Educação na carona do 3G
Operadoras de telefonia celular terão que levar conexão banda larga a escolas rurais a partir de 2014. Françoise Trapenard explica os projetos da Fundação Telefônica Vivo.
Texto Rafael Bravo Bucco | Fotos
ARede nº 95 – novembro/dezembro de 2013
Ao leiloar as frequências que serão usadas para a oferta de serviços de conexão 4G, o governo federal estabeleceu contrapartidas. As operadoras que adquiriram lotes precisarão cobrir zonas rurais com conectividade 3G e também conectar as escolas públicas presentes no campo, a até 30 km de distância das cidades. O cronograma já está correndo. Até o final de junho de 2014, 30% dos municípios sem 3G deverão receber a tecnologia, e suas escolas; até o final de dezembro de 2014, a proporção deverá ser de 60%. Finalmente, ao final de 2015, 100% das cidades hoje sem 3G devem receber a tecnologia e ter suas escolas rurais conectadas.
Cerca de 80 mil escolas devem ganhar conexão à internet, sem custo. Somente a Telefônica Vivo terá de conectar 26 mil. Projeto específico de sua fundação mantém, desde o ano passado, um projeto de conexão, e mais. Vai além por se propor a capacitar os professores em como aproveitar a tecnologia que finalmente desembarca em suas localidades. O projeto Escolas Rurais Conectadas atualmente alcança 100 escolas e usa a educação a distância para aprofundar o conhecimento dos mestres em português, matemática e técnicas pedagógicas apoiadas em TICs. “A grande maioria das escolas rurais terá conexão de 1 Mbps”, conta Françoise Trapenard, presidente da Fundação Telefônica Vivo.
Um projeto-piloto, em Viamão, leva internet por fibra óptica, à velocidade de 54 Mbps. Ali, todos os professores e estudantes receberam equipamentos para se conectar à rede e aprender a usar as TICs na rotina pedagógica. A experiência quer gerar conhecimento para futuras expansões e levar à compreensão do impacto transformador da tecnologia na sala de aula.
Qual o foco e a abrangência das ações da Fundação Telefônica Vivo?
Françoise Trapenard – Crianças e jovens. Queremos que o acesso às tecnologias os ajude a se preparar melhor para enfrentar os desafios de hoje e participar da construção de um futuro em que todos estejam incluídos e sejam capazes de exercer sua cidadania. Temos hoje 69 projetos, mas no ano que vem vamos reduzir para 37. Diminuímos a quantidade, mas aumentamos o escopo, concentrando esforços em temas de maior relevância. As nossas áreas de atuação são: Educação e Aprendizagem, Infância e Adolescência – Combate ao Trabalho Infantil, Inovação Social e Voluntariado. Cada uma está estruturada em diversos projetos que podem ser de impacto local, regional, nacional e internacional. E o eixo condutor desses temas é o mundo da tecnologia, a cultura digital. Porque queremos usar cada vez mais a tecnologia a serviço da transformação social.
Como são avaliados os resultados dessas estratégias e iniciativas?
Françoise – Sem dúvida, a dimensão e a amplitude são aspectos relevantes, mas não os únicos. Nosso objetivo é, na verdade, gerar transformação social. E aí são coisas de longo prazo. Não sei dizer ainda quais são todos os resultados que a gente espera. É difícil saber as aspirações, descobrir aonde os aprendizados, as janelas que a gente abriu na vida de pessoas de fato levou essas pessoas. A gente tem debatido muito isso, estamos inclusive nos fortalecendo internamente para uma condição muito melhor de medir resultados.
Para transformar a educação, não é preciso mais que levar tecnologia à sala de aula?
Françoise – Naturalmente. Por isso, a área de Educação e Aprendizagem promove a inovação entendendo as tecnologias como recursos pedagógicos e de inclusão digital. Nossa atuação nessa área está organizada em duas frentes. Na primeira, investimos no desenvolvimento de novas metodologias de aprendizagem com tecnologias, como o uso de games, do telefone celular, da conexão, entre outros. Na segunda, investimos e desenvolvemos novos modelos educacionais com o propósito de explorar tendências e entender como será a escola no futuro. O Brasil ficou entre os últimos colocados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Melhorou na última década, mas ainda perde para a média internacional e para a de países como Chile, México e Uruguai. Além disso, temos a maior taxa de abandono escolar do Mercosul e, entre os estudantes avaliados, a repetência é muito alta. O uso das tecnologias vem sendo apontado como um desafio e uma grande promessa para melhorar a qualidade da educação.
