Entrevista – Jovem Doutor: a medicina mais perto do povo.

O projessor Chao Lung Web, coordenador geral da disciplina de telemedicina da USP, fala sobre projetos de telemedicina e explica o projeto que prevê o uso de CD-ROM para transmitir noções básicas de saúde para alunos do ensino médio, em áreas carentes. Esses jovens seriam multiplicadores da informação na família e em sua comunidade.



A idéia nasceu na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo:
estudantes de áreas médicas passam noções de prevenção de doenças para
alunos do ensino médio de áreas carentes, que, por sua vez, vão
retransmitir essas noções para os colegas e para a família. Nesse
processo, o professor Chao Lung Weng, coordenador geral da disciplina
de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, acredita que essas
comunidades podem começar a mudar seus hábitos, o que deve contribuir
para diminuir a incidência de doenças, reduzindo os custos com a saúde
no país. O principal instrumento desses “cursos” é o Homem Virtual,
conceito para modelos do corpo humano criados em computação gráfica e
distribuídos em CD-ROM.

O Projeto Jovem Doutor é, segundo o professor Chao, uma forma mais
barata de colocar em prática os conceitos da telemedicina, que só há
cerca de dois anos começou a receber a atenção do poder público.
Atualmente, no país, há pelo menos dez centros trabalhando com
telemedicina, a maioria para cirurgias a distância e para que médicos
de centros mais remotos obtenham a segunda opinião de especialistas. O
professor espera que, com o apoio dos Ministérios da Saúde e da
Educação, e com parcerias da iniciativa privada, esse projeto de
atenção básica à saúde seja disseminado rapidamente.

ARede • Quando a telemedicina começou, no Brasil, e quais as suas aplicações?
Chao • A telemedicina começou na Faculdade de Medicina da USP,
em 1997. Mas, com equipamento de videoconferência, só a partir de 2002,
porque, antes, era muito caro. Por isso, nós desenvolvemos a
telemedicina de baixo custo, usando a internet. E, só no fim de 2004
para 2005, passamos a ter uma participação governamental. Já foi criada
a comissão permanente em telemedicina, do Ministério da Saúde, há um
trabalho com a Secretaria de Educação a Distância do MEC, o Ministério
de Ciência e Tecnologia liberou recursos no valor de R$ 5 milhões, para
desenvolver e expandir a telemedicina em diversos ritmos, no país. E
ainda há a Rede Nacional de Educação e Pesquisa, da RNP, que também
dispõe de mais R$ 5 milhões.

Nem tudo está, efetivamente, implementado, mas o importante é que o
Brasil tem modelos muitos bons que, inclusive, podem ser compartilhados
com outros países. Se quisermos usar recursos de alta complexidade para
universalizar os cuidados com a saúde da população, não há dinheiro que
chegue. Então, qual a melhor estratégia? Educação. Educação para
mudança de comportamento. Isso é o que acho que resolve o problema, de
fato. E a telemedicina possibilita que se atenda às pessoas na fase
precoce e não na fase tardia. Pode ser usada, por exemplo, para que uma
segunda opinião médica possa ser ouvida, a distância, mas também como
meio para motivar a população a mudar os seus hábitos, para que tenha
uma vida mais saudável.

ARede • Mas como isso pode chegar à população?
Chao • Uma de nossas idéias é o Projeto Jovem Doutor. Os meus
alunos de ensino superior, de Medicina, Odontologia, Enfermagem, etc.,
que aprendem noções de prevenção de doenças, vão até as escolas de
ensino médio e repassam essas noções para um grupo de alunos que, por
sua vez, fazem palestras para seus colegas de escola. É dessa forma
que, com o tempo, esses jovens vão conseguir mudar os hábitos de sua
comunidade.

ARede • Isso já está no país inteiro?
Chao • Não, estamos começando a desenvolver o projeto. Estou
pedindo um apoio do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde,
porque nós não podemos escolher um tema aleatoriamente. É importante
escolhermos temas relevantes para a atenção primária do Ministério da
Saúde e, também, é importante o acordo com o MEC, para que esses alunos
do ensino médio recebam um certificado como colaboradores do Projeto
Jovem Doutor.


ARede •
Alunos de outros cursos também podem ser envolvidos no projeto?

Chao •
O aluno de Medicina, sozinho, não é suficiente. É preciso que
ele vá conhecer a realidade; isso é um exercício de cidadania. Mas é
preciso que vá junto com um aluno de Arquitetura, por exemplo, ou de
Engenharia, para que possam oferecer, a essas populações, as
informações sobre como elas podem melhorar a sua vida. Um exemplo:
muitas pessoas asmáticas moram nas favelas e, nos barracos, há muitas
áreas com mofo, por causa da umidade. Se você pegar um pouco de cal com
água e pintar aquela área mofada, você já reduz mais ou menos em 70% a
reincidência de uma crise de asma.


