O guarda-chuva da inclusão digital
Gestão e formação são as palavras de ordem na nova Secretaria do Ministério das Comunicações
Lia Ribeiro Dias
Edição nº 70 junho de 2011 – Parte da nova estrutura do Ministério das Comunicações (Minicom), a Secretaria de Inclusão Digital foi criada, em maio, para dar organicidade aos programas de inclusão digital do governo federal. Abriga dois programas já desenvolvidos pelo Minicom – o Governo Eletrônico-Apoio ao Cidadão (Gesac), de oferta de conexões via satélite à internet, e o programa Telecentros Comunitários, que oferece os Kits Telecentro, de fornecimento de equipamentos, software e infraestrutura de rede. Recebe ainda o Programa Telecentros.BR, de universalização dos pontos públicos de acesso e formação dos gestores e monitores, até então no Ministério do Planejamento.
Ainda em processo de estruturação, a secretaria também vai desenvolver, em parceria com a Telebrás, um modelo de referência para as cidades digitais. Para isso, está implantando projetos-piloto em algumas cidades, com diferentes tipos de redes de banda larga (só tecnologia sem-fio, redes mistas sem-fio e com-fio e redes envolvendo anel óptico), com objetivo de estabelecer, em cada modelo, o custo de distribuição por Gigabit, por quilômetro quadrado por habitante.
Nesta entrevista, Lygia Pupatto fala dos programas de secretaria, da importância da formação dos monitores dos telecentros e do empoderamento das comunidades nas cidades digitais. “Para nós, a formação, a efetividade, são tão importantes quanto a instalação dos equipamentos, da conectividade”, diz secretária. No pouco tempo à frente da nova Secretaria, já teve que brigar pela maior dor de cabeça de todos os gestores: mais recursos.
Qual é a estrutura da Secretaria de Inclusão
Digital e quais programas abriga?
Lygia Pupatto – Do Ministério do Planejamento, recebemos o programa Telecentros.BR. Aqui dentro do Ministério das Comunicações, tínhamos duas estruturas. Uma era a do Gesac, que faz a conectividade (vinculada até então à Secretaria de Telecomunicações). A outra era a do programa Telecentros Comunitários, que oferece os Kits Telecentro, e está vinculado à Coordenadoria de Projetos Especiais, responsável pela infraestrutura, pelos equipamentos, pelos locais. A Secretaria de Inclusão Digital está organizada em dois departamentos: um de formação e de articulação, outro de infraestrutura. E este, agora, com o novo projeto de cidades digitais, terá suas competências ampliadas, não responderá somente pelo Gesac.
Onde se alocam os Kits Telecentro?
Lygia – No departamento de infraestrutura continuam a conectividade e os Kits Telecentro. Este programa será desenvolvido agora muito mais de acordo com a concepção do Telecentros.BR, que tem vinculação com a formação, com a rede nacional, com a gestão. Estamos cuidando da efetividade da gestão. Teremos um grupo só para fazer isso porque achamos que precisamos avançar na gestão.
Dentro do departamento de infraestrutura?
Lygia – Sim. Ou diretamente ligado ao meu gabinete. Ainda não definimos.
Você está falando tanto da gestão da conectividade, como das unidades instaladas?
Lygia – Isso mesmo. Dos telecentros já conectados – são mais de 6 mil unidades doadas pelo Minicom por meio de convênios com prefeituras de todo o país – e que têm de funcionar.
Na administração passada, foi implantado um sistema de gestão da Metasys, que venceu o pregão para o fornecimento do software dos Kits Telecentro. Só que, pelos dados informados pela assessoria este ano, dos 6 mil e tantos telecentros que diziam existir, apenas pouco mais de mil eram monitorados. Isso é um problema. Como você pretende resolver essa defasagem?
Lygia – Temos que ter um programa específico para a questão da gestão. Estamos conversando com algumas universidades que fazem trabalhos nessa área, que trabalham com o Ministério da Educação, onde há uma boa gestão. Conversei com esses profissionais, que estão montando um modelo de gestão para nós.
Profissionais de onde?
