Espaço atrofiado



Laurindo Lalo Leal Filho*


São muitos os pesquisadores que têm se debruçado sobre as formas de
circulação das informações no espaço público moderno. Constituído há
cerca de dois séculos como local privilegiado para o debate e a
crítica, especialmente do poder, esse espaço foi pouco a pouco ficando
atrofiado. Os jornais que ampliaram as discussões políticas, tirando-as
dos círculos fechados reunidos nos salões e nos cafés do século 18,
são, hoje, parte de grandes conglomerados empresariais. Com força e
poder para impor ao debate as pautas de seu interesse, asfixiando o
espaço público. Ainda que novas tecnologias surjam como um possível
antídoto à atrofia, não resta dúvida de que as grandes massas seguem
fora dos debates essenciais para o funcionamento das sociedades
democráticas. Em casos como o do Brasil, onde a televisão está presente
em 98% dos domicílios e é, na maioria absoluta, a única fonte de
informação acessível, a situação torna-se ainda mais dramática.

Cabe aos estados nacionais a responsabilidade de conter o apetite do
mercado. Por isso, no caso da radiodifusão, vários países atualizam
constantemente suas legislações para evitar que as grandes corporações
capturem de forma absoluta o espaço público. Exemplo  recente é o
de Portugal, onde acaba de ser promulgada a nova Lei de Televisão que
dá mais poderes a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Agora ela pode, por exemplo, revisar a cada cinco anos as concessões
outorgadas às emissoras (no Brasil, elas duram 15 anos e são renovadas
sem qualquer avaliação  criteriosa). A nova lei portuguesa
estabelece, ainda, que os canais de TV só podem mudar a programação até
48 horas antes de sua emissão, facilita a criação de canais regionais e
dá à ERC o poder de acompanhar a produção informativa.

Nada muito diferente do que já fazem há muito tempo os órgãos
reguladores da TV britânica, desde 2003 reunidos num ente único, o
Ofcom. A junção foi determinada pela convergência dos meios, pondo fim
à divisão entre telecomunicações e radiodifusão. Exatamente o contrário
do que aconteceu no Brasil, onde, para privatizar as teles e não mexer
com os interesses dos radiodifusores, o governo FHC separou legalmente
os dois setores. Tem o Ofcom entre as suas atribuições garantir a
otimização do uso do espectro eletromagnético; a cobertura de todo o
país pelos serviços eletrônicos de comunicação, incluindo os circuitos
de banda larga; manter a pluralidade das programações e proteger o
público de material ofensivo ou causador de danos. Cuida, como se vê,
da forma e do conteúdo, algo que no Brasil seria imediatamente chamado
de censura pelos radiodifusores.

A ERC, em Portugal, e o Ofcom, no Reino Unido, assim como o Conselho
Superior do Audiovisual da França, entre outros, devem servir de
referência para o Brasil. Países de sólidas tradições democráticas,
onde dificilmente se arranha a liberdade de expressão, têm leis
modernas normatizando o uso privado de um bem público escasso e finito,
como são as ondas eletromagnéticas.

Há fortes indícios de que o governo Lula tentará no segundo mandato
implementar políticas de maior alcance social deixadas de lado nos
primeiros quatro anos de governo. Com certeza, a criação da TV Brasil,
a televisão pública nacional, é uma delas. Outra, esperamos, venha ser
a elaboração de uma moderna Lei de Comunicação Eletrônica, capaz de
oferecer um mínimo de oxigênio a essa parcela cada vez mais sufocada do
espaço público brasileiro.


* Professor da
Escola de Comunicações e Artes da USP, apresentador do programa VerTV
da TV Câmara e da TV Nacional de Brasília e autor do livro “A TV sob
controle” (Summus Editorial).