Entrevista – Justiça sem papel e para todos. Sonho?

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, explica como a informatização poderá democratizar da Justiça brasileira. E aguarda, em breve, a criação do Diário da Justiça Online.


O presidente do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), Edson Vidigal, sonha com o dia em que o Brasil terá
uma Justiça sem papel. Todas as etapas de um processo judicial, desde a
apresentação do pedido do cliente (petição inicial), elaborada no
escritório do advogado, até a decisão do ministro do tribunal superior,
serão feitas em meio eletrônico. Isso significará menos burocracia e
mais rapidez nas decisões. Conseqüentemente, haverá redução de custos,
tornando a Justiça mais democrática. Para que isso aconteça, Vidigal
espera que o Congresso Nacional aprove, em breve, a criação do Diário
da Justiça Online, que possibilitará a ampla informatização de todo o
Poder Judiciário. Com o DJ Online no ar, uma decisão que o ministro do
STJ, proferir à tarde, no final da noite já estará publicada e,
imediatamente, o prazo para recurso começará a contar.

Vidigal afirma ser um defensor do uso amplo das ferramentas de
informática para melhorar a eficiência da Justiça, e revela de que
forma o STJ vem trabalhando para que isso aconteça na prática. Como
presidente também do Conselho da Justiça Federal, órgão que tem a
função de supervisionar, administrativa e orçamentariamente, a Justiça
Federal de primeira e segunda instâncias, Vidigal têm comandado a
integração dos bancos de dados do STJ, do Conselho e da Justiça
Federal. E, recentemente, o Conselho assinou, com os ministérios da
Justiça e das Comunicações, um convênio que transforma os 3,2 mil
pontos do programa Gesac em portas de entrada para os serviços
prestados pela Justiça Federal.

ARede • Dentre os órgãos do Poder Judiciário, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) tem sido um dos pioneiros na informatização
de seus serviços e na implantação de projetos para agilizar as decisões
judiciais e a divulgação dos resultados e aproximar a população da
Justiça. O senhor poderia fazer um balanço dessas iniciativas?

Edson Vidigal • Para elaborar nosso plano de informática,
partimos da idéia de que, sendo o Poder Judiciário um prestador de
serviço para a sociedade, essa prestação teria que acontecer de maneira
mais eficiente, porque os problemas da morosidade judicial têm
repercussões muito maiores, que vão além das partes envolvidas e afetam
até a economia do país. O presidente do STJ também preside o Conselho
da Justiça Federal, órgão que tem a função de supervisionar,
administrativa e orçamentariamente, a Justiça Federal de primeiro e
segundo graus. Então, os projetos que estamos implantando surgiram da
proposta de modernizar o próprio STJ, as Justiças de primeira e segunda
instâncias, e unificar as ações do Conselho de Justiça e do STJ. Os
projetos de informática do Conselho passaram a ser trabalhados de forma
sintonizada com os do STJ, e aí ganhamos em qualidade. Nesse contexto,
um dos nossos projetos mais importantes é interligar os bancos de dados
das justiças federais com os do Conselho Federal e do STJ. Hoje, 22
Estados já estão interligados. São 14 Estados da 1ª Região da Justiça
Federal (Amazonas, Acre, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e
Tocantins); os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, que
pertencem à 2ª Região, e os Estados do Nordeste (menos a Bahia), que
pertencem à 5ª Região. Até o final de fevereiro, os demais Estados
estarão interligados. Com isso, poderemos, por exemplo, implantar o
andamento processual unificado e fornecer ao cidadão, de forma muito
mais ágil, uma certidão negativa – de que ele tem não processos
pendentes com a Justiça Federal.

ARede • Mas como o cidadão terá acesso?
Vidigal • Através do Portal da Justiça Federal
(www.justicafederal.gov.br), ele poderá saber o andamento de um
processo na Justiça Federal, consultar a jurisprudência unificada, que
significa saber se o STJ, o Supremo Tribunal Federal (STF) e os
tribunais regionais federais já deram alguma decisão sobre determinado
tema e o que eles decidiram. O cidadão também pode saber se há algum
processo contra ele tramitando em alguma vara da Justiça Federal do
país, e emitir uma certidão negativa, por meio do portal, se seu nome
estiver limpo. Sem essa integração, o cidadão teria que buscar
informações em cada seção da Justiça Federal. O portal está em fase
final de testes e, no início de março, deverá estar no ar. Outro
projeto importante será utilizar os pontos Gesac como porta de entrada
da Justiça Federal.