Lygia – Da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Encomendamos a eles um modelo de gestão, de acompanhamento. Esse é um ponto fundamental para mim, particularmente. Porque temos de medir a efetividade. Devemos ter a preocupação com a quantidade, lógico, ganhar escala no Brasil. Mas, mais do que isso, temos que ter preocupação com qualidade. Isso se trabalhamos com o princípio de que queremos empoderar as pessoas para diminuir as desigualdades sociais. Porque a desigualdade digital é calcada na desigualdade social. Para nós, a formação, a efetividade, são tão importantes quanto a instalação dos equipamentos, da conectividade.
Vocês vão abandonar o sistema de gestão atual da Metasys?
Lygia – Vamos. Na realidade, estamos fazendo um levantamento de tudo o que existe aqui. Do que deu certo, do que não deu. Estamos contratando a UFPR porque conhecemos o trabalho feito no MEC, que é uma referência.
Você se refere à gestão dos laboratórios de informática do MEC?
Lygia – Sim, queremos ter aquele parâmetro. Não reordenamos ainda nossa equipe. Quando isso estiver feito, saberemos exatamente quais são os problemas reais. O problema real é do Metasys ou não é? É de gestão interna ou não? Há muitos pontos sobre os quais temos de nos debruçar. Quero fazer isso no momento em que tivermos a equipe formada, ordenada. É quando vamos tirar nossas conclusões. Mas já estamos conversando sobre um novo modelo de gestão e acompanhamento.
O sistema de gestão do Gesac não é mais eficaz?
Lygia – Teremos um único sistema de gestão para tudo. Agora temos uma secretaria, e o sistema será único e de maneira coordenada porque o que nos interessa é a efetividade de um telecentro.
A capacitação ficará inteiramente no departamento de formação?
Lygia – Exatamente. Hoje, temos a Rede Nacional de Formação, que é regionalizada. É um programa que vem dando certo, e é grande a heterogeneidade dos estados brasileiros. Por mais que se trabalhe uma região, os estados se diferenciam. Podemos ser mais eficientes do que do que já somos. A gente quer evoluir, não nesse primeiro momento, para ter coordenações estaduais em todas as unidades da federação. Porque a questão da formação, para nós, vai ter um peso muito importante.
Então a formação específica do Gesac, aquela desenvolvida em convênio com escolas técnicas federais, deixará de existir e será incorporada ao novo sistema?
Lygia – Exato. Na secretaria, teremos fases de transição. Vamos continuar discutindo, mas, como já disse, somos uma secretaria, temos de ter um só modelo. Acredito na articulação com as universidades para formação, pois permitem a institucionalidade dos projetos. Normalmente as universidades têm educação a distância, com cursos de computação muito bem estruturados. Mas vamos redesenhar isso, embora não queira menosprezar qualquer trabalho feito.
Você tem o desafio de estruturar a secretaria e, ao mesmo tempo, lidar com uma conjuntura de recursos limitados, corte de orçamento. Como estão os recursos? Havia previsão de instalação de 3,5 mil telecentros este ano, mas os recursos não vieram. Como estão as negociações com
os ministérios do Planejamento e da Ciência e da Tecnologia?
Lygia – Nossa opção foi pedir ao Planejamento a recomposição do orçamento por meio de um decreto de lei. Aí poderemos conseguir a recomposição do orçamento para honrar o compromisso de instalação dos Telecentros.BR.
Qual o montante solicitado?
Lygia – Pedimos R$ 30 milhões, dentro da expectativa que tínhamos. Mas vamos trabalhar também com a perspectiva de construção das cidades digitais, só que apenas para o início de 2012.
Com os R$ 30 milhões, quantos telecentros a secretaria poderá instalar?
Lygia – Cerca de 3,5 mil novos.
Hoje não há recursos. A secretaria está a zero?
Lygia – Praticamente. Temos R$ 2 milhões para o Telecentros.BR, o que não dá para quase nada. Com os recursos que serão liberados, somados ao já destinado ao Gesac, vamos chegar a R$ 100 milhões. Além disso, o programa Telecentros.BR conta com 58 mil bolsas para monitores, que estão no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Como você avalia o curso de formação?
Lygia – É um processo no começo. Em abril, fui a um encontro em Salvador, provoquei um pouco a discussão, mas acho que está no caminho correto. É lógico que, para uma avaliação mais concreta da formação dos monitores, temos de esperar mais um tempo. Pelo que eu ouvi de depoimentos, da discussão, do modelo, da Rede Nacional de Formação, estamos no caminho certo. Minha expectativa é muito grande em relação a conseguirmos criar um modelo de formação em rede, respeitando as especificidades regionais, agora as estaduais. Para que a gente consiga mesmo construir uma rede de formação bem grande. E, depois de toda essa articulação, que os monitores sejam replicadores de fato.
