A retomada do Cultura Viva
A Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural voltou a realizar convênios e editais para Pontos de Cultura e trabalha na consolidação de instâncias democráticas de gestão do Cultura Viva. Paralelamente, tenta zerar o passivo de convênios passados.
Lia Ribeiro Dias
ARede nº 85 – outubro de 2012
DESDE QUE ASSUMIU a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC), no Ministério da Cultura (MinC), em outubro de 2011, Márcia Rollemberg tem feito um enorme esforço para zerar o passivo de sua área: o pagamento de parcelas vencidas de convênios de Pontos e Pontões de Cultura que dependem de prestação de contas. Até agosto de 2012, conseguiu pagar 37% de R$ 112,7 milhões de restos a pagar.
Esta tarefa tem consumido a equipe da secretaria. “Temos feito mutirão para analisar as prestações de contas e buscar informações”, conta Márcia. Mas a solução depende também da disposição do proponente em complementar as informações e comprovantes solicitados. Aparentemente burocrática, esta ação é essencial para restabelecer, de um lado, a boa interlocução dos gestores do programa Cultura Viva, que abriga os Pontos de Cultura, com a sociedade civil; e, de outro, a confiança das entidades parceiras no futuro do programa.
O acerto do passivo está avançando no ritmo do possível. Mas Márcia destaca uma série de ações levadas à frente pela SCDC para consolidar o Cultura Viva: integrar as políticas de diversidade cultural, como o programa Brasil Plural, no interior das atividades desenvolvidas pelos Pontos de Cultura; e estabelecer uma gestão nacional do programa que integre efetivamente as redes estaduais e municipais de Pontos de Cultura.
Até em função de sua experiência como diretora de articulação e fomento do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural e coordenadora geral de documentação do Ministério da Saúde, a secretária dá grande importância à organização das informações. Entre as prioridades de sua gestão, está abastecer o Sistema Nacional de Informações e Indicadores de Cultura, em implementação pela Secretaria de Políticas Culturais, com todos os dados do Programa Cultura Viva, como os projetos que participaram de editais e um inventário dos Pontos de Cultura com seu calendário de atividades.
Nesta entrevista, Márcia Rollemberg apresenta dados que indicam que o programa Cultura Viva, depois de sofrer um freio de arrumação, já retomou o lançamento de editais e está encaminhando a renovação dos convênios com estados e municípios. Investe em construir um sistema de governança que garanta o avanço do programa e o cumprimento da meta do Plano Nacional de Cultura de o país atingir 15 mil Pontos de Cultura em 2020. E promete, para 2013, a retomada da realização da Teia, o evento nacional de encontro dos Pontos de Cultura cuja última edição aconteceu em 2010.
Esta entrevista foi concedida pela secretária de Cidadania e Diversidade Cultural à revista ARede no final de agosto, antes da troca de comando no Ministério da Cultura, com a substituição de Ana de Hollanda pela senadora Marta Suplicy.
O programa Cultura Viva está passando por uma reavaliação. Quais são as conclusões e quais as perspectivas futuras?
Márcia Rollemberg – A avaliação informativa do Cultura Viva se inicia em 2007, com a primeira pesquisa que foi feita pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), envolvendo a primeira parte do programa, de 2004 a 2006, quando foram implementados cerca de 600 Pontos de Cultura e o modelo era de relação direta do MinC com a sociedade civil. A etapa que começa em 2007 marca o início dos convênios com os estados e municípios, mas mantém ainda uma relação direta com a sociedade, com relação aos Pontões e aos Pontos de Cultura Indígena. A terceira etapa, que a gente está empreendendo agora, se materializa por essa avaliação do programa, da perspectiva de que essa parceria inclua não somente a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, mas também a comissão de gestores estaduais e municipais. Essa etapa foi inaugurada formalmente em janeiro, durante o Fórum Mundial Social, quando fizemos a primeira reunião de representantes dos Pontos de Cultura com os gestores estaduais e municipais, anunciando o processo de redesenho, convidando todos a se integrar no grupo de trabalho, que já realizou quatro reuniões ao longo deste ano. O objetivo desse grupo é propor medidas que consolidem o programa e o institucionalize, não só em nível federal, por meio dos convênios e prêmios, mas em uma perspectiva federativa, envolvendo estados e municípios.
Os convênios com estados e municípios vão ser o esteio do Cultura Viva?
