Entrevista – Mais gente para mexer na panela do poder

A vereadora Soninha, do PT de São Paulo, autora, ao lado do verador Paulo Teixeira, do projeto que cria o Conselho Municipal de Inclusão Digital e os Conselhos Gestores dos Telecentros, explica por que é importante ter acesso à informação mediada por computadores, e promover novas formas de participação popular na política.



A vontade de transformar a sociedade é o fio que costura as muitas
(muitas mesmo) iniciativas da vereadora Sônia Francine, a Soninha
(PT/SP), nas áreas de educação, cidadania, democratização dos meios de
comunicação e da produção cultural, meio ambiente, inclusão digital e
software livre (todos os micros do seu gabinete rodam em plataforma
aberta). Ela é responsável pelo projeto que institui o programa de
Educação Comunitária, já sancionado pela prefeitura, e também pelo que
cria o Conselho Municipal de Inclusão Digital e os Conselhos Gestores
dos Telecentros. Está presente em várias Comissões da Câmara: da
Mulher, da Juventude, na Comissão de Constuição e Justiça, e na
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a exploração de
trabalho escravo com imigrantes bolivianos em São Paulo.

Acredita que uma das funções do vereador é aproximar o cidadão da
política. E identifica dois canais importantes para ampliar a
participação social nas decisões do poder – os conselhos, que são
fóruns para debater políticas públicas; e a internet. Segundo Soninha,
a conjugação desses canais conseguiu, por exemplo, levar à periferia da
zona sul de São Paulo uma vaca da Cow Parade – evento internacional
que, entre setembro e novembro, instalou pelas ruas da cidade
esculturas de vacas, pintadas e projetadas por diferentes artistas.
Outro sinal concreto da força de intervenção política da rede, diz ela,
foi a sua eleição, com uma campanha concentrada no uso de e-mail, site
e blog. As pessoas davam risada. Mas ela não liga: “a internet tem sim
a capacidade de mexer na panela”, diz a vereadora, eleita com 50.989
votos.  
Verônica Couto

ARede – Os Conselhos Gestores dos Telecentros e o Conselho Municipal de
Inclusão Digital (saiba mais) serão implantados?

Soninha – O projeto foi aprovado em duas votações. Entre uma e outra,
soubemos que o Sérgio Kobayashi, secretário municipal de Comunicação,
daria parecer contrário. Não para o Conselho Gestor dos Telecentros,
com o qual está de acordo, mas para o Conselho Municipal de Inclusão
Digital. Porque, do seu ponto de vista, submeter as decisões da
prefeitura a um conselho poderia atrapalhar o ritmo do projeto.

ARede E não há, de fato, esse risco?
Soninha – A gente precisa admitir que há. Eu tenho pavor de
assembleísmo: você cria um conselho, um fórum, um comitê, um conselho
gestor, um grupo de trabalho. É compreensível esse temor, porque as
decisões precisam ser rápidas na adminstração pública. Por trás disso,
contudo, a preocupação do secretário era outra. Por exemplo, ele teme
que o Conselho Municipal de Inclusão Digital seja mais um fórum em
defesa do software livre. Embora tenha se comprometido publicamente a
não tirar o software livre dos telecentros onde já está implantado,
Kobayashi quer ter o direito de abrir novas unidades com software
proprietário. Argumenta que o suporte para a plataforma aberta é caro.
O que deveria ser mais uma razão para formar gente capaz de mexer em
software livre, uma mão de obra competitiva.

Outra questão do secretário envolve as doações. Ele pergunta: se
Microsoft doa um telecentro, com 20 máquinas, dá para recusar? O que é
melhor, ter um telecentro com 20 máquinas com Windows ou não ter
telecentro? Ele realmente acredita nisso, e avalia que o Conselho
Municipal seria mais uma trincheira. Mas o conselho é paritário (com
membros da prefeitura e da sociedade), e pode até se que seus
representantes, contra minha vontade, preferissem ter telecentro com
software proprietário, se o preço de não ter é um telecentro a menos.
Para isso serve um conselho, para ser um fórum de discussão.

