30/08/2010
Do Democracy Now!
Os gigantes das telecomunicações (nos Estados Unidos) e Internet, Verizon e Google, parecem ter chegado a um acordo para impor um sistema de diferentes níveis de serviço para acessar a internet. O negócio permitiria que a Verizon cobrasse por um acesso mais rápido aos conteúdos on-line em aparelhos de internet portátil, o que representa uma violação do conceito de neutralidade — que significa um acesso igual a todos os serviços. O acordo surge de reuniões a portas fechadas entre a Comissão Federal de Comunicações (FCC) e as gigantes das telecomunicações para a criação de novas regulamentações.
Juan Gonzalez — Hoje começamos com notícias acerca do acordo entre as gigantes da internet e das telecomunicações, Google e Verizon, que muitos receiam que possa acabar com a internet como a conhecemos. Foi noticiado que as duas empreas teriam chegado a um acordo para impor um sistema de diferentes níveis de acesso à internet, o que permitiria à Verizon cobrar por um acesso mais rápido por meio dos aparelhos móveis. Isso representa uma violação da neutralidade da net – um acesso igual a todos os conteúdos — e criaria uma internet de duas categorias..
Ambas as empresas negaram que estão próximas de tal acordo. Em declarações, tanto a Google como a Verizon reiteraram o compromisso de uma internet aberta.
Amy Goodman — Entretanto, a FCC cancelou as reuniões a portas fechadas com as duas gigantes e prometeu procurar mais opiniões. O presidente da FCC, Julius Genachowski, disse: “Qualquer resultado, qualquer acordo que não preserve a liberdade e abertura da internet para consumidores e empreendedores será inaceitável.”
Para nos explicar melhor esta questão, é nosso convidado, a partir de Chicopee, Massachusetts, Josh Silver, o director-executivo da Free Press, uma organização para a reforma da mídia nos EUA.
Bem-vindo ao Democracy Now!, Josh.
Josh Silver — Obrigado.
Amy Goodman — Quais são as suas principais preocupações e quais são as últimas novidades acerca do eventual acordo entre Google e Verizon?
Josh Silver — Bom, antes de responder a essa questão, queria voltar a esta ideia de neutralidade da internet, sobre a qual muitos norte-americanos, espectadores e ouvintes do programa, provavelmente pensarão: “isto é para aficionados (geeks).” A razão pela qual a neutralidade importa – tem sido a lei desde que a internet foi criada há quarenta anos – é o fato deste princípio declarar que qualquer conteúdo está disponível a qualquer velocidade, seja a ABC News a enviá-lo ou o Democracy Now!, seja ainda o vídeo do casamento do vosso primo. E o cerne da questão é compreender que à medida que a velocidade da internet aumenta, toda a mídia – televisão, rádio, serviços telefónicos, tecnologias emergentes – vai se oferecer seu conteúdo por meio da net. Qualquer site poderá se tornar uma rede de televisão ou de rádio. É uma mudança das regras do jogo que amplia o acesso e a distribuição dos conteúdos. Então, quando há alterações de políticas, como o acordo Google-Verizon, temos um efeito profundo sobre se esta oportunidade revolucionária será aproveitada ou jogada no lixo.
Com este negócio entre a Google e a Verizon, damos um passo atrás. Primeiro, os EUA estão colocados atrás de outros países no que respeita à velocidade e acesso à internet. Passámos de quarto para 22º nos último dez anos, devido a políticas falhas, o mesmo tipo de políticas que nos levaram à crise financeira, o mesmo tipo de política que nos levou ao derrame do Golfo do México, uma espécie de ‘lema governamental’ que diz: “Força, indústria. Façam aquilo que quiserem.” E adivinhem? Os consumidores ficaram com a parte ruim do negócio.