ARede •
Quando esse projeto começou a funcionar?

Chao •
O Projeto Jovem Doutor está apenas começando. Para ajudar na sua
implementação, temos pronto, hoje, o programa Homem Virtual, que
consiste em modelos criados por computação gráfica, em terceira
dimensão e com movimentos. Representa o ser humano de forma completa –
estruturas macro e microscópica, interna e externamente, de ambos os
sexos e variadas faixas etárias. O Homem Virtual é produzido por
módulos, de acordo com o tema abordado, seus objetivos e público-alvo.
Cada módulo é distribuído em CD-ROM (configuração mínima: Pentium II
500 MHz, 64 Mb de memória RAM, CD-ROM 32x). Esse material permite ao
aluno de Medicina ilustrar sua aula para os jovens do ensino médio.

Vamos supor que ele precise falar sobre o pulmão: ele leva isso, mostra
a localização do pulmão no peito, as costelas, que protegem o pulmão, o
coração, etc. É uma forma de demonstrar o processo da respiração, para
motivar os alunos. Depois que o aluno de ensino médio aprendeu, o aluno
da faculdade de Medicina dá esse programa de presente para a escola, e
o aluno de ensino médio vai passar a usá-lo nas suas palestras para a
comunidade. Com isso, ele consegue manter a qualidade e a precisão da
informação. Homem Virtual é um projeto da Faculdade de Medicina da USP
e foi criado, em 2003, para facilitar a comunicação médico-paciente.
Mas, além disso, o Homem Virtual pode ser utilizado no próprio ensino
nas áreas médicas, no treinamento de agentes comunitários de saúde e
até para campanhas de esclarecimento da população em geral.


ARede •
Para isso, as escolas precisam ter que tipo de equipamentos?

Chao •
Só computador.


ARede •
Não precisa estar conectado à internet?

Chao •
Para isso, não, porque é um CD-ROM, que roda num computador
local. A ligação com a internet só será necessária quando os alunos
precisarem interagir a distância.


ARede •
O Projeto Jovem Doutor começou em 2006?

Chao •
Sim, porque nós temos um projeto chamado Telemedicina dos
“Doutores Mirins”, apoiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia,
coordenado pela Faculdade de Medicina da USP e com a participação de
mais oito instituições. Na Faculdade de Medicina da USP, nós começamos
a pensar em como usar a tecnologia para melhorar a qualidade da vida da
nossa população. E chegamos à conclusão de que poderíamos seguir por
dois caminhos: o primeiro seria por meio de um estágio rural
multiprofissional, uma espécie de Projeto Rondon, em que os alunos
fariam visitas a comunidades rurais, levando microcomputadores. Eles já
poderiam aproveitar para promover a inclusão digital da comunidade, ao
mesmo tempo em que fariam um trabalho de medicina preventiva.

E o segundo caminho seria o Projeto Jovem Doutor. Na Faculdade de
Medicina, estamos nos estruturando para isso. O que pretendemos com o
projeto? É fazer o país reconhecer que perde muito dinheiro pelo fato
de não saber valorizar seus estudantes: um estudante de ensino médio e
um aluno de ensino superior são, na verdade, pessoas suficientemente
preparadas para exercer algumas funções, com responsabilidade.

ARede • Mas dá um certo trabalho para aculturar as pessoas, não?

Chao •
Exatamente. É preciso criar uma coisa chamada sustentabilidade.
E a sustentabilidade tem que ser trabalhada por meio de formas pelas
quais se demonstra o reconhecimento pelo trabalho do aluno. Por
exemplo, os nomes desses alunos podem ser inscritos nos livros do MEC e
do Ministério da Saúde, em que são reconhecidas as 14 profissões que
fazem parte da área da saúde. Não adianta inventar coisas mirabolantes
e ir pedir dinheiro ao governo, que nem sempre tem. O que precisamos do
governo é um apoio institucional, para publicar um livro desse tipo.
Aí, podemos chegar para a iniciativa privada, e pedir doações de
bolsas, de R$ 100,00, R$ 150,00. Seria um prêmio, para incentivarmos
nossos jovens.


ARede •
Além da Medicina da USP, em quantos centro do país está implantada a telemedicina? E a abordagem é a mesma?

Chao •
Não. Nós ainda estamos difundido essas nossas abordagens. Hoje,
podemos dizer que há, pelo menos, dez centros, no país, trabalhando com
telemedicina. Mas a maioria a utiliza para cirurgias a distância e para
segunda opinião. Esperamos que, com o Ministério da Saúde nos apoiando
nesse projeto da atenção básica, até o final do ano que vem todos os
estados tenham pelo menos duas universidades com grupos trabalhando em
telemedicina.