Outro argumento do secretário é que, com o Conselho, as pessoas vão
pensar que a prefeitura tem a obrigação de fazer telecentro. E é isso
mesmo. Trata-se de um item novo e fundamental da pauta de política
pública, uma necessidade básica: educação, cultura, esporte, lazer e
inclusão digital. É claro que a prefeitura tem que fazer. Além disso,
os telecentros são apenas uma das ações de inclusão digital. O conselho
poderia indicar outras, como incentivos fiscais para a iniciativa
privada fazer cibercafés. O secretário já deu parecer contrário ao
Conselho de Inclusão Digital, mas afirmou que não vai fazer dessa
questão um cavalo de batalha. Por isso, nosso próximo passo será
conversar com o Gilberto Natalini, titular da Secretaria de
Participação e Parcerias, para a qual está sendo deslocada a
responsabilidade pelos telecentros. Só depois desse encontro, teremos
uma expectativa de prazo para a implantação dos conselhos.

ARede – Por que um Conselho de Inclusão Digital?

Melhor ser capaz
de buscar
informações do
que estudar
mitocôndrias.
Soninha – Não se pode falar em trabalho, cultura, lazer, participação
política e cidadã, sem considerar o mundo digital, as informações e
articulações possíveis pela internet. A rede é um instrumento de
transformação. Tem a capacidade de mudar a vida de uma pessoa e dá a
ela a possibilidade de interferir sobre muitas coisas. O contato que
você pode ter com governos e mídias, a pressão que você exerce num
veículo de comunicação, da sua casa, com seu e-mail, é sensacional.

E é também mais um argumento do quanto o vestibular faz mal à
sociedade. O vestibular é nocivo, primeiramente, pela maneira como
seleciona as pessoas. Não tem cabimento o que se exige de um candidato
à faculdade de Cinema, de Jornalismo, de História. Eu passei no
vestibular e fiz Cinema na USP, mas não me conformava em ter que
estudar tabela periódica, mitocôndrias. Talvez outra pessoa tivesse
muito mais talento, potencial e capacidade para o curso do que eu, mas
não sabia das mitocôndrias. E o vestibular também é nocivo porque
condiciona toda a educação para esse objetivo. Ou seja, você fornece
conteúdo para as pessoas, e elas devem saber devolvê-lo numa
determinada formulação. É a contramão da história. Mesmo que esse
conteúdo fosse relevante – cinema para cinema, história da arte,
semiótica -, não é assim que a vida funciona atualmente. Você não
precisa receber conteúdo pronto, mas, sim, aprender a procurar,
selecionar, avaliar, comparar e utilizar a informação. Isso que todo
mundo com acesso à internet faz o tempo todo.

Deveríamos estar formando pessoas capazes de buscar e selecionar
informação, o que poderia ser feito num telecentro, ou no seu
Computador Popular – Deus queira que esse negócio vingue. Hoje em dia,
entre os objetos de desejo já estão a televisão, o CD player – na
favela, as pessoas compram o sistema de som em 80 prestações nas Casas
Bahia, e com disqueteira de seis CDs, mas ainda não o computador. E é
legal que surja esse tesão pelo computador. Tem que ter telecentro e
também computador em casa. A idéia de inclusão digital revela o quanto
o nosso sistema educacional é medieval.

ARede – Nessa direção, explique um pouco o Programa Municipal de Educação Comunitária.
Soninha – Ele parte do princípio de que as escolas devem ser abertas à
comunidade, para benefício de ambos. Não basta abrir a quadra no sábado
para jogar bola. A idéia é ter, além da escola aberta para uso da
quadra e da biblioteca, outras atividades dirigidas à comunidade; e
atividades externas para que os alunos conheçam, interfiram, critiquem
e estudem o seu entorno. O objetivo é promover esse intercâmbio e
buscar a participação da comunidade nas atividades letivas, nas regras,
e porquês da escola.

