de conexão gratuita às escolas não encontra lastro em
documentos efetivos.

Mas os reparos da Pro Teste não são só de ordem legal. No fundo, ela se
coloca contra a imputação de novas metas por entender que isso onera o
usuário da telefonia fixa. Sua posição é de que é fundamental baixar o
valor da assinatura básica para mais usuários terem acesso ao serviço
e, com novas metas, vai perdurar o círculo vicioso, onde as
concessionárias dizem que não têm condições de baixar o valor da
assinatura básica pois têm as obrigações de universalização para
sustentar. “O argumento não se coloca, pois a instalação dos PSTs não
estava condicionada à redução da assinatura básica. São dinâmicas
independentes. E o valor da assinatura básica é determinado pela
disponibilidade de oferta do serviço, seja ele demandado ou não. Para
alterar o quadro, ou seja, chegar a um valor de assinatura mais baixo
para determinado perfil de uso ou de renda, é preciso alterar a LGT,
que prevê atendimento isonômico aos usuários”, observa o secretário de
Telecomunicações. Na verdade, as concessionárias já oferecem planos com
valores inferiores ao da assinatura básica, mas são planos alternativos.

Da mesma forma que a troca de metas não tem relação direta com a
assinatura básica, também não procede o argumento, utilizado por
representantes da Pro Teste (ela ganhou o apoio político do Idec, outro
instituto de defesa do consumidor), de que as concessionárias vão
gastar menos com a expansão da infra-estrutura de banda larga (o backhaul)
do que com a instalação dos PSTs. Levantamento feito pela Fundação CPqD
para o Ministério das Comunicações indica que os investimentos na
expansão do backhaul serão de R$ 1,1 bilhão, contra R$ 700
milhões para a instalação dos PSTs. Já João de Deus Macêdo, diretor da
Oi, assegura que o investimento é superior ao estimado pelo governo e
pela Anatel. “Só na nossa região, vamos gastar R$ 1,1 bilhão, sem
contar a conexão às escolas e a manutenção do serviço.”

Por que, então, as concessionárias concordaram com a troca de metas?
“Do ponto de vista da expansão da infra-estrutura de telecomunicações,
faz mais sentido para uma operadora. Trata-se de um investimento que
pode gerar oferta de serviços na ponta, ou seja, é um investimento
produtivo para a operadora, ainda que os recursos resultantes da venda
da capacidade de rede no atacado, para terceiros, tenham que ser
revertidos para novas metas de universalização”, observa Luiz Tenório
Perrone, vice-presidente da Brasil Telecom. Ele registra, ainda, que
embora os serviços do PST fossem cobrados, trata-se de um negócio que
envolve uma infra-estrutura  menos afeta à atividade principal da
concessionária. “Além disso, os PSTs que instalamos registraram baixa
demanda”, comenta.

Na esteira do backhaul, as concessionárias aceitaram conectar as
escolas, pois essa foi uma demanda do governo federal, e uma causa na
qual todos se sentiram obrigados a se engajar: “Aceitamos a convocação,
pois sabemos que a banda larga é um instrumento importante para
melhorar a qualidade do ensino, por meio do acesso a conteúdos
educacionais disponíveis na rede e em base de dados especialmente
dedicadas à formação de alunos e professsores. Insvestir na educação
tem de ser um compromisso de todos os brasileiros”, diz Ricardo
Knoepfelmacher, presidente da BrT.

Risco de concentração

Das críticas disparadas pela Pro Teste, uma única tem fundamento. A
preocupação de que o caminho escolhido aumente a dominância das
concessionárias, que já são dominantes no mercado de banda larga em
suas respectivas áreas de concessão, impedindo o desenvolvimento da
competição. Para que outras prestadoras de serviço tenham condições de
comprar capacidade de rede dos backhauls
das concessionárias a valores justos e oferecer a banda larga na última
milha, é preciso que haja controle sobre o preço. Como fazer isso, já
que, até hoje, como argumenta a entidade, a Anatel não criou 
condições para a desagregação das redes, seja através de mecanismos de unbundling ou de venda de capacidade de rede no atacado?

O caminho não está definido, mas essa é uma preocupação do governo e da própria Anatel, que tem feito mea culpa
da ineficiência de suas medidas destinadas a permitir o uso da
infra-estrutura das concessionárias ou de empresas com significativo
poder de mercado por outros competidores. Uma das hipóteses, que deverá
integrar o pacote de medidas do Plano Geral de Atualização do Marco
Regulatório, é a criação de tarifas para a conexão desse backhaul,
que deverá permitir às pequenas empresas locais contratarem conexões a
preço justo. Com isso, poderão ampliar a oferta de banda larga na
última milha para diferentes comunidades, competindo inclusive com as
concessionárias. A expansão do backhaul, como meta de
universalização e ativos que são reversíveis à União, será feita com
recursos das concessionárias. Fazer essa expansão por meio de parcerias
público-privadas, alternativa defendida pela Pro Teste, seria gastar
inadequadamente recursos públicos.

Nas escolas

O programa de Banda Larga nas Escolas, lançado em abril pelo governo
federal, vai atender, até dezembro de 2010, 56.685 escolas públicas
urbanas de ensino médio e fundamental. A conexão será provida
gratuitamente pelas concessionárias de telefonia fixa pelo menos até
dezembro de 2025, quando terminam os atuais contratos de concessão.

O próximo desafio, como destacou o ministro da Educação, Fernando
Haddad, no lançamento do programa, é fazer a inclusão digital chegar ao
campo. Embora o programa vá contemplar 85% dos alunos da rede pública
de ensino básico e fundamental, num total de 37 milhões de estudantes,
os demais 15% estão distribuídos em 90 mil escolas rurais. Para
ultrapassar esse desafio, o governo conclamou as operadoras de
telefonia celular a se engajarem no projeto. O que não será suficiente,
pois as redes de telefonia móvel, mesmo com a licença de terceira
geração, só precisam estar presentes, pelas regras da Anatel, nas sedes
dos municípios brasileiros.

De qualquer forma, Haddad assinalou que a melhoria do ensino brasileiro
está vinculado à eqüidade e não simplesmente à qualidade. Por isso,
explicou, mesmo sem conseguir oferecer o acesso à internet nas escolas
rurais, o MEC vai instalar laboratórios de informática em 138.405
escolas brasileiras, até dezembro de 2010. No final deste ano, 54.907
escolas já contarão com laboratórios de informática.

Cronograma

O cronograma de atendimento prevê, até dezembro de 2008, 40% das
escolas; até dezembro de 2009, mais 40%; até dezembro de 2010, as 20%
restantes. Até junho deste ano, 2 mil escolas de todo o país terão que
estar conectadas. As concessionárias terão que oferecer o acesso
bidirecional de 1 Mbps por escola. A partir de 2011, banda será
aumentada para 2 Mbps. A cada seis meses, haverá revisão sobre a
disponibilidade de banda oferecida pelas concessionárias ao público em
geral, e, se as empresas estiverem vendendo velocidades maiores ao
mercado, terão que repassar a mesma capacidade para as escolas
atendidas naquela localidade.