Em abril deste ano, aconteceu uma coisa espantosa. Devido às medidas da FCC da era Bush, a atual FCC ficou desprovida de toda a autoridade para regular não apenas a internet mas também todos os seus fornecedores – uma distinção importante. Já não podem dizer: “Verizon, AT&T, isso não é justo. Não podem escalonar os preços. Não podem bloquear indiscriminadamente os conteúdos.” E isto surge nos bastidores do governo de um presidente – Barack Obama – que, durante a campanha disse: “Eu sou um firme defensor da neutralidade da internet,” e depois designou como presidente da FCC, que ainda mantém o cargo, Julius Genachowski, que, como disse, admitiu ser a favor da neutralidade. Mas tudo começou a ficar muito estranho.
Durante os últimos meses, o presidente Genachowski chamou os líderes da indústria ao seu gabinete, para reuniôes sem a participação de grupos da sociedade civil, e declarou: “Não vou mexer uma palha para reaver a autoridade da minha agência, mesmo sendo uma coisa fácil de fazer. Em vez disso, vou pedir aos agentes do ramo para chegar a um acordo e criar um compromisso com o qual todos possamos viver. Não vou preocupar-me assim tanto com os grupos da sociedade civil.” Pelo menos foi o que deu a entender.
Assim, estamos em um limbo, onde o presidente da FCC não faz nada. Ele não luta pela autoridade da sua agência, que é necessária para proteger a neutralidade da rede, trazer concorrência e fazer baixar os preços, e proporcionar banda larga universal para cada americano. E temos a Google e a Verizon que, no meio disto tudo, anunciaram um acordo surpreendente – havia rumores acerca do mesmo, mas ninguém pensou que fosse acontecer tão cedo – um acordo que essencialmente diz o seguinte: “Ok, não haverá problema se bloquearmos ou deixarmos mais lentos alguns conteúdos no espaço wireless. E nas ligações fixas às casas e às empresas, poderemos arranjar qualquer coisa como ‘serviços administrados’, os quais permitem discriminar os conteúdos conforme a nossa vontade.” O Google, que nos últimos cinco anos, durante esta épica batalha pela neutralidade, colocou-se do lado dos grupos de defesa do interesse público e de outras companhias como a Skype, a Amazon e eBay, entre outras, para apoiar a neutralidade e os consumidores.
Juan Gonzalez — Josh, quero interrompê-le por um instante. Antes de irmos ao acordo Google-Verizon, queria recuar um pouco e falar sobre o problema da neutralidade. O argumento das empresas de telecomunicações tem sido – e também as empresas de cabo – “Ei, estes são os nossos cabos. Por que razão não se deve cobrar mais àqueles que enchem a rede e que a usam mais?
Josh Silver — Bem, eis o problema, Juan. Nos EUA, temos um mercado incrivelmente não competitivo. Como resultado, pagamos – o consumidor americano paga – muito mais dinheiro por serviços bem mais lentos que em países como a Dinamarca, o Japão, a França ou a Inglaterra. Portanto, o que temos é um mercado sem concorrência, com dois ou três fornecedores de 97% ou 98% do mercado nacional. Assim, os consumidores não têm escolhas. Digamos, que o seu servidor Verizon está bloqueando ou atrasando o tráfego. Se você discorda, não tem como mudar de provedor. Este é o problema número um. Número dois, perder a neutralidade permitirá a estas empresas priorizar algum tráfego – por exemplo, vídeo – e ‘despriorizar’ outro. Desta forma, a internet se tornaria como a televisão a cabo, na qual a Verizon, a AT&T, a Comcast e a Time Warner decidem o que é rápido, quanto custa e quem é lento. Surge então exatamente o mesmo problema que existe nas redes de cabo: falta de acesso e distribuição para pessoas comuns.
Juan Gonzalez — Você acha que a aliança a favor da neutralidade da rede, que nos últimos anos reuniu os defensores dos interesses públicos com empresas como Google e eBay, pode ter sido ingênua ou cometido erros? Havia uma sensação de que as empresas iriam agir corretamente no que se refere à neutralidade? O preço que aceitaram foi aparentemente oferecido pela Verizon e agora estão dispostos a abandonar os grupos de defesa do interesse público e avançar para um acordo com as empresas de telecomunicações?