ARede • Como será essa parceria com o Gesac?
Vidigal • O Conselho da Justiça Federal e os ministérios da
Justiça e das Comunicações assinaram, no início de fevereiro, um
convênio para permitir que os cidadãos que usam os telecentros do Gesac
tenham acesso às informações da Justiça Federal. Os monitores do Gesac
serão, inclusive, treinados para isso. O sistema de processo eletrônico
dos juizados especiais federais será instalado nos pontos de presença
do Gesac e os cidadãos poderão propor ações nos juizados especiais
federais, principalmente em causas previdenciárias – como concessão ou
revisão de aposentadorias, pensões e outros benefícios da Previdência
Social – sem necessidade de deslocamento até um fórum federal, como
ocorre hoje. A petição inicial (que é o pedido da ação) será feita de
forma eletrônica, pela internet, e o processo também poderá ser
acompanhado de forma virtual. Também é importante destacar que o STJ já
faz parte do Infoseg – rede coordenada pelo Ministério da Justiça e que
integra informações de segurança pública, justiça e fiscalização em
todo o país. O tribunal já tornou disponível para o Ministério da
Justiça o seu banco de dados com a relação das pessoas condenadas pelo
tribunal.

ARede • E internamente, no STJ, o que vem sendo feito para agilizar a análise dos processos?
Vidigal • Uma das medidas mais importantes que adotamos foi a
certificação digital, implantada no início do ano passado. Sem ela, nós
estaríamos sujeitos a que todos os esforços pudessem resultar em nada,
dada a possibilidade de insegurança para os nossos documentos
trafegarem via rede. A certificação digital, além de ter ensejado esses
passos largos na prestação de serviços do STJ e do Conselho Federal de
Justiça para o nosso público, que, primeiro, são advogados, e, em
seguida, a própria cidadania, nos deu segurança para trabalharmos no
projeto do Diário da Justiça Online. Com a utilização das ferramentas
da informática, o julgamento de um recurso especial – que é a principal
atividade do STJ –, que demorava em torno de três a quatro anos, hoje
demora, em média – entre entrar no tribunal e sair concluso –, de 130 a
150 dias. O que mudou? A quantidade de ministros é a mesma, houve uma
pequena ampliação do quadro de funcionários. O que ocorreu é que passou
a haver uma utilização mais intensa das tecnologias de informática. É
preciso ressaltar que também mudamos o horário de funcionamento do
tribunal, adotamos dois turnos de seis horas de trabalho. Outra medida
importante de agilização foi a adoção do malote digital. Antes, vamos
supor que o Tribunal de Justiça do Ceará resolvesse interpor um recurso
especial contra uma decisão do STJ e o recurso fosse admitido. Ele o
enviaria pelo Correio, pagaria algumas taxas e, finalmente, o recurso
chegaria à distribuição do STJ para, posteriormente, ser encaminhado a
um ministro relator. Nós instituímos, de forma pioneira, o malote
digital. Agora, o interessado pode escanear o processo e mandá-lo, via
rede, para o STJ.

ARede • E como está o projeto de implantar o Diário da Justiça Online?

Juizados especiais federais

nos pontos do Gesac.Vidigal • Estamos com o protótipo pronto, mas, para implantá-lo,
precisamos aprovar o projeto de lei no Congresso Nacional (PL 71). Esse
projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e no
plenário do Senado e, agora, está indo para a Câmara. Ele possibilita a
ampla informatização de todo o Poder Judiciário brasileiro. Quando se
fala em informatização completa do sistema judicial, significa que vai
ser possível a implementação da Justiça sem papel, que é um dos grandes
pretextos da burocracia. Economizando papel, estamos economizando
também florestas. Imagine o cidadão chegando no escritório do advogado,
que é onde tudo começa. Lá, ele coloca sua questão ao advogado, que
acessa a rede e já faz uma consulta para saber se há decisões dos
tribunais sobre aquele tema. Em poucos minutos ele terá uma visão de
como o Judiciário tem encarado questões semelhantes. O advogado decide
pegar a causa, e o cliente, de onde estiver, poderá acompanhar o
andamento de seu processo também via rede. Da maneira como ocorre
atualmente, esses pequenos passos já são causadores de morosidade e
custos. Hoje, tudo é feito em papel. O cliente paga a passagem e o
hotel do advogado para que ele vá ao tribunal específico. O advogado
passa três dias para escrever uma petição, etc. Isso tudo tem custo e
vai para o cliente. Na hora que eu retiro custo, estou tornando a
Justiça mais barata e, conseqüentemente, mais acessível a todos.

