Lia Ribeiro Dias
O Secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado do
Ceará, professor Hélio Guedes de Campos Barros, tem uma idéia fixa:
transformar o Ceará em um território altamente tecnológico, para tentar
melhorar o nível de empregabilidade da população do interior e, com
isso, aumentar a inclusão social. Como ele diz: “Temos que tirar a
enxada da mão dessas pessoas e dar um computador”. Nesta entrevista,
Barros explica como pretende colocar sua idéia em prática: levar o
governo do estado a investir maciçamente em educação, com ênfase na
formação de tecnólogos. Para isso, ele aposta na eficácia de um
programa complexo, que inclui os Centros Digitais do Ceará, unidades
vinculadas ao Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec), que
estão sendo implantadas em três níveis: o básico é um telecentro com um
projeto pedagógico que estimula o empreendorismo; o segundo nível,
agregado a uma universidade ou Centec com curso de tecnólogo, já prevê
incubadoras de empresas para oferecer empregos; e o terceiro será um
parque tecnológico mais completo, reunindo o trio: universidade,
sistema Centec e um centro de pesquisa e desenvolvimento. Paraibano de
nascimento, Barros fez sua carreira universitária e profissional
praticamente toda no Ceará: formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Universidade Federal do Ceará (UFC), da qual tornou-se, depois,
professor, chefe de departamento e decano, além de fundar e coordenar o
programa de Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento. Ocupou, também,
diversos cargos no governo federal, entre os quais os de Secretário de
Educação Superior do MEC; Secretário Executivo do PADCT/MEC-Banco
Mundial e Secretário de Projetos Especiais e Secretário de Planejamento
do MCT. Em 1998, recebeu a Ordem do Mérito Científico.
ARede • Qual a sua visão sobre o papel da tecnologia para a inclusão social?
Barros • A tecnologia é, certamente, um dos instrumentos essenciais da
inclusão. No caso brasileiro, temos um componente muito mais
exacerbado, no caso da inclusão social, do que outros países.
Diversidade racial, cultural, econômica, territorial, todas as
diversidades possíveis, num território gigantesco. E ainda temos que
considerar que nós perdemos para outras culturas, porque temos pouca
tecnologia. Porque não tivemos nenhum passado científico brilhante,
nenhuma vitória significativa no processo educacional; ao contrário,
tivemos derrotas. E, no século XX, conseguimos despertar para questão
educacional num momento extremamente difícil, em que a educação estava
especialmente mais cara. A empresa privada, no Brasil, ainda estava se
formando e o Estado brasileiro, também. Ainda não se tinha a
institucionalização de várias funções relevantes na burocracia
nacional. Foi dessa forma que se criou o Ministério da Educação. Só
viemos a ter uma universidade em 1934. Não havia uma massificação no
processo educacional. Com essa base, a tecnologia brasileira ficou
muito atrasada. Tínhamos poucas pessoas na área de ciência e tecnologia
e uma fragilidade enorme no ensino da engenharia.
ARede • Como é que se rompe isso?
Barros • Não há solução de curto prazo. Para darmos uma boa formação a
um indivíduo, são necessários 12, 14, 15, 20 anos ou até mais. O
rompimento disso deriva de políticas e de alguns fatores sociais
relevantes. Para começar: enquanto o país continuar mantendo a educação
básica – ensinos fundamental e médio – em tempo parcial, serão mais 50
anos de atraso. Existem alguns esforços municipais, estaduais e
federal, mas isso não está generalizado. Já podemos detectar uma
melhoria do ensino fundamental e, com isso, mais gente está chegando ao
secundário e às portas da universidade. Com essa base, é possível gerar
uma expansão maior das escolas técnicas, para a formação de tecnólogos.
Na pós-graduação, por exemplo, já estamos formando cerca de 10 mil
pessoas, por ano. Com isso, é certo afirmar que o Brasil está preparado
para fazer ciência e tecnologia. Eu não tenho a menor dúvida disso.
