Especial Educação | Tecnologias Digitais e Habilidades do século 21

Tecnologia educacional: questão de habilidade.

Projeto estuda uso das TICs em uma metodologia centrada mais nas
ações do aprendiz do que na instrução do professor.

Patrícia Cornils

 

ARede nº75, novembro de 2011 – Aliar tecnologias da informação e comunicação (TICs) à educação já deixou de ser uma novidade. Inovador é procurar criar uma conexão entre a pesquisa em educação e a prática nas salas de aula, dois universos que hoje estão em descompasso. Esse é o propósito da Fundação Pensamento Digital, organização social do Rio Grande do Sul que está realizando um projeto-piloto no Centro Infanto-Juvenil Zona Sul, na Vila Cruzeiro – região de grande vulnerabilidade social na capital gaúcha. O espaço é frequentado por 200 jovens, de 12 a 18 anos, no contraturno escolar. Eles recebem apoio aos estudos, cursos profissionalizantes e praticam diversas atividades de cultura e lazer. Quem tem mais de 14 anos é obrigado a escolher, além de dois períodos do módulo Desenvolvimento Acadêmico (reforço escolar), uma opção profissionalizante. Tudo gratuito, com refeições incluídas e vale-transporte.

Tanto esses meninos e meninas, estudantes da rede pública de ensino, quanto os educadores que ali trabalham participam do projeto que se chama Tecnologias Digitais e Habilidades do Século 21, realizado durante as aulas de educação digital, que acontecem quatro vezes por semana e duram a metade de uma manhã.

O projeto se fundamenta na constatação de que, nos trabalhos de pesquisadores, nos parâmetros curriculares nacionais e também em projetos de organizações sociais e empresas, muito se diz que a educação precisa mudar, que a escola não pode mais ser um lugar da memorização, da decoreba de conteúdos. Já se sabe que a aula pode estar mais centrada nas ações do aprendiz do que na palestra e instrução do professor. Enxerga-se, também, o potencial das TICs nas práticas educacionais: representar conceitos teóricos, compartilhar produções, refletir, modificar, estabelecer relações, enfim, ajudar os alunos a construir seu conhecimento.

Mas no dia a dia, a realidade é outra. “Quando os computadores chegam, são usados para ensinar informática”, alerta Marta Voelcker, superintendente executiva da Fundação Pensamento Digital. Viram máquinas de treinamento de usuários, em vez de ferramentas para apoiar o desenvolvimento moral e cognitivo dos alunos. Reforçam práticas de linha de montagem, da educação do século 19.

Para sair desse atraso, a equipe da Pensamento Digital desenvolve, a partir do projeto Tecnologias Digitais, referências educacionais para uso das TICs com métodos ativos de aprendizagem. A proposta é priorizar a expressão do aluno, a representação do conhecimento, a reflexão e colaboração entre os aprendizes, o protagonismo do educador social no planejamento e a identificação de resultados tangíveis. “A ideia é prover instrumentos que ajudem os educadores a usar o conhecimento existente para melhorar suas práticas”, explica Marta.

E que instrumentos são esses? Computadores conectados em rede, para começar. No Centro Infanto-Juvenil Zona Sul funcionam quatro laboratórios de informática, com 60 computadores. Há três máquinas na sala de matemática e mais 18 para uso da equipe e uso especial em projetos. O acesso à internet é fornecido pela Procempa, a companhia de processamento de dados de Porto Alegre. A manutenção fica a cargo dos próprios monitores e estudantes da turma que faz a oficina de montagem de computadores.

Outro elemento do modelo que se desenvolve no projeto são as Habilidades do Século 21, um conjunto de habilidades enumeradas pela Parceria para as Habilidades do Século 21, pelo Fundo da Ford Motor Company, pela Fundação KnowledgeWorks Foundation e pela Associação Educacional Nacional dos Estados Unidos. Incluem o uso de um repertório de tecnologias eletrônicas para acessar, sintetizar e aplicar informação; capacidade para pensar crítica e criativamente, e avaliar a produção do pensamento; capacidade de se comunicar efetivamente e colaborar com outros, particularmente em ambientes multiculturais e diversos.

Criticadas por alguns educadores, por expressar o ponto de vista de empresas de tecnologia, essas habilidades são usadas, nesse caso, com uma finalidade específica, que é a de identificar os “novos possíveis”, de mostrar aos educadores os possíveis resultados do uso das TICs. Os educadores da Vila Cruzeiro analisaram essas habilidades. E utilizaram esse conhecimento para encontrar formas de lidar com os principais problemas enfrentados pela equipe em relação aos jovens do Centro, que apresentavam problemas de comportamento e a falta de comprometimento com as atividades. Foi então que os educadores escolheram trabalhar duas habilidades. A primeira é a colaboração – ao participar de atividades conjuntas, os alunos podem se expressar, ouvir os outros, descobrir novos pontos de vista, debater esses pontos de vista, trabalhar em conjunto –, o que resultaria em um melhor comportamento. A segunda habilidade é a metacognição. Ou seja, a habilidade de aprender a aprender – o que poderia trazer maior compromisso do aluno seu aprendizado.

O outro instrumento usado nesta metodologia foi a rede social Noosfero, tanto para se compartilhar o planejamento e a avaliação quanto para que os alunos depositem o conteúdo que desenvolveram. “A diferença de um método de projetos ou atividades é a educação fundamentada pela própria produção do aluno. Para que essa produção não seja perdida, mas valorizada e compartilhada, é preciso haver um repositório”, explica Marta.

Até agora, educadores e pesquisadores identificaram três características diferenciais do método usado no Centro Infanto-Juvenil. A expressão, a autoria e a colaboração. Esses três pilares passaram a incorporar a identidade da equipe pedagógica. “Com isso, a equipe demonstra que compreendeu a importância da expressão do aluno, a autoria como meio para formalização da aprendizagem e a colaboração como meta para melhoria continuada do comportamento de todos”, conta Marta. Os pilares são privilegiados nas atividades e os educadores têm olhos atentos para valorizá-los.

A experiência está em andamento. Não se pretende criar uma receita, mas contribuir para consolidar políticas públicas de uso qualificado de tecnologias digitais na educação. É uma contribuição importante para que o potencial das TICs na educação finalmente se realize.

www.pensamentodigital.org.br

Atividades variadas e animadas

Desenvolvimento acadêmico – reforço escolar em todas as disciplinas

Tecnologias para a vida – informática aplicada a usos básicos, como edição de imagens, participação em redes sociais, criação de história em quadrinhos etc.

Tecnologias para o trabalho – capacitação para uso de programas de escritório, realização de currículo, noções de ética, legislação etc.

Scratch – capacitação no software livre Scratch, para ambientes de autoria multimídia, que envolve animação e jogos.

Montagem e manutenção de computadores

Costura – profissionalização em modelagem, costura e estilismo.

O corpo em movimento – street dance, em sala equipada com espelhos e barras.

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