A expressão escola aberta já se tornou um chavão, que os governos
propõem para valer ou para inglês ver – casos que se resumem a deixar
usar a quadra. Mesmo quando é uma política para valer, sincera, depende
muito do interesse do diretor, do coordenador pedagógico ou de um
professor que compre essa briga. Por isso, o Projeto de Lei cria
oficialmente, em cada escola, a figura do educador comunitário. Esses
educadores passam por um curso de extensão universitária com 120 horas,
que foi criado pela Secretaria Municipal de Educação, este ano, em
parceria com a USP Leste e com a ONG Cidade Escola Aprendiz. E podem se
candidatar à função na sua unidade. O projeto previa que fossem eleitos
pelos Conselhos Escolares, mas esse item foi vetado.

ARede – Por que os Conselhos são relevantes?

Já é oficial: um educador
comunitário em cada escola.
Soninha – O vereador tem duas funções básicas: legislar e fiscalizar. E
acredito ainda em uma terceira: aproximar as pessoas da política e a
política das pessoas. No meu gabinete, a gente fica o tempo todo
pensando em formas de traduzir a política e fazer com que as pessoas
percebam por que elas deveriam e como elas podem participar. Isso
envolve desde o site, o blog, a newsletter (mantidos pela equipe de
Soninha na internet), o nosso material impresso, até a minha
disponibilidade de debater; e também a criação de mecanismos legais de
participação, como os conselhos.

Cito o projeto de plebiscito e do referendo (Lei nº 14.004/2005) e as
propostas de criação de vários conselhos municipais: o de Inclusão
Digital, o de Juventude, e os Conselhos Regionais de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, no âmbito das 31 subprefeituras da cidade.
Além dos que já existem: de Saúde, de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CMDCA), os Conselhos Tutelares, eu mesma sou do
Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool (Comuda),
entre outros. E há os conselhos de representação da sociedade: será
criado, por lei, o Conselho Gestor dos Telecentros; já existe o
Conselho Gestor das Unidades de Saúde, o Conselho Escolar, e ainda
pensamos em sugerir um Conselho Gestor de Biblioteca. Os conselhos são
um canal de participação importante, porque estão mais próximos do
cidadão do que o vereador.

ARede – Você defende a democratização da comunicação. O prefeito
sancionou a lei que municipaliza a outorga de licenças para rádios
comunitárias em São Paulo (saiba mais), a Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão manifestou intenção de recorrer à
Justiça, mas não recorreu. Essa lei vai funcionar?

Soninha – Acredito que a Abert só não recorreu, porque o Serra ainda
não regulamentou a lei. Sabemos, e o governo também, que esse projeto
caminha no fio da navalha da constitucionalidade. Aliás, foi uma
superboa notícia a sanção pelo prefeito, porque seria muito fácil e
confortável para ele vetar, alegando inconstitucionalidade. Foi muito
legal e corajoso, porque ele sabe que vai brigar com a Abert. E
acredito que, por isso mesmo, a regulamentação está demorando – porque
é um trabalho difícil. Mas vai sair.

ARede – A internet pode abrir brechas na opinião formada pelos grandes veículos de comunicação?
Soninha – Acho que sim. Mas devemos lembrar que esse critério da
massificação também é deles. Prefiro acreditar que as coisas não
precisam ser massificadas, que podem ser transformadoras dentro de um
pequeno grupo. Na época da MTV (Soninha foi VJ do canal pago MTV), as

bandas queriam saber como ter sucesso. E a gente discutia que tipo de
sucesso era esse. Não precisa vender 1 milhão de discos. Se o cara
conseguir viver de música, daquilo que gosta, já é sucesso. Se isso
significa vender 10 mil cópias, com o CD que ele quis fazer, e, se,
graças a essas 10 mil cópias, faz shows para aquelas 500 ou mil
pessoas, por que não chamar isso de sucesso? Há várias formas de
sucesso. A Monstro Discos, em Goiânia, funciona desse jeito.

