Convencido de que as emissoras de
radiodifusão públicas ou estatais têm obrigação de prestar serviços à
população sem proselitismo partidário ou ideológico, trabalhando para
universalizar o acesso à informação, que é um direito fundamental para
o exercício da cidadania, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci,
implantou uma nova linha editorial nas emissoras do grupo. A mudança é
mais visível nos 20 minutos diários da Voz do Brasil, sob a
responsabilidade do Poder Executivo, quando temas que antes nunca eram
abordados – como a manifestação social durante a reforma da
Previdência, por exemplo – passaram a ser noticiados.
Se Bucci tem claro qual é o papel de uma rede pública/estatal numa
sociedade democrática, também sabe que a comunicação pode ser um
importante instrumento de união entre os povos. E é por isso que
participa da construção da TV Brasil, a emissora internacional que
inicia sua transmissão, este ano, para os países da América do Sul. A
TV Brasil, explica, é o resultado de um acordo inédito entre os três
poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – e se propõe a unificar
os laços culturais dos países. Mas ressalta: “Não pretendemos ser os
protagonistas desse processo.”
"As emissoras públicas não
podem fazer proselitismo
ideológico ou partidário".ARede – Como você analisa o papel
de uma empresa de comunicação de Estado. Qual a diferença para uma
empresa pública e como a Radiobrás se insere nesse contexto?
Eugênio Bucci – A Radiobrás é uma empresa pública, uma sociedade
anônima em que todas as ações pertencem ao Tesouro Nacional. A questão
que se coloca não é bem o fato de a Radiobrás ser uma estatal, mas o
tipo de comunicação que ela faz. E a questão é saber se uma empresa do
Estado pode promover uma comunicação que não seja propaganda partidária
do governo. Eu digo que não apenas pode, como deve. É obrigação da
Radiobrás e de qualquer empresa pública prestar serviços ao cidadãos
conforme os seus direitos.
ARede – E como a Radiobrás, editorialmente, reforça essa abordagem?
Eugênio Bucci – A Radiobrás é encarregada de administrar e
explorar os serviços de radiodifusão das emissoras do Poder Executivo:
as duas de televisão – a NBR e a TV Nacional – e as quatro de rádio – a
Nacional do Rio de Janeiro, as duas de Brasília – FM e AM – e a Rádio
Nacional de ondas curtas, que vai para a Amazônia. Ora, ela jamais
poderia praticar uma informação tendenciosa. Seria uma forma de
desrespeitar os direitos do cidadão e, às vezes, de desrespeitar a
própria legislação. Essa rede tem condições de difundir, em larga
escala, informações que ajudem o cidadão a conhecer e a fazer valer os
seus direitos. Em vários momentos do dia, a Radiobrás coordena redes
voluntárias de dezenas, às vezes centenas de emissoras de rádio. Isso
tudo ajuda na difusão da informação. Cabe-nos, para melhor exercer esse
trabalho, apurar, editar e veicular textos jornalísticos que sejam
verdadeiramente objetivos, que não sejam propagandísticos, tanto de
governo como de partidos.
ARede – Mas ela é vista como uma representante do governo, e não da sociedade.
Eugênio Bucci – A tradição das emissoras de radiodifusão
vinculadas a governos – sejam estaduais ou federais – é de uma
comunicação contaminada por proselitismo político. E, muitas vezes,
contaminada por uma função absurda, que é a de promoção de pessoas que
ocupam cargos nos governos. Isso é uma usurpação do serviço público.
Não é o que a Radiobrás faz hoje que deveria espantar as pessoas. O que
deveria espantar é o passado da comunicação pública no Brasil, não só
na Radiobrás, mas em vários outros veículos.
ARede – Como marcar essa diferença?
Eugênio Bucci – Vou dar um exemplo bem radical: se uma
manifestação pública acontece em Brasília, protestando contra a
reforma da Previdência, por exemplo, e isso tem impacto sobre as
decisões que o governo está tomando, é um fato que, obrigatoriamente,
precisa ser noticiado na Voz do Brasil. O espantoso é notícias como
essa serem omitidas, como se fosse um fato que nunca ocorreu. Quando se
omite um fato relevante desse tipo, o ouvinte, que só se informa pela
Voz do Brasil, terá sido agredido no seu direito à informação.
"Nosso conteúdo pode ser usado
livremente pelas emissoras
comunitárias que estejam dentro
da lei".