Tanto assim, que nós somos produtores de mais de 1% do crescimento
mundial nessa área. Mas o que eu vejo, do ponto de vista de inclusão
social, é que estamos avançando em ciência e tecnologia, mas não na
base educacional. Mesmo que, um dia, venhamos a conseguir a educação
básica em tempo integral, ainda assim, estaremos condenados a, pelo
menos, 20 anos de atraso.
ARede • Na secretaria, vocês dão um peso importante à formação de tecnólogos. Como o senhor explica isso?
Barros • A política de ciência e tecnologia do Ceará foi concebida como
uma política estruturante do conhecimento, com ações bem equilibradas.
A proposta é que todas as ações se dirijam para fortalecer a base do
conhecimento. E só se fortalece a base do conhecimento por meio de
educação e de outros mecanismos para que possamos ter, realmente, a
geração de conhecimento e a capacidade de absorção. Portanto, esse
trabalho do Ceará foi pensado sob alguns direcionamentos. O primeiro é
que a política de ciência e tecnologia é voltada para a economia. Um
secretário de C&T tem que se preocupar com o PIB do estado, é um
agente de desenvolvimento econômico. A política tem que ser composta de
um conjunto de ações com três focos: o primeiro é que toda ação deve
ser voltada para produção. Portanto, tem que envolver o setor
empresarial. O segundo ponto é que essa ação tem que ser coordenada por
uma ação maior que cubra todo o território, não se limitando à área
metropolitana da capital. O terceiro ponto é, exatamente, o
fortalecimento da base educacional. Nesse sentido, foi essencial a
formação de um sistema estadual de ensino tecnológico e técnico,
vinculado a uma expansão da rede universitária. Principalmente na área
de engenharia. O Ceará deverá ter três pólos de ensino de engenharia:
na capital, na região norte e na região sul do estado. O sistema Centec
(Centro de Ensino Tecnológico) se inspira em outras experiências,
principalmente na de São Paulo, que é, na verdade, o pioneiro. Em São
Paulo, há a Fatec (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo), que
é mais antiga. E ainda há os Cefets, os Centros Federais de Educação
Tecnológica. O fundamento é o mesmo. São instituições que formam
tecnólogos, com educação superior, e que podem fazer mestrado e
doutorado. Portanto, apesar de serem cursos de curta duração, são uma
porta aberta para o talento. Acho isso fundamental, para não parecer
curso de segunda categoria. Na verdade, o fato de ser de curta duração
é importante, porque o formando se volta para o mercado mais
rapidamente. Nós, no Ceará, estamos instalando o quarto Centec agora,
com previsão de mais três a cinco unidades, em curto prazo. Mas temos
planos de longo prazo: o ideal seria colocar mais uns dez Centecs no
estado, porque a auto-empregabilidade do sistema é de cerca de 86%.
Isso garante, ao aluno do interior, uma velocidade enorme de inclusão
social, porque ele se emprega no próprio interior. Ele chega ao mercado
de trabalho com aspirações mais adaptadas ao seu ambiente, e aceita um
salário menor do que um aluno da Universidade Federal do Ceará.
ARede • Esse curso de tecnólogo promove mais a fixação dos jovens no interior do que o ensino formal?
Barros • Muito mais, com uma vantagem: o ensino tecnológico tem um viés
para o empreendedorismo bastante sólido. O percentual de empreendedores
em um ambiente de engenharia ou tecnologia, de um modo geral, tende a
ser maior do que nas outras áreas.
ARede • Existe uma articulação entre os Centecs e os Cefets?
Barros • O Cefet está começando a ser reorganizado. Ele foi definido,
inicialmente, para proporcionar um mínimo de qualidade profissional ao
aluno. Por isso, foram montados muitos cursos úteis, como os de
pedreiro. Mas o fato de os Cefets serem muito bem equipados os
transformou, nos municípios, em centros de atração para qualquer área
de interesse voltada para o empreendedorismo. E, se existem arranjos
produtivos locais (APLs) na região, o Cefet se torna, ainda mais, um
ponto de atração de técnicos.