ARede •
Para montar esses grupos, o que é preciso? Equipamento, material didático?

Chao •
O mais importante é gente. Gente comprometida. Material didático
nós podemos fornecer. Para começar um trabalho desse tipo, eu preciso
de uma sala, um espaço físico e de dois ou três professores
responsáveis, que vão interagir conosco. O equipamento nós vamos
conseguir, porque, dentro desse projeto do Ministério da Saúde, já há
uma previsão de recurso mínimo para montar um laboratório.


ARede •
Como vai montando? Começa por onde?

Chao •
O que eles precisam me fornecer é cabeamento, ou rede, ou linha
telefônica, para que se possa fazer a discagem. Se tiverem dois ou três
micros, está ótimo. Quando é preciso, no caso da Santa Casa, por
exemplo, eu empresto o equipamento de videoconferência. Depois que a
estrutura mínima é ligada, eles começam a fazer as atividades, e essas
atividades começam a sensibilizar outros médicos. É por isso que, sem
os médicos responsáveis, não se consegue sensibilizar toda a comunidade
e, se não sensibilizamos a comunidade, a telemedicina não vai nascer.


ARede •
A conexão discada é suficiente?

Chao •
Para a telemedicina de baixo custo, é. Porque nós desenvolvemos
um sistema chamado ambulatório virtual na internet, que foi feito
especialmente para a realidade da linha discada. Mas nós temos modelos
para linha discada, para banda larga e para sistemas de alta
complexidade. Quando começamos a desenvolver o sistema de baixo custo,
já estávamos prevendo que 70% das localidades brasileiras precisam de
baixo custo e não de alta tecnologia.

É por isso que eu não defendo que todo mundo tenha videoconferência.
Nós precisamos estruturar a racionalização da saúde, começando com a
telemedicina pela internet, por linha discada, indo para a banda larga,
para depois pedir um equipamento de videoconferência. Além disso, às
vezes, a taxa de uso de um equipamento desses não é alta. Para
comprá-lo, vai se gastar muito dinheiro, e logo ficará obsoleto. Há
outras escolas que focam muito em equipamentos, focam muito em buscar a
segunda opinião de especialistas, o que eu não gosto muito. Corre-se o
risco de médicos ou outros profissionais da saúde das áreas distantes
se acomodarem, e ficarem sempre pedindo a segunda opinião. O Brasil
precisa formar gente, e não criar um laço de dependência por meio da
telemedicina.


ARede •
E quando há mudança de governo?

Chao •
Tenho a impressão de que isso é meio irreversível, que tanto
este governo quanto o próximo vão enxergar que isso reduz custos,
porque a idéia é aliar a inclusão digital à prevenção, e usar a
agilidade dos processos educacionais para reduzir o custo da saúde.
Acho que é um processo que vai andar, e o Brasil tem a chance de
desenvolver um projeto tão bom quanto o da urna eletrônica. E, depois,
vamos procurar parcerias. O importante é que quase todas as ferramentas
nós já temos. Não é uma utopia.


Rede •
Quem tem? A USP?

Chao •
A USP tem, mas já estamos cedendo para outras universidades.
Enquanto a Intel estava doando os equipamentos, eu estava doando as
soluções tecnológicas para Universidade de Manaus (AM). Já estamos
doando para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), e estamos
caminhando para o Rio de Janeiro. A USP tem essas tecnologias, porém,
pode ser que outras universidades tenham as suas.


ARede •
Quantos pessoas estão envolvidas com a telemedicina na USP?

Chao •
São 15 pessoas, das quais apenas três são médicos. Porém, é
possível atender a todo o complexo do Hospital das Clínicas: ao todo,
são 150 mil metros quadrados que já estão conectados por telemedicina.
E, para realizar eventos via videoconferência, nós distribuímos os 14
equipamentos que temos entre os diversos prédios, incluindo o Hospital
Universitário e o Centro de Saúde do Butantã.


ARede •
Que rede vocês têm?

Chao •
Nós montamos uma rede própria, que chamamos de rede EPesq
(educação e pesquisa). Neste momento, o HC é o único complexo
hospitalar que tem uma rede própria, só para telemedicina. Tudo em
fibra óptica.


ARede •
Rádios comunitárias ou telecentros podem fazer parte dessa rede, para divulgação de informações de saúde ?

Chao •
Sim, temos que motivar os gestores de telecentros e rádios
comunitárias. Aí entra a nossa idéia das parcerias. Também é preciso
que os meios de comunicação divulguem informações que mostrem que são
atitudes simples, que não lhes custarão nada; é só abrir a porta. No
caso das rádios comunitárias, nós poderíamos dar a elas pequenos
programas, de um minuto ou pouco mais.

www.estacaodigitalmedica.com.br (com link para o Projeto Jovem Doutor)