Quais são os principais projetos da Fundação nesse sentido?
Françoise – Muitos. O Escolas Rurais Conectadas envolve práticas inovadoras com TICs e formação de professores em sete estados brasileiros. O Escolas que Inovam dá apoio a práticas pedagógicas com uso de tecnologias. O Gente é um conceito de escola, com uso integral de novas tecnologias. Também apoiamos o desenvolvimento de metodologias de aprendizagem inovadoras, como o Plinks, o Pé de Vento, o Ludz e a Khan Academy. Organizamos o Encontro Internacional de Educação. E fizemos o projeto Aula Fundação Telefônica, vencedor do Prêmio ARede 2013. Estamos em mais de 500 escolas, capacitando cerca de 2.800 professores para o uso de TICs. São mais de 43 mil alunos em dez estados. Além disso, o Portal Educarede, espaço de encontro para todos os envolvidos nestes e em outros projetos, tem mais de 130 mil cadastrados.
Vocês começaram ano passado a levar banda larga e TICs a escolas rurais, adiantando-se à contrapartida prevista pelo governo para instalação de 4G no país. O que precisa acompanhar o projeto, além da conexão, para gerar transformação?
Françoise – A conectividade é o primeiro passo, é necessária, mas está longe de ser suficiente. A partir da conexão, que abre a janela para a entrada da tecnologia e da sociedade do conhecimento nas escolas, estamos formando professores. As escolas rurais, no Brasil, têm um resultado inferior às escolas urbanas. No geral, têm professores com menor qualificação do que as urbanas. E menos acesso à cultura digital e à sociedade da informação. Estamos levando conteúdo em português e matemática para professores usando a tecnologia, usando a educação a distância com mentoria, o que chamamos de blended learning. A ideia é qualificar a abordagem desses conteúdos em aula. Entregamos dois computadores para cada escola. Já formamos mais de 500 professores nas mais de 20 oficinas deste ano. E essa é uma linha contínua, que tende a se ampliar em 2014.
Em Viamão (RS), uma escola rural recebeu um projeto diferenciado, com fibra óptica. Como foi esse trabalho?
Françoise – A gente se perguntou o que aconteceria se a gente fizesse o uso máximo dessa tecnologia nesse ambiente. Aí a gente escolheu Viamão. Neste caso, a conexão não é 3G, mas em fibra óptica. Os computadores não são dois apenas, são um para cada um, cada professor recebeu o seu, cada aluno recebeu o seu. E não há formação apenas para o professor, mas também para o aluno. Porque, até o terceiro ano do ensino fundamental 1, os meninos receberam tablets. A partir do quarto ano e até o final do fundamental 2, receberam netbooks. Os professores receberam notebooks.
Por que as diferenças de equipamentos de acordo com as idades?
Françoise – O ciclo de equipamento está diretamente relacionado ao uso pedagógico que pode ser feito na idade em que você se encontra. Então, para os menores, a questão é usar o equipamento a serviço da alfabetização. O tablet é muito mais lúdico e mais acessível para uma criança do ensino fundamental 1. A partir daí os usos começam a ser mais elaborados, então você precisa de um teclado, de outros tipos de sistemas operacionais, e aí é legal ter um netbook, que tem teclado do tamanho do dedinho deles etc. Para os professores, o notebook tem mais capacidade, mais memória. Foi tudo pensado a partir do ponto de vista pedagógico. E as crianças escolheram os equipamentos. Teve um dia que foi realizada uma feira de equipamentos, e eles então escolheram quais eles queriam, que modelos de tablets, que modelos de netbooks. Os professores também. Nada caiu de pára-quedas na escola, foi um projeto construído de forma bastante participativa, colaborativa..
Qual é o parceiro na implementação do projeto?