ARede – Não é difícil essa relação, já que a empresa depende financeiramente do Tesouro Nacional?
Eugênio Bucci – Ela depende financeiramente do dinheiro público.
O dinheiro não é do governo. O brasileiro precisa de informação de
qualidade sobre governo, Estado e vida nacional. Muitas áreas do Brasil
dependem, exclusivamente, da informação produzida pela Radiobrás.
ARede – A Radiobrás tem uma política para distribuição de
seus conteúdos para TVs e rádios comunitárias? Qual sua contribuição no
fomento a essas mídias comunitárias?
Eugênio Bucci – Tudo aquilo que produzimos é, por definição, um
conteúdo público. Está disponível a todos, para reaproveitamento
gratuito. Os nossos sinais de áudio e vídeo estão disponíveis em
satélite, e podem ser captados por outras emissoras sem a necessidade
de decodificadores. As emissoras comunitárias, que estejam em
conformidade com a lei, podem utilizar livremente esse conteúdo.
ARede – Como a Radiobrás se encaixa no projeto de criação de uma TV latino-americana?
Eugênio Bucci – A Radiobrás, ao lado dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, integra o comitê gestor,
criado no ano passado, para prestar serviço de televisão para o
exterior. A TV Brasil vai falar para o exterior, começando pela América
do Sul. Já realizou duas transmissões experimentais. Uma no Fórum
Social Mundial, em janeiro, e outra na Cúpula América do Sul-Países
Árabes, em maio. Emitimos o sinal para toda a América do Sul e várias
emissoras, de vários países, aproveitaram esse sinal nos seus
noticiários ou mesmo para transmitir ao vivo. A nossa intenção é entrar
no ar, em definitivo, ainda este ano.
ARede – Qual é o objetivo dessa TV?
Eugênio Bucci – O objetivo oficial, declarado e escrito, é
fortalecer o processo de integração entre os países da América do Sul.
Não tem, como objetivo, fazer propaganda do Estado brasileiro, ou das
autoridades do Brasil, mas de cumprir a missão estratégica de
fortalecer o processo de integração, utilizando, no conteúdo da
programação, produções dos países vizinhos da América do Sul, mediante
convênios.
ARede – Qual freqüência ela vai ocupar. É a mesma de hoje?
Eugênio Bucci – Não. Vamos ter que licitar um outro espaço em
satélite, e esse satélite é que irá jogar o sinal para toda a América
do Sul. As operadoras de cabo locais precisarão baixar o sinal e
incluí-lo em sua programação.
ARede – Quanto vai custar essa TV?
Eugênio Bucci – Temos um orçamento de R$ 8 milhões para 2005.
Mas não realizamos nada desse dinheiro, ainda. Conseguimos dar os
primeiros passos com as estruturas de comunicação e técnicas existentes
nas empresas envolvidas – Radiobrás e comunicação do Senado, da Câmara
e do Supremo. E, nas duas transmissões experimentais, conseguimos o
sinal de satélite praticamente de graça.
" A TV Brasil tem o objetivo de
fortalecer a integração entre os
países da América do Sul".
ARede – Qual é a importância, para o Brasil e para o brasileiro, de uma emissora de TV desse tipo?
Eugênio Bucci – Há uma grande oportunidade e uma grande
importância estratégica. A oportunidade é que a implantação desse
serviço praticamente não vai onerar os cofres públicos. As nossas
estruturas permitem, com muito pouco investimento e com custeio muito
pequeno, que se realize esse tipo de ação, pelo menos para sua
implantação. Já temos os custos fixos praticamente resolvidos. No ano
passado, fizemos um grande investimento na aquisição de material que
capacita toda a Radiobrás. Para o Brasil, assim como para os demais
países da América do Sul, trabalhar a integração, nos planos da
comunicação e da cultura, é fundamental tanto para o nosso envolvimento
e desenvolvimento dentro da América do Sul, quanto para as relações com
outros blocos comerciais. Uma TV internacional poderá contribuir, como
uma iniciativa entre várias, para que esse processo se acelere e seja
mais saudável.
ARede – E a digitalização dos sinais de rádio e TV?
Eugênio Bucci – No caso do rádio, estamos participando de um
grupo de estudos que está fazendo testes. A digitalização virá, mas
será um processo lento. No caso da TV, a sobrevivência das emissoras
públicas não depende da tecnologia, mas de decisões políticas. É
preciso saber se as democracias e o poder público querem ou não um
sistema público de comunicação.