Esse movimento é muito comparável ao circuito dos blogs e da produção
independente via internet. O Instituto, por exemplo, provavelmente
nunca apareceu na Globo, mas é capaz de provocar  transformação.
Trata-se de um grupo com Djs e músicos, que já produziram Sabotage e
Racionais, e fazem o programa Vitrola Invisível, no UOL. Não atingem os
milhões de visitantes do UOL, mas fazem aquele barulhinho deles, para
aquelas milhares de pessoas, e formaram um mundo à parte.

Existe outro exemplo importante do poder de influência da internet: a
minha eleição. Foi uma campanha barata, pouco visível – segundo os
conceitos normais de visibilidade –, e que deu certo. As pessoas
reclamavam comigo: cadê a sua campanha, como você está fazendo? Com
debates e muita internet. A gente fez um site de campanha, para dizer o
que eu propunha, publicar as notícias e a agenda de eventos, arrecadar
fundos e divulgar que eu era candidata. Nas reuniões do PT, as pessoas
davam risada, quando eu contava que estava fazendo a campanha pela
internet. Houve quem perguntasse se, só porque eu era da mídia (Soninha
é colunista da “Folha de S. Paulo” e comentarista do canal pago ESPN
Brasil), não precisa fazer banner de poste.

ARede –
Você tem um site, um boletim semanal por e-mail, um blog, um e-mail na Câmara. Como é o retorno pela rede?

A favor do computador popular,
com conexão à web, e telecentros.
Soninha – Recebo pedidos, reclamações, denúncias. E também comentários
sobre os projetos de lei. Certa vez, a Comissão de Juventude da Câmara
foi a uma escola da zona sul apresentar o projeto que estimula a
formação de grêmios. Estavam reunidos vários grêmios, com uma pauta
formal de reivindicações. No meio do debate, um menino, meio sem graça,

resolveu pedir uma vaca da Cow Parade para a zona sul. Escrevi sobre
isso no site e houve uma repercussão enorme. A maioria favorável, com
mensagens dizendo: é isso aí, eles têm direito a ter beleza também, não
é só comida, que legal que eles pediram; e só uma criticando – ah,
esses vereadores não têm o que fazer mesmo, que bobagem. Explicamos o
que tinha acontecido aos organizadores da Cow Parade e eles colocaram a
vaca na zona sul. Acredito que não foi porque eu pedi, nem só porque o
menino queria, e sim, graças à repercussão na rede. Dias depois dessa
história, a “Folha de S. Paulo” a citou num editorial. Então,
definitivamente, acredito que a internet tem capacidade de mexer na
panela.

Esse pessoal, lá na zona sul, tem Orkut. Os meus alunos de curso de
inglês, na Brasilândia (zona norte de São Paulo), moram em favela. Eu
não sei onde, mas eles usam o Orkut. Na casa de um deles, um barraco na
favela, tem computador. Todos, com idades entre 13 e 14 anos, têm
e-mail, estão na rede e são interessados pelas coisas. A internet
também funciona como um filtro, para atingir um interlocutor
interessado.

ARede – Não há um descompasso entre a transferência dos serviços
públicos para internet, e a concentração do acesso nas classes altas?

Soninha – A solução é mesmo garantir o computador popular, o 
acesso em casa, cada um com o seu. Olha o celular: hoje em dia, na
favela, no ônibus, em todo o lugar, todo mundo tem o seu. Da mesma
forma, deveria haver um pacote de programação mínima, popular, para
assegurar TV a cabo para todos. E também a internet – as operadoras
deveriam dispor de um pacote mínimo acessível. Em Hong Kong, todo
orelhão tem internet. Lindo, né? Mas acredito que é mais fácil o modelo
do computador popular, com um pacote mínimo de conexão, e telecentros.

www.soninha.com.br
– Traz os projetos de lei apresentados pela vereadora, e outros, que
ela considera relevantes; notícias, artigos, fotos, links, e-mail, além
da relação de Conselhos Consultivos – fóruns para a participação
popular nas decisões do exercício do mandato.

http://gabinetesoninha.zip.net – Blog da Soninha.

www.camara.sp.gov.br – Câmara de Vereadores de São Paulo.

http://www2.uol.com.br/instituto/ – Produtora independente Instituto.

www.monstrodiscos.com.br – Monstro Disco