O jogo Second Life, que simula a
realidade em ambientes 3D, testa versão para Linux. Mas qual é o
sentido de uma vida paralela?
Leandro Quintanilha
A primeira "sede" do jogo.
Criado para sistema proprietário, o Second Life começa a se abrir para
os usuários do Linux. Pode-se dizer que a porta já foi entreaberta.
Está disponível no site internacional do simulador a opção de download
em alfa (fase de construção e teste) do Second Life para o sistema
operacional Linux. Ao mesmo tempo, o provedor IG e a Kaizen Games
lançaram o Second Life Brasil — uma entrada em português para o jogo,
com possibilidade de compra em reais da moeda virtual vigente — o
linden. Mas qual o propósito de se reproduzir na virtualidade as
aspirações de sucesso, dinheiro e consumo da primeira vida? Second Life
é só isso?
Em junho, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou, em São Paulo, o
seminário Second Life: Inovando a Comunicação, para discutir estas e
outras questões relacionadas a uma superfície imaterial já povoada por
7 milhões de avatares — como são chamados os ‘habitantes’ do simulador.
Para a professora Amyris Fernandez, da FGV, especializada em
comunicação nos meios digitais, o jogo apresenta-se como um mundo
mais “lógico e amigável” que o real, onde se pode viver por tentativa e
erro sem maiores conseqüências. “Lá, as coisas, pessoas e situações são
tremendamente mais simples.” O ambiente tridimensional também é um
espaço para se manter, anonimamente, uma vida social ativa, um mundo em
que se pode extravasar fantasias reprimidas na vida concreta.
E é um jogo — o que torna o Second Life um espaço especialmente
competitivo. “Tanto faz quem você escolhe ser, vencer é tudo”,
prossegue a acadêmica. “De formas diferentes, todos querem ser heróis.”
Competição é a palavra. Mais de 20 mil empresas já atuam no Second Life
e a venda de lindens rende cerca de US$ 1 milhão por dia, como enumera
a palestrante Roberta Alvarenga, sócia-diretora da Cafeína Estúdio,
empresa especializada em desenvolvimento de plataformas
tridimensionais. A Cafeína comprou um loteamento no Second Life, que
batizou como Ilha Berrini, um pólo de negócios em que estão
‘instaladas’ as sedes virtuais da Rede Globo, da TAM e da Fecomércio.
Várias multinacionais mantêm versões virtuais de seus negócios dentro
do jogo. É o caso da Sony, da Visa, da Nokia e da Volkswagen, entre
tantas outras. A Adidas vende tênis virtuais e reais no jogo – estes
são entregues em casa, na vida real, e ambos podem ser pagos com
lindens. “A Tecnisa (que também fica na Ilha Berrini) vendeu um
apartamento real pelo Second Life em menos de três meses no jogo”,
ilustra. A agência de notícias Reuters e, mais recentemente, o jornal O
Estado de S.Paulo mantêm jornalistas-jogadores no simulador, o que pode
se tornar uma tendência.
O Second Life não é o único mundo virtual disponível na internet — há
outras propostas na rede, como o There. Mas o Second Life é o mais
conhecido no mundo, o que não o isenta de críticas. “Acho pouco
imaginativo um jogo que imita tanto a vida real”, diz Gil Giardelli,
sócio-fundador da Permission Inteligência Digital. No futuro, acredita,
os mundos virtuais tenderão para outros temas, como a vida em outros
planetas ou o universo criado por um grande escritor.
Liberdade para os avatares
Eventos da FGVSP discute
o ambiente virtualARede conversou também com Sílvio Meira, pesquisador da
Universidade Federal de Pernambuco e cientista-chefe do Centro de
Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). “O Second Life é
relevantíssimo agora”, diz. Mas só pelo pioneirisimo, frisa, por ser
uma introdução educacional à convivência, à cultura, à ética e aos
negócios na virtualidade. “No longo prazo, será irrelevante, por ser um
ambiente fechado em si.” Para Sílvio, o futuro promete mundos virtuais
interoperáveis, avatares com capacidade de livre circulação e, por
conseqüência, infinitas possibilidades de articulação em rede.
Encerrado na metáfora da vida paralela (a tradução literal do título
seria “segunda vida”), o jogo parece acenar para algo maior. “Ele reúne
os grandes conceitos que já aprendemos”, diz Gil Giardelli. “O
inconsciente revelado por Freud, o egoísmo apontado por Adam Smith, a
busca pela fama constatada por Andy Warhol…”, enumera. “A metáfora
com o ‘primeiro mundo’ é essencial num primeiro momento”, afirma
Roberta Alvarenga. Mas deve se esgotar no correr dos anos.
Para a professora Amyris, o fascínio que o Second Life exerce sobre os
jovens é uma pista de como deve ser a nova educação. “É uma geração de superzapping”,
diz. “Aula expositiva e quadro negro são passado — o aprendizado há de
ser melhor em cores e três dimensões.” Roberta acrescenta que, agora, a
educação pode ultrapassar os limites da linguagem. Em vez de ouvir e
anotar, pode-se experimentar virtualmente o que se deseja aprender. Uma
aula de biologia, por exemplo, ficaria bem mais estimulante ambientada
numa plantação virtual de maçãs.
Copacabana
A população brasileira é de 350 mil habitantes — no Second Life. Com a
versão em português, o provedor IG e a Kaizer Games esperam que o
número salte para 2 milhões até abril de 2008. O Second Life e o Second
Life Brasil não são mundos paralelos entre si. São o mesmo mundo. A
edição brasileira nada mais é que uma porta de entrada nacional para o
jogo. É o mesmo metaverso e os avatares podem se relacionar livremente,
sem ‘barreiras diplomáticas’.
E quem optar pela versão em português poderá realizar transações
comerciais em reais (R$), como explica a assessoria de imprensa do
Second Life Brasil. Antes, os usuários brasileiros só podiam comprar
lindens se tivessem cartão internacional. Agora, valem cartões
nacionais e boleto bancário. Há dois tipos de assinatura: a básica, que
é grátis, e a premium, que custa R$ 19,90 por mês, para quem deseja
comprar um terreno, construir um imóvel ou abrir seu próprio negócio no
mundo virtual. Avatares pagantes contam com suporte 24 horas nos sete
dias da semana, além de bônus em lindens, eventos exclusivos e
promoções especiais.
O principal empreendimento da parceria IG e Kaizen no simulador é a
Ilha Mainland Brasil, com 10 milhões de metros quadrados de
‘território’. É lá que fica, virtualmente, a praia de Copacabana. Mas
os paulistanos também têm vez — o Museu de Arte de São Paulo (Masp) é o
grande destaque da Ilha Mosaico, com direito a foto na página inicial
do Second Life Brasil. Não há previsão de lançamento da versão em
português do simulador para Linux.
www.secondlifebrasil.com.br – Second Life Brasil