entrevista

As cidades de um futuro sustentável

Conectividade é uma das ferramentas fundamentais do programa do BID para
urbanizações medianas na América Latina
Igor Ojeda

ARede nº 79 – abril de 2012

Em um planeta cada dia mais urbanizado, as cidades que mais crescem não são as grandes metrópoles, ao contrário do que muitos pensam. Aglomerações urbanas de porte médio veem suas populações aumentar de modo mais acelerado do que São Paulo, Buenos Aires ou Cidade do México, por exemplo.

Na maior parte das vezes, esse crescimento acontece de forma desordenada, para não dizer caótica. Sem infraestrutura para atender as novas demandas que surgem com o inchaço de suas periferias, os municípios emergentes são obrigados a adotar medidas paliativas, que pouco ou nada resolvem.

Pensando nessa realidade, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) lançou, em março do ano passado, a Plataforma Cidades Emergentes e Sustentáveis, programa que visa ajudar as cidades medianas a identificar os principais obstáculos para um desenvolvimento sustentável e, com base nesse diagnóstico, elaborar políticas públicas de longo prazo.

“Quando as pessoas saem do campo e vão para a cidade, esta, de certa forma, não tem como barrá-las. Acaba acolhendo-as, e essa receptividade, no fundo, cria certa desproporcionalidade, porque a cidade não pode ficar gerando empregos e saúde pública para acomodá-las. Então, isso acarreta alguns problemas sociais”, explica Mauricio Bouskela, da Divisão de Ciência e Tecnologia do banco.

Após um extenso período de seleção, foram escolhidas cinco cidades da América Latina – região englobada pela atuação do BID: Montevidéu (Uruguai), Trujillo (Peru), Santa Ana (El Salvador), Puerto España (Trinidad e Tobago) e Goiânia (Brasil). A primeira fase foi de estudos e diagnósticos. Agora, inicia-se a segunda fase: execução dos projetos e políticas pensadas para atender as principais necessidades. No dia 20 de março, o BID anunciou que ampliará o programa para a Argentina, Bolívia, Colômbia, Jamaica e Nicarágua e, posteriormente, para todos os países da América Latina e Caribe. 

Nesta entrevista, Bouskela conta como o programa funciona e analisa o papel da conectividade na execução de ações de distintas áreas. “A conectividade de banda larga, na verdade, é um insumo necessário, é um pré-requisito para o desenvolvimento. Ou seja, quanto mais conectividade, melhor o desenvolvimento econômico. Maior conectividade contribui para mais emprego”, afirma.

O que é a Plataforma Cidades Emergentes e Sustentáveis criada pelo BID?
Mauricio Bouskela – O grande objetivo do BID era criar estudos para entender um pouco o que está acontecendo com as cidades que cresceram nos últimos 50, 60 anos, de forma desordenada.

As cidades emergentes, não?
Bouskela
– Em 1950, por exemplo, 41% da população da América Latina vivia nas cidades. Em 2011, 75% da população vive nas cidades. E a expectativa é de que em 2050 essa proporção alcance 89% na América do Sul. A migração de pessoas do campo para a cidade acabou gerando uma série de problemas nas áreas de moradia, saneamento, adensamento de população, emprego, saúde etc. Então, uma equipe do BID falou: “Vamos tentar entender o que acontece com algumas cidades. Vamos escolher algumas cidades emergentes e estudá-las de forma a poder planejá-las e buscar as melhores práticas no futuro, para que esse crescimento seja feito de forma ordenada”. Existem hoje na América Latina 140 cidades emergentes. A definição de uma cidade emergente é que seja de tamanho intermediário proporcionalmente à população total do país, que tenha crescimento demográfico e econômico acelerado, estabilidade social e de governabilidade e que seja referência regional de qualidade de vida. Por meio dessa metodologia, foram definidos três pilares de uma cidade sustentável: sustentabilidade ambiental e mudança climática; desenvolvimento urbano, integral e sustentável; e sustentabilidade fiscal e governabilidade. Para cada um desses pilares foram definidos indicadores, que devem ser classificados com as cores vermelha, amarela e verde, dependendo da situação. A partir dessa classificação, definem-se as prioridades. Nesta primeira fase do programa, foram escolhidas cinco cidades da América Latina: Trujillo, do Peru; Montevidéu, do Uruguai; Santa Ana, de El Salvador; Puerto España, de Trinidad e Tobago; e Goiânia, do Brasil. Então, essas cidades são objetos de diagnósticos, estudos e indicadores. Para cada uma foram identificadas áreas prioritárias de risco, de situação vermelha. E alguns planos já foram desenhados.