Márcia – Hoje, há uma perspectiva de evolução no próprio Sistema Nacional de Cultura, que vai prever essa questão de repasse fundo a fundo. Os convênios vão evoluir dentro dessa perspectiva. Mas também é importante registrar que estamos desenvolvendo a terceira etapa do Cultura Viva, com a segunda geração de convênios com os estados. Essa geração começa com a renovação dos convênios com São Paulo, Minas Gerais e outros estados, a partir do momento que pagamos a terceira parcela do primeiro convênio. E aí, mudanças começam a se efetivar.
Que mudanças? O que envolvem?
Márcia – A segunda geração de convênios prevê, além do fomento aos Pontos de Cultura, o desenvolvimento de ações que deem organicidade ao programa, como as Teias e os fóruns. Temos demanda nesse sentido para a realização de ações de capacitação, avaliação e acompanhamento. Antes, o convênio não cobria atividades desse tipo. Agora, a proposta é que cubra. Também queremos que o programa contemple mais de perto as questões relativas à cidadania e diversidade, que estão sob a mesma secretaria. A ideia é que o programa Brasil Plural se some também ao Brasil Cultura Viva, definindo uma tipologia mais clara com relação aos Pontos que trabalham com culturas tradicionais, com as culturas populares, com as culturas indígenas e, ao mesmo tempo, com outras temáticas de interesse, como a cultura digital.
Qual a importância da plataforma de informação para essa nova configuração do Cultura Viva?
Márcia – O programa nasceu com uma perspectiva forte de inclusão digital, mas não gerou, até hoje, uma plataforma que opere de maneira integrada. Como essa plataforma é importante, nossa secretaria aportou recursos, no ano passado, para o desenvolvimento, pela Secretaria de Políticas Culturais, de um Sistema Nacional de Informações e Indicadores de Cultura. Com isso, vai ser possível organizar as informações do Cultura Viva e torná-las disponíveis dentro do Sistema Nacional de Informações, como, por exemplo, as mais de quatro mil iniciativas premiadas. Também teremos aí o cadastro nacional de Pontos de Cultura, com informações sobre agenda coletiva desses pontos.
Essa plataforma já está em operação?
Márcia – Ainda está em desenvolvimento, e quem coordena o trabalho é a Secretaria de Políticas Culturais. O que a gente vai fazer é trabalhar etapas intermediárias, definindo o fluxo dos dados que já existem. Ceará, por exemplo, está trabalhando em uma plataforma. São Paulo e Rio de Janeiro também têm iniciativas nessa direção. Então, temos de integrar essas iniciativas ou, pelo menos, definir uma arquitetura de macrodados para que se possa, no segundo momento, operar de maneira conjunta.
O Cultura Viva foi um programa que cresceu muito, falava-se em mais de cinco mil Pontos em 2010. Depois, no início do governo Dilma, sofreu um ponto de inflexão em função de problemas na prestação de contas de convênios. Qual é a realidade hoje?
Márcia – Temos convênios com 25 estados e o Distrito Federal. Falta só o Paraná, onde há rede municipal. Temos um total de 3.703 Pontos fomentados, envolvendo todos os cobertos por convênios e uma parte que recebeu prêmio. Nem todos os conveniados estão em funcionamento – cerca de 30% não têm mais convênio vigente, mas contam com outras formas de fomento, receberam prêmios, usufruíram de outros editais. Hoje, a maior parte dos pontos está vinculada aos estados.
Quantos pontos efetivamente estão em funcionamento atualmente?
Márcia – Esse dado é dinâmico, porque uma hora o edital sai, convenia… A informação de hoje é que temos em torno de dois mil pontos com os estados em funcionamento. Outros 419 estão aguardando o convênio. Nosso esforço é no sentido de precisar as informações e relacionar essas informações com as fontes primárias. Ou seja, estamos verificando o que aconteceu com os 73 Pontos que foram implementados em 2004, e assim sucessivamente. Temos ainda convênios diretos do MinC com a sociedade civil, como no caso dos Pontões, um total de 66 em funcionamento; e Pontos em segmentos específicos como a área indígena.
A avaliação em desenvolvimento pelo Ipea envolve práticas de gestão. Quais as recomendações?
Márcia – O trabalho do Ipea ainda não acabou, mas, como acompanhamos de perto, estamos fazendo as correções sugeridas. E temos também as recomendações dos órgãos de fiscalização do governo sobre os convênios. Desde que assumi, tenho trabalhado para resolver todas as pendências. A maior parte do passivo se refere aos Pontos conveniados da primeira etapa do programa, que recebiam, em três anos, de três a cinco parcelas, gerando igual número de prestação de contas. Muitas organizações ainda estão finalizando a prestação de contas, concluindo as diligências para encerrar o processo. Muitos casos foram resolvidos, em outros o prazo expirou antes da finalização do processo. Há casos que estão na secretaria executiva. Tenho feito internamente um esquema quase de mutirão. A equipe tem trabalhado, inclusive muitas vezes aos finais de semana, no sentido de precisar essa informação para buscar uma solução. Mas é importante lembrar que vários dos Pontos de Cultura dessa primeira etapa acabaram absorvidos pelas redes estaduais.