Uma grande rede de formação que vai se ampliar junto com o conceito de cidade digital. O telecentro vai ser uma peça dentro da rede?
Lygia – Com certeza.
Falando do Gesac e da conectividade via satélite, há previsão de aumento dos pontos de conexão? Vão ser mantidos os 12 mil?
Lygia – Vai ser muito importante levar o Gesac para a zona rural. Se pensarmos na efetividade do Programa Nacional de Banda Larga, temos um desafio muito grande, que é a zona rural. Suas escolas, suas comunidades, os assentamentos, os territórios digitais, os indígenas, os quilombolas. Nessa conectividade, o Gesac tem um papel muito importante. A área técnica estuda a renovação ou um novo contrato para ampliar os pontos ainda este ano. Ainda estamos avaliando porque depende do encontro orçamentário. Temos recursos para manter o número de pontos existentes, mas queremos um pouco mais.
Sua ideia é fazer uma migração das antenas Gesac das cidades para o campo, na medida em que a infraestrutura terrestre de banda larga se expande nas zonas urbanas?
Lygia – Sim. Só em escolas rurais temos cerca de 65 mil. É um longo caminho a percorrer. Gosto muito de planejamento e de estabelecer metas, mas ainda não temos nada concluído. Quero ter isso, até para poder discutir o Plano Plurianual do ano que vem. Ter metas anuais.
Vocês também estão trabalhando na definição de um programa de cidades digitais. Qual o objetivo desse programa, em que estágio se encontra?
Lygia – Com a criação dessa nova Secretaria de Inclusão Digital, ainda estamos formulando uma política de atuação. Começamos a fazer um planejamento para o que estamos chamando de cidades digitais. Está claro que teremos de construir todos os degraus do planejamento. A secretaria foi criada por diversos motivos. Existem inúmeros conceitos de cidades digitais. Temos recebido vários prefeitos que vêm nos solicitar cidades digitais, e cada um deles, assim como as associações, tem um conceito diferente. Por isso, a gente tem que sinalizar sobre a nossa concepção do que deve ser feito. É um projeto em elaboração.
Por que a iniciativa neste momento?
Lygia – Porque já havia um pré-estudo de técnicos (da coordenação da inclusão digital ligada à Presidência da República, no segundo governo Lula) que foram para a Telebrás, como o Paulo Kaff. Na concepção desse modelo, a SID está conectada com a Telebrás. A gente tem de trabalhar juntos. O estudo sobre as primeiras cem cidades digitais está mais avançado. É um diagnóstico para visualizar o panorama, e depois começar a implementação. A gente vem discutindo, fazendo esse desenho, pensando os conceitos, os serviços que devem ser desenvolvidos.
Quando estará disponível o termo de referência para as primeiras cem cidades
digitais?
Lygia – Mais para o segundo semestre. Veja bem, ainda estamos implantando nossa secretaria, que foi criada recentemente. Só em 5 de maio saiu o decreto definitivo, com a composição do quadro de funcionários. Em um primeiro momento, vamos fazer a integração de três equipes, duas daqui do ministério que estão em diretorias diferentes, mais uma do Planejamento. Haverá uma reestruturação interna para que possamos, com a equipe completa, avançar. É como falei, são estudos preliminares. Nossa perspectiva é que,
no segundo semestre, isso
esteja feito.
A secretaria ainda está em fase de avaliação e estruturação?
Lygia – É, porque tenho de montar a equipe, estruturar a secretaria. Mas as coisas não estão paradas. Estamos discutindo com as equipes do ministérios das Comunicações, do Planejamento. Sempre gosto de envolver todos os atores. Depois, que cada setor se organize porque vão se mesclar para discutir as novas diretrizes de cada diretoria. Em seguida virão as metas que, logicamente, devem estar em consonância com o planejamento estratégico do Ministério das Comunicações como um todo. Minha secretaria, que foi criada agora, ainda está na fase de planejamento de metas, de orçamento, atuação.
{jcomments on}