Françoise – A Future of Learning, um instituto sediado em Porto Alegre (RS), parceiro da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. E isso é importante porque os professores recebem certificado da universidade. Contam na carreira profissional deles. A Future of Learning é uma sociedade com David Cavallo, um professor do Massachussets Institute of Technology (MIT), muito importante no programa Um Computador por Aluno, do [Nicholas] Negroponte. Ele traz uma experiência dos Estados Unidos, o uso de tecnologia para times pedagógicos em diversos países da África, da Ásia etc. Para nós, pareceu duplamente oportuno ter alguém com esse olhar externo, internacional e bem atual sobre o tema, e ao mesmo tempo uma parceria com uma universidade local que desse certificados e consistência para os problemas que estamos aplicando com nossos professores.
Há previsão de levar fibra para outras escolas?
Françoise – Neste momento, não. Faz seis meses que essa está lá nessa escola [EMEF Zeferino Lopes de Castro]. A gente ainda está aprendendo e construindo o projeto. Seria muito precipitada uma expansão. Nós não cobrimos nem um ano letivo para entender os impactos. Estamos contratando a Unesco para avaliar esse programa. Que todo mundo gosta do que a escola recebeu, que os alunos estão encantados, que os professores estão encantados, isso a gente sabe. Mas o que a gente quer saber é o impacto na educação. A Unesco vai fazer essa avaliação e nos dar as pistas de melhorias e de pontos fortes do projeto. Aí sim pensamos em uma expansão.
Qual o sistema operacional dos aparelhos?
Françoise – A nossa cartilha é a do software livre. Para nós, esse é um aspecto fundamental. É educação pública, para uso público e aberto. Isso orienta as escolhas de software do projeto.
As capacitações são feitas no local?
Françoise – No blended learning, usamos EAD com mentoria. Há conteúdos, exercícios, dinâmicas, acontecendo a distância, mas há também chat com os professores, fórum, trabalho em grupo virtual etc. A experiência de capacitação é também uma experiência de cultura digital. É uma forma de vivenciar algo que a gente está provocando para que aconteça em sala de aula. Porém, há, sim, momentos presenciais. Enquanto fazemos 21 oficinas virtuais no período, realizamos uma presencial. Esse encontro é regionalizado porque as cem escolas rurais deste projeto estão em sete estados. Além do quê, as realidades são muito diferentes. O rural do Rio Grande do Sul não é igual ao rural da Bahia. Na Bahia é o semiárido. Muda o bioma, é uma realidade completamente diferente. É importante a gente ir lá, identificar, ver quem são os professores. Assim a gente contextualiza o encontro a partir da experiência deles. Foram três encontros presenciais em três núcleos. Isso vai acontecer uma vez por ano.
O ambiente virtual é o mesmo usado do Projeto Aula Fundação Telefônica?
Françoise – Não. Foi desenvolvido exclusivamente pela Future of Learning para este projeto. Para o ano que vem a gente pretende usar os conteúdos do Aula Fundação Telefônica em Viamão. O Aula Fundação Telefônica foi pensado para o meio urbano. O ponto de partida no meio rural exigiu desenvolver conteúdos que não existiam. No ano que vem, entrar com conteúdo mais de cultura digital faz todo o sentido, porque o professor já vai ter experimentado estes temas. Vamos dizer, será como se fosse um curso avançado de cultura digital para fins pedagógicos em sala de aula.
A Fundação supervisiona o desenvolvimento dos conteúdos pela Future Learning?
Françoise – Nós somos a chancela. O que usa, o que tem uma oficina, o que não tem, é nossa responsabilidade. Quem detém o conhecimento técnico de transformar o roteiro em um conteúdo online atraente, bacana, que seja um processo, uma jornada de aprendizagem, é a Future of Learning. Essa divisão está bem clara. Uma analogia boa é que nós escrevemos o roteiro. O diretor que filma e os atores são por conta da Future of Learning.
O conhecimento adquirido pela Fundação com os projetos pode ser inspirador para o setor público, na criação de políticas públicas?