Quais foram os indicadores? Tecnologia está entre os pontos de atenção?
Bouskela
– Sem dúvida. E vou te falar um pouco de conectividade, pois sou da área de Tecnologia da Informação. No eixo do desenvolvimento urbano sustentável, existe um indicador que é o de conectividade. A conectividade de banda larga, na verdade, é um insumo necessário, é um pré-requisito para o desenvolvimento. Ou seja, quanto mais conectividade, melhor o desenvolvimento econômico. Maior conectividade contribui para mais emprego. Esse indicador contém vários pontos de análise: telefones fixos, telefones móveis, conectividade e internet de banda larga. Ajudou a aprofundar um pouco mais o diagnóstico da cidade em relação ao uso da tecnologia da informação para a produtividade, para o desenvolvimento econômico e urbano sustentável. Foram feitos alguns estudos, em parceria com os coreanos, para identificar a situação em que se encontrava a tecnologia da informação nas cidades escolhidas – em particular os aplicativos e o uso da banda larga. Com isso, se pensaria em possibilidades de projetos como parte de um plano de ação muito mais complexo. Por exemplo: existe a necessidade de expandir a rede de fibra óptica de Goiânia. Hoje há cerca de 60 quilômetros e o objetivo é chegar a 200 quilômetros, para conectar órgãos do governo, escolas, hospitais. Na verdade, Goiânia é uma cidade muito desenvolvida, oferece banda larga e acesso à internet sem fio em praças públicas e algumas escolas. Outro projeto pensado é o de uma central de monitoramento integrada. O que quer dizer isso? Seria um centro de controle por meio do qual seria possível controlar o trânsito, o transporte, a segurança, por meio de câmeras conectadas. E seria possível também criar uma central de comando e monitoramento para se entender os desastres ambientais. Nessa central uma equipe analisará uma série de situações da cidade, em tempo real. Com base nas análises, essa equipe tomará medidas de forma muito mais proativa. Quer dizer, não somente proativa. Podem ser medidas proativas ou reativas. Pode-se tanto planejar o fluxo de trânsito como monitorar o que está acontecendo em certas regiões da cidade.

Então a conectividade também influencia outros indicadores?
Bouskela
– De certa forma contribui. Para se ter uma central de monitoramento e controle integrada em tempo real é preciso haver uma excelente conectividade. Um bairro que não tem conectividade de banda larga não permite que se instale uma câmera de análise do fluxo de trânsito ou segurança  para transmissão em tempo real.

Áreas como saúde e educação foram pensadas em conjunto com a conectividade?
Bouskela
– Na realidade, esses temas não chegaram a ser discutidos em detalhe no que diz respeito à conectividade. Mas se houver uma conectividade de fibra óptica expandida, será possível conectar mais escolas, telecentros, postos de saúde etc.

Quais são os impactos previstos da Plataforma Cidades Emergentes e Sustentáveis nas periferias, especialmente no que diz respeito ao atendimento dos serviços públicos?
Bouskela
– No eixo de sustentabilidade fiscal e governabilidade do programa se discutiu mecanismos para que a cidade conheça com mais profundidade seus sistemas financeiros: que consiga entender os gastos, as receitas, o que está acontecendo com o dinheiro, se está entrando, se está saindo, se está sendo investido. Ou seja, um controle fiscal muito melhor, por meio do qual se tenha um monitoramento de serviços públicos e uma gestão por resultados. No eixo de sustentabilidade ambiental e mudança climática, falou-se da poluição da água e do ambiente, de resíduos sólidos, reciclagem, deficiência energética, prevenção a desastres naturais etc.

Mas pode ajudar o cidadão, por exemplo, a marcar uma consulta no posto de saúde, tirar algum documento mais facilmente etc.?
Bouskela
– A gente não entrou nesse nível de detalhe em nenhuma das cidades. Mas, quando falamos de ter uma conectividade expandida, isso significa levar o serviço público para os bairros mais remotos. Em Goiânia, está muito claro para as autoridades a vontade de levar os serviços públicos para fora do centro da cidade. Então, no fundo, a conectividade acaba contribuindo e sendo fator importante. Não adianta um sistema desenvolvido se não se consegue conectá-lo em tempo real.

A partir do momento que essas cidades foram selecionadas, o que começou a acontecer, na prática?
Bouskela
– Durante o processo de avaliação e seleção das cidades, houve um compromisso por parte das prefeituras e do banco de fazer um diagnóstico da situação local. Isso envolveu a cooperação técnica do BID e recursos de US$ 4 milhões, que vieram dos fundos do banco. Também veio dinheiro de um fundo coreano, um fundo chinês e de outros fundos de doadores. Então, definiu-se a metodologia de estudo e um plano de ação com o objetivo de criar projetos complementares em curto prazo. Neste momento [março], os planos de ações já estão definidos, pelo menos nas áreas prioritárias de cada cidade.

O município se compromete, por exemplo, a criar ou mudar leis para executar essas políticas ou dotar recursos especiais?
Bouskela
– Eventualmente, propostas nascidas do projeto podem vir a se tornar políticas públicas, ou a alterar uma política pública, com objetivo de se criar uma cidade sustentável de longo prazo. Vamos supor que haja uma análise do controle de água ou de resíduos tóxicos, com base e diagnóstico. Isso pode se tornar uma política pública que proteja a cidade contra a poluição no futuro. O grande objetivo é que você possa trabalhar com as cidades para que o crescimento seja bem sustentável. Que possa oferecer apoio a sua população e para que não se tenha um crescimento desproporcional e desorientado de uma área que foi identificada como mais interessante ou mais adequada para a execução do programa.