O que falta para resolver a situação de uma parte dos Pontões de Cultura, criados para serem nós de rede e que ficaram sem receber o dinheiro do convênio, desarticulando suas atividades?
Márcia – Esse é um dos maiores problemas que enfrentamos, pois o edital número quatro, de 2009, que conveniava 29 Pontões, tinha problemas e teoricamente deveria ter sido cancelado. O edital já está expirado. Nosso entendimento é que temos de nos antecipar ao processo de judicialização das questões, buscando soluções compartilhadas inclusive com os próprios convenientes no sentido de sanar essas situações irregulares.
E como será a relação do MinC com os Pontões a partir de agora?
Márcia – No caso dos Pontos de Cultura, há um consenso de que a parceria tem de ser com a sociedade civil e não com instituições públicas, como ocorreu em alguns casos na primeira e na segunda fase. Já em relação aos Pontões, não está fechado. Devemos priorizar a parceria com a sociedade civil, mas a gente acha que não deve ser exclusiva, porque há entidades públicas, como universidades e fundações, que podem suprir o papel de Pontão como parceiro.
Os Pontões permanecem com o papel de articulação, de fomentar circuitos de intercâmbio. O que vamos começar a discutir é se mantemos ou não os Pontões, que são referenciais, ligados diretamente ao MinC. Essa definição é importante porque estão sendo criados Pontões nas redes estaduais. Repassamos, em julho, recursos para a rede do município do Rio de Janeiro, que envolve 50 novos Pontos de Cultura e cinco Pontões. Esses Pontões atenderiam demandas específicas: dois focados em gestão, para apoiar os Pontos na prestação de contas; um em cultura digital; e dois em culturas tradicionais. É importante que o Pontão atenda a uma demanda do governo local, na implementação das redes, até porque se sabe que as secretarias de cultura também carecem de estrutura. Ou seja, é importante ter critérios para a expansão da rede, que não pode acompanhar apenas uma demanda espontânea.
É adequada uma expansão dirigida?
Márcia – Como os recursos são limitados, temos que definir os públicos prioritários. Deveriam estar contemplados, por exemplo, os municípios com maior volume de densidade populacional, os de baixo IDH, os 156 municípios com maior incidência de violência com relação à juventude negra, a região Norte… Para ficar mais claro, vou dar o exemplo do Rio de Janeiro. No estado existem 27 municípios onde não há Pontos de Cultura. Mas o estado tem um saldo de 30 Pontos no convênio. Qual seria então o critério de expansão? Destinar esses Pontos para os municípios não atendidos de tal forma que cada município tenha pelo menos um Ponto de Cultura. Então, estamos começando a falar de uma rede mais integrada em termos territoriais, com o Ponto de Cultura funcionando como aglutinador de outros grupos, como ponte entre a sociedade e a política pública.
Há espaço para discutir critérios de expansão da rede com os estados?
Márcia – Sem dúvida. O grupo de trabalho já
reúne gestores de redes estaduais e municipais e essa discussão será ampliada em seminário aberto a todas as redes conveniadas, que são 51. Em breve, teremos 71, pois estamos assinando convênios com mais 20 municípios do estado de São Paulo. Além disso, há fóruns estaduais e regionais.
No que diz respeito à relação direta com a sociedade, a secretaria hoje limita seu trabalho a liquidar o passivo?
Márcia – Além dos convênios com estados e municípios, fizemos o edital de Ponto de Cultura indígena, para implementar a meta nessa área. São 79 Pontos. O convênio é direto com o MinC, mas temos um parceiro em cada região para a interlocução com os pontos indígenas.
A articulação nacional do Cultura Viva tem a comissão nacional de gestores. Mas a Teia nacional foi suspensa. A última aconteceu em 2010.
Será retomada?
Márcia – Temos de fazer valer a Comissão Nacional de Gestão, prevista no próprio programa, e institucionalizar os espaços de articulação na renovação dos convênios. Vamos retomar a Teia nacional em 2013. As Teias regionais vêm acontecendo. Em agosto, aconteceu a do Rio de Janeiro. Os conceitos básicos do programa Cultura Viva não mudam; estão mantidos.