Françoise – Estamos diante de um enorme potencial. O setor de telecomunicações, nos próximos três anos, vai conectar 80 mil escolas rurais no Brasil como contrapartida da licença de 4G. A Telefônica Vivo vai conectar perto de 26 mil desse total. É uma conexão 3G. A grande maioria das escolas rurais terá conexão de 1 Mbps. Se você pensar no que isso significa… escolas onde muitas vezes não tem biblioteca, onde a taxa de evasão é cinco vezes maior que a da rede urbana… Só a conexão não basta. Mas é um primeiro passo. Sem isso, não temos nada. A nossa expectativa é de que, com essa conexão, a gente tenha como dar ideias, participar de um processo amplo de reflexão sobre uso, perspectivas e oportunidades da tecnologia para ser uma alavanca de transformação. É óbvio que isso vai depender de políticas públicas e do envolvimento de outros atores. Por isso estamos em contato desde já com o Ministério da Educação, aprendendo com eles, com uma experiência muito forte no Pronacampo. Compartilhamos aprendizados dos dois lados. Esperamos, sim, influenciar e ajudar esse olhar, e ter um ponto de partida mais equalizado, e não falar mais do rural e do urbano como realidades tão distintas, como são hoje.
Fale sobre os outros projeto da Fundação.
Françoise – A maior área da Fundação, na verdade, é a área de Infância e Adolescência. No Brasil, abraçamos a causa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O principal foco é o enfrentamento ao trabalho infantil, tema compartilhado com as Fundações da Telefônica em outros países. São 16 no mundo todo, 13 apenas na América Latina, e essas 13 têm uma causa especial, que é o combate ao trabalho infantil. No Brasil ainda há 3,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, com maior concentração no semiárido. O país tem o compromisso de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2016 e todas as formas até 2020, segundo a Convenção da OIT. E nós trabalhamos fortemente para isso. Combinamos várias estratégias: atendimento direto a crianças e adolescentes, fortalecimento de políticas públicas, cursos e difusão de informação para a rede de atendimento, campanhas de mobilização e informação para ampliar a visibilidade e engajar a sociedade. Tudo em parceria com organizações governamentais e não governamentais, com especialistas e com pessoas que atuam nesse campo. Além do atendimento por meio de cinco projetos realizados com parceiros locais, damos apoio técnico aos municípios na estruturação de planos de enfrentamento ao trabalho infantil e capacitação da rede de atenção à criança e ao adolescente. Oferecemos ainda o curso online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil.
Quais os resultados dessas ações?
Françoise – Fizemos o atendimento direto a mais de 25 mil crianças e adolescentes. Atualmente, 8.432 crianças e adolescentes participam de atividades em cidades do Nordeste e no Vale do Jequitinhonha. Foram mais de 25 milhões de pessoas impactadas nas redes sociais pela campanha É da Nossa Conta, em 2012. Em 2013, concluímos o Ação Proteção, um trabalho com 30 municípios paulistas para combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Mais de mil pessoas participaram de capacitações, da elaboração de diagnósticos e de planos de fortalecimento de políticas públicas. A rede Promenino dá um caráter contínuo a todo o processo. Nessa plataforma, os materiais de apoio estão disponíveis para mais de 300 mil usuários.
Como se dá a atuação da Fundação na esfera da Inovação Social?
Françoise – Temos iniciativas para o empoderamento de jovens em comunidades remotas ou na periferia. O objetivo é que eles se tornem capazes de identificar problemas locais e suas potenciais soluções. São feitos laboratórios de experimentação em inovação social aberta, que envolvem parcerias, e organizamos atividades em grandes eventos, como o Social Good Brasil, o Festival de Ideias e a Campus Party. Além disso, fazemos o Desafio Tecnologias que Transformam, premiação de ideias que promovam benefício social. Os vencedores passam por capacitação e recebem financiamento para desenvolver o projeto. Tem ainda o Cine Tela Brasil, parceria com a Buriti Filmes, que entre 2008 e 2012 alcançou mais de 280 mil pessoas. A iniciativa inclui o Cine Escola, com oficinas de produção audiovisual, usando celulares e máquinas fotográficas, por exemplo, e como usar esses recursos em sala de aula. Em 2013, o objetivo é levar o cinema para mais de 55 mil expectadores e realizar oficinas para 400 professores e 600 alunos em escolas públicas do país.