Os três eixos da plataforma são trabalhados de forma conjunta?
Bouskela
– Exato. Nas cidades escolhidas foram feitos diagnósticos sobre esses eixos. Com base nesses diagnósticos, foram priorizados os indicadores mais vermelhos ou amarelos – que são os mais críticos – e, a partir daí, saiu um plano de ação.

A conectividade é importante inclusive para agregar todos esses eixos.
Bouskela
– A conectividade foi incluída no pilar “desenvolvimento urbano sustentável”. Só que sua incidência tem um impacto transversal. Por exemplo, a saúde pública, que está no eixo “desenvolvimento e mudança climática”, pode se beneficiar de uma melhor conectividade de aplicativos, documento eletrônicos, telemedicina… A parte de energia também, assim como a segurança.

O que você pode dizer das semelhanças ou características específicas entre as cinco cidades incluídas na plataforma?
Bouskela
– Essas cidades estão muito interessadas no crescimento sustentável. Existe um compromisso dos poderes executivos de levar suas cidades a um nível superior. Todas têm desafios sociais e se preocupam com segurança, moradia, trabalho, desenvolvimento, competitividade das empresas. Então existe toda essa preocupação em razão principalmente do crescimento da migração da área rural para a área urbana. Quando as pessoas saem do campo e vão para a cidade, esta, de certa forma, não tem como barrá-las. Acaba acolhendo-as, e essa receptividade, no fundo, cria certa desproporcionalidade. Porque a cidade não pode ficar gerando empregos e saúde pública para acomodá-las. Então, isso traz problemas sociais.

Então há a preocupação com a execução do programa de acordo com a realidade específica de cada cidade.
Bouskela
– Em cada cidade o programa está analisando como pode trazer desenvolvimento, crescimento ordenado, capacitação, controle de desastres naturais, conectividade, sistema de informação, melhoria da segurança etc. Santa Ana, por exemplo, tem um problema sério de criminalidade. Há toda uma estratégia de segurança na cidade, mas um ponto que me chamou a atenção é que as informações sobre os delitos são enviadas por papel. Não há um sistema que permita a análise detalhada do que está acontecendo. Outra coisa: na semana em que a gente esteve lá, chovia muito forte, as estradas estavam caindo, os barracos também, havia alagamentos… por isso, a parte de prevenção de desastres naturais é um tema muito importante.

Mauricio Bouskela, especialista da Divisão de Ciência e Tecnologia do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é formado em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O laboratório brasileiro
capital de goiás já definiu a implementação de algumas medidas

Goiânia (GO) foi a cidade brasileira selecionada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para fazer parte da Plataforma Cidades Emergentes e Sustentáveis por ser, na visão do banco, um exemplo de cidade sustentável sob alguns aspectos.

“Entre as candidatas brasileiras, estavam Curitiba, Recife, Porto Alegre e Campinas. Goiânia foi escolhida porque se preocupa muito com a questão do verde. Há na cidade muitas praças, há qualidade de vida. Mas também existem ameaças, como o crescimento acelerado e a pressão muito grande sobre os serviços e a infraestrutura”, conta Márcia Casseb, técnica do BID de Brasília (DF), e responsável pela execução da plataforma em Goiânia.

Logo depois de aceitar o convite, a cidade já se pôs a trabalhar. Hoje, investe, com recursos próprios, R$ 200 milhões em um programa de recuperação ambiental e integra um programa de compartilhamento de conhecimento na área de conectividade com a Coreia do Sul.

Lançado em 2004, o Korean Knowledge Sharing Program, do governo sul-coreano, tem como objetivo ajudar outros países a desenvolver seu potencial econômico seguindo a experiência de rápido crescimento vivido pela nação asiática nas últimas cinco décadas. Em dezembro do ano passado, o presidente da Agência Municipal de Tecnologia e Inovação (Amtec) de Goiânia, Nelcivone Melo, viajou à Coreia do Sul para conhecer sua experiência em matéria de conectividade, apontada como a melhor do mundo.

Com base na visita e após os diagnósticos iniciais em conjunto com o BID, já foram definidas algumas prioridades, como a ampliação da rede de banda larga, a criação de um sistema de transporte inteligente e a expansão das aplicações de governo eletrônico.

A cidade quer expandir sua rede de fibra óptica dos atuais 64 quilômetros para 200 quilômetros. Vai interligar secretarias, órgãos públicos, escolas e hospitais. Já o sistema de transporte inteligente seria implementado por meio de câmeras digitais e sinais controlados por uma central de operações. Além disso, Goiânia e BID preveem, por meio do Projeto Vaga-lume, a oferta de internet gratuita em locais públicos.

Segundo Márcia, a dificuldade encontrada pelo banco foi o fato de Goiânia não trabalhar com indicadores, método adotado da instituição internacional: “Faltava direcionamento. Eles perceberam que precisam mudar, e a definição de metas podem ajudar no investimento em várias fontes de recursos próprios e de diferentes níveis de governo”.

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