Os Cefets estão evoluindo para se tornarem escolas técnicas, para terem
cursos e núcleos técnicos permanentes, que também têm altíssima
empregabilidade. E isso é importante para a inclusão social: os jovens
de 14, 15, 16, 17 e 18 anos têm que encontrar alguma coisa para fazer,
porque, se contar só com a formação básica da escola brasileira, eles
não sabem fazer nada.
"Enquanto o país continuar
mantendo a educação
básica – ensinos fundamental
e médio – em tempo parcial,
serão mais 50 anos de atraso."ARede • O que são os Centros Digitais do Ceará?
Barros • São uma nova instituição, atrelada aos Centecs. É um
equipamento organizado em três níveis: o nível básico, é um telecentro.
Mas ele tem um projeto pedagógico que estimula o empreendedorismo. Nos
locais onde eles estão instalados, incentivamos as incubadoras de
empresas ligadas ao sistema Centec para que procurem estimular esses
meninos. E está dando certo. A idéia básica é proporcionar, aos alunos,
o domínio do uso do computador, que é a ferramenta básica, hoje, para
qualquer negócio. Queremos criar, no Ceará, uma rede enorme desses
cursos, para ver se conseguimos melhores condições de empregabilidade.
Eu brinco que temos que tirar a enxada da mão dessas pessoas e dar um
computador. Portanto, a idéia é disseminar o Centro Digital por todo o
estado, mas sempre focando nessa duplicidade: projeto educacional com o
projeto de negócio. No nível dois, os Centros Digitais já têm uma
sofisticação maior, porque têm que estar junto a uma universidade ou a
um Centec que tenha curso de tecnólogo ou de graduação em Informática.
E, nesse ambiente, deverá ter uma incubadora para oferecer empregos.
Nesse nível dois, provavelmente não poderemos ter mais de dez. Ainda
não temos nenhum, apesar de já estarem planejados. O de nível um deverá
entrar em funcionamento muito breve, porque já está instalado. Mas
ainda falta um detalhe: tem que ter uma pós-graduação, um centro de
pesquisa e desenvolvimento associado, formando o trio: universidade, o
sistema Centec e um centro de P&D. Só temos o Sobral com essa
característica, porque, lá está o CPqD. No Sobral, só está faltando,
agora, a universidade criar o mestrado para, então, termos um parque
tecnológico de nível um.
ARede • Quantos Centros Digitais existem?
Barros • Até o fim do ano, teremos 45 instalados. Todos são da
iniciativa privada. O estado contrata o Centec para implantar o
programa, que é uma sociedade civil de direito privado, sem fins
lucrativos, que tem um contrato de gestão firmado com o governo do
estado, para prestar serviços à sociedade. O sistema Centec tem uma
presidência, uma diretoria executiva e um conselho, no qual o estado
tem participação, aliás, a única: eu sou o presidente desse conselho.
A infra-estrutura dos Centros Digitais é do Estado: toda a parte física
e os equipamentos. Nós abrimos a montagem dos telecentros para todas as
empresas que estão dispostas a ajudar. Por exemplo: a HP nos deu três
Garagens Digitais, inicialmente, e, agora, mais seis. E nós mantemos,
no centro, o nome e as características de quem está doando. Acima do
nome do doador, está escrito Centro Digital do Ceará, pequenininho.
A HP é um dos melhores parceiros. Temos, também, a Coelce, a companhia
de energia elétrica do Ceará, que vai nos doar um grande número de
computadores usados. E temos o Banco do Brasil. Mas é possível que
venham outras empresas fazer parte conosco de um projeto desse tipo,
provavelmente montando um Centro Digital de nível 2, que será em
Fortaleza. Nosso objetivo é montar 87 Centros Digitais.
ARede • Esse modelo funciona bem? Melhor do que a administração direta?