Além da redução do custo, tem também a questão da agilidade e da
transparência. Hoje, a decisão judicial, para transitar em julgado,
depende da publicação da sentença no Diário da Justiça impresso, o que
costuma demorar de seis a oito meses. Volta e meia, essas publicações
saem com erros. Erros de digitação, por exemplo, que você nunca sabe se
são involuntários ou provocados. Quando o erro é detectado, aí o prazo
para republicação é reaberto. Com o Diário da Justiça Online, a
publicação das decisões será mais rápida e muito menos sujeita a
equívocos, porque já haverá um sistema próprio para checagem do texto.
Este mês, por exemplo, que o Tribunal está em recesso, eu já adotei
dezenas de decisões monocráticas. Se houvesse o DJ Online, poucas horas
depois do meu despacho a decisão iria aparecer no jornal online e
imediatamente o prazo de cinco dias para recurso da decisão começaria a
contar. A questão da distribuição dos processos também pode mudar. O
juiz, de onde ele estiver, poderá saber quais os processos que foram
distribuídos para ele, consultar a jurisprudência e começar a
trabalhar. A nossa idéia é que, entre dez e 15 anos, possamos acabar
com o sistema de que, passado o horário de expediente, o juiz não faz
mais nada. Mas, para tanto, é necessária a implementação ampla da
certificação digital pelo Poder Judiciário e, para isso, precisamos da
aprovação do projeto de lei.

ARede • Mas por que a lei é necessária?
Vidigal • Porque, no Brasil, temos um princípio, na
Constituição, chamado reserva legal, segundo o qual ninguém é obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não em virtude da lei.

ARede • Todos esses sistemas adotados pelo STJ e as ferramentas de integração são em software livre?
Vidigal • Sim e essa foi uma decisão política nossa, por causa
da redução de custos. Todo o nosso software de integração é livre e
todos os sistemas operacionais das máquinas são Linux. O nosso portal é
100% acessível do ponto de vista dos sistemas. Até o final de março,
ele estará totalmente pronto para atender às exigências do decreto
presidencial, editado no final de 2004, que trata da acessibilidade dos
portais do governo aos portadores de necessidades especiais.

ARede • Um dos principais problemas do nosso país é a falta de
condições do cidadão de baixa renda para ter um computador, para que
possa ter acesso, de forma mais ampla, aos serviços prestados pelo
poder público. Que caminhos poderiam ser adotados para minimizar o
problema ou encurtar o caminho de inclusão dos mais pobres?


O SYJ é 100% software livre.
Vidigal • Primeiro, precisamos criar o problema ou enfatizá-lo,
para que as pessoas comecem a prestar atenção nele. O problema
enfatizado começa a incomodar todo mundo. O caso da inclusão digital no
Brasil é esse. Precisamos incomodar mais, fazer com que as pessoas
sintam mais necessidade, que compreendam que a informatização da
escola, da empresa, do município e do Estado é uma coisa que vai fazer
bem para a vida deles, para que, dessa forma, as pessoas comecem a
sentir a necessidade da melhoria disso. Nessa história do Diário da
Justiça Online, muitas pessoas falam que o Brasil é grande, a maioria
das pessoas não tem computador e como elas vão saber e acompanhar o
processo? Um dos caminhos que vejo é utilizar a rede de agências da
Caixa Econômica Federal e dos Correios para ofertar o acesso às
informações da Justiça à população. Podemos disponibilizar, nessas
agências, micros com impressoras para que as pessoas possam acessar e
até acompanhar o julgamento dos processos de seu interesse. Caso
queiram aquilo impresso, pagarão uma pequena taxa, porque nada de graça
funciona, e a CEF e os Correios serão prestadores de mais esse serviço.
Num segundo momento, as pessoas passarão a achar aquilo tão importante
que a indústria da informática, por exemplo, vai perceber que será
interessante intensificar a oferta de computadores mais baratos como já
vem ocorrendo.