Josh Silver — Penso que não. Naquela altura, nos aliarmos a eles foi com certeza uma decisão tática inteligente. Lembre-se de que tínhamos um candidato presidencial, Obama, que dizia literalmente, “não vou colocar em perigo a neutralidade da Internet.” São palavras fortes. De repente, temos estas poderosas figuras da indústria a dizerem o mesmo e concordarem com a política que o interesse público queria. Todos pensaram que, quando o Julius Genachowski assumiu a presidência da FCC, depressa aprovaria uma norma e resolver o assunto, concretizando as promessas do presidente. O que aconteceu é uma prova do lobby massivo por parte das empresas de telefone e cabo, e que explica o porquê de o presidente da FCC não fazer nada, o que não deixa de ser surpreendente. Todos julgámos a esta altura já não haveria problema algum. Ninguém esperava o caso judicial que em abril retirou a autoridade da agência. Agora muitos não referem o fato de que seria muito fácil para o presidente Genachowski – ele tem os votos – afastar aquilo que se chama a reclassificação da autoridade da agência. Ele poderia restabelecer o poder da FCC para regular a internet e o assunto estaria resolvido.
E o mais alarmante, é o fato de estarmos vendo o mesmo tipo de regulamentação e medidas que havia antes da crise financeira e o mesmo tipo de supervisão que vimos no derrame petrolífero. É o mesmo: dinheiro na política que controla os corredores de Washington. Em algum momento teremos de parar, porque se não conseguimos lidar com este problema e com o do financiamento das campanhas, se não conseguimos assegurar qualidade no jornalismo e acesso à informação, não temos democracia. Não funcionará. E essas são as duas questões da nossa democracia. Felizmente, há sempre algo que se pode fazer, no problema da internet em particular. Os cidadãos podem aderir à savetheinternet.com (um movimento pela internet democrática). Podem agir e juntar-se a milhões de pessoas que percebem o que está acontecendo.
Juan Gonzalez — E o Congresso? A maioria Democrata no Congresso? Há alguma esperança de que intervenha, corrija o que se passa e imponha limites a estes acordos?
Josh Silver — A razão pela qual o Congresso não pode agir é a mesma pela qual a lei dos cuidados de saúde está cheia de lacunas. A indústria das telecomunicações está em segundo lugar, sendo apenas batida pela indústria farmacêutica, em gastos públicos. Eles controlam Washington, e isso é bem sabido na cidade. O fato é que houve apenas um voto republicano contra a FCC ter poderes sobre os fornecedores de internet. E tivemos 74 democratas a dizer não a estes mesmo poderes. São pessoas que agem conforme o que as empresas mandam. Então, se deixamos com o Congresso, poderemos estar certos de que, se houver legislação, também esta estará cheia de lacunas e os consumidores pagarão por isso.
Amy Goodman — A Google nega tudo isto. Dizem: “não tivemos discussão nenhuma com a Verizon sobre pagamentos por transporte de tráfego do Google. Permanecemos comprometidos como sempre para manter uma internet aberta.” A sua resposta, Josh Silver?
Josh Silver — São negações falsas, mas esperadas. É de notar que são também muito opacas. São declarações curtas e mensagens no Twitter. O que o Google está realmente dizendo é: “Não queremos vender cigarros a meninos de nove anos, mas queremos ter a possibilidade de vender cigarros a meninos nove anos caso decidamos nesse sentido.” Esta é a analogia que podemos usar.
Amy Goodman — E o slogan do Google: “Não faça o mal”?
Josh Silver — Acho que é passado. A era do Google que não fazia mal terminou com este acordo. Agora, há a possibilidade de eles mudarem os termos do acordo que tem ainda de ser anunciado, mas se forem avante com isto, o Google juntar-se-á às fileiras das más empresas que fazem tudo para lucrar às custas do consumidor.
(Traduzido de Democracy Now. Veja o vídeo desta entrevista, em inglês. A tradução foi feita por Sofia Gomes para o Esquerda.Net. e revisada por ARede)