Barros • Muito melhor. Ainda há algumas dificuldades a vencer, porque,
muitas vezes, os administradores públicos têm uma certa dificuldade de
entender que o estado está financiando algo sobre o qual não tem
ingerência. Quando vou discutir a questão, dizem que eu estou dando
força para uma coisa pela qual estamos pagando. Eu digo: nós não
estamos pagando; estamos comprando o produto. Se eu quero que se formem
3 mil tecnólogos, eu pago. Não preciso saber como eles estão sendo
formados, não tenho que me imiscuir na gestão do fornecedor do serviço.
No Ceará, devemos formar cerca de 300 tecnólogos por ano. Mas, no
sistema todo, é muito mais. Os Cefets, por exemplo, atingem umas 30 mil
pessoas, 35 mil, por ano. Os Centros Digitais são, ainda, muito novos.
Por enquanto, todos os cursos são para alunos de 2º grau. Mas nós
estamos prevendo que todos os Centecs terão cursos de tecnólogos em
informática. Essa é uma aspiração minha, estou batalhando muito por
isso, porque, se não conseguirmos tirar a enxada da mão de alguém e
colocar o computador, o Ceará não vai ter muita chance. E o Ceará tem
uma necessidade maior que a dos outros estados.
ARede • Por que?
Barros • Porque o Ceará não possui um território que lhe permita ter
uma economia agrícola, como em São Paulo, no Paraná ou no Rio Grande do
Sul, ou mesmo em outros estados do Nordeste, como Pernambuco, Bahia,
Maranhão, que, do ponto de vista de recursos naturais, são
fabulosamente ricos. O Ceará tem um território 94% semi-árido, dos
quais 70% são cristalinos, portanto, impossibilitados de receber
qualquer tipo de agricultura. Então, o Ceará só tem uma opção: temos
que formar bem o nosso povo e transformar o Ceará em um território
altamente tecnológico. Por isso, a iniciativa dos Centros Digitais é
fundamental. E, em vez dos 87 previstos para a primeira fase, vamos
precisar ter 800 – no futuro, naturalmente. Esse é um processo de longo
prazo. Mas vai ocorrer, naturalmente. Não apenas por intermédio do
sistema Centec, mas também de empresas privadas e das universidades.
Mas, agora, se conseguirmos que os três ou quatro Centecs formem
tecnólogos em informática, não só esses formandos poderão chegar mais
rapidamente ao mercado de trabalho, como, em dois ou três anos, teremos
pessoal para abastecer os Centros Digitais. Porque, hoje, nesses
centros, estão trabalhando pessoas treinadas apenas para um determinado
nível de capacitação na área, mas com conhecimentos limitados por sua
formação anterior. E, também, com os tecnólogos, poderemos ampliar o
número de Centros Digitais de uma maneira fantástica.
"Serão 45 Centros Digitais até
dezembro."ARede • E o programa das Ilhas Digitais? Onde entra nesse projeto?
Barros • O Ceará tem dois projetos: o dos Centros Digitais do Ceará e o
da Ilha Digital. O Ilha Digital é um projeto da administração anterior,
que só não cresce mais por limitações orçamentárias. As Ilhas são
telecentros de passagem. São computadores colocados numa praça, em um
quiosque. Isso, para mim, não é um telecentro, é um acesso à internet.
Mas que tem duas vantagens: a primeira, do ponto de vista do turismo –
o visitante chega à cidade e encontra condições para acessar o seu
e-mail; e a outra é atender às crianças, que usam os computadores
durante o dia. Mas o número de freqüentadores é muito pequeno. Além do
mais, quando uma máquina quebra, como as Ilhas não fazem parte de uma
rede, como os Centecs, que têm manutenção própria, elas nascem e
desaparecem com muita facilidade.
ARede • O senhor não acabou com as Ilhas?
Barros • Não. Elas estão no âmbito de outra secretaria e eu não quis
absorver, porque não quero misturar os dois programas. As Ilhas atendem
a um tipo de público que eu não quero e funcionam como uma válvula de
escape importante. Prefiro que elas fiquem lá, como um local de atração.