02/08/2010
Do jornal OGlobo, via Cultura Livre
Por ano, a pirataria movimenta US$ 522 bilhões no mundo, causando uma perda no Brasil de R$ 30 bilhões em impostos, além de evitar a geração de dois milhões de empregos. Os números (repetidos há anos por órgãos governamentais, imprensa e representantes da indústria) impressionam.
Mais ainda quando se sabe que não há ninguém que consiga identificar com precisão como se chegou a eles – como mostra a pesquisa “Custos e benefícios do combate à pirataria no Brasil”, que o Instituto Overmundo produz há dois anos, em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
– Investigamos a origem dessas cifras. Muitas vezes a fonte não é citada, em outras é algo genérico como “segundo a Unicamp”, mas não localizamos levantamentos que sustentassem esses números – conta Oona Castro, coordenadora executiva do Instituto Overmundo, durante a apresentação dos resultados preliminares do estudo, na quinta-feira.
Pesquisa integra projeto global
A pesquisa – parte de um projeto global liderado pelo Social Science Research Center, dos Estados Unidos – mostra que os “números mágicos” são parte da estratégia da indústria para afirmar, para Estado e sociedade, a importância do combate à pirataria. Entender como se constrói o discurso sobre a pirataria no Brasil é um dos objetivos do estudo, assim como avaliar a eficácia das políticas do setor e a mapear como a pirataria se dá no país.
Segundo o estudo, não há nenhum levantamento sobre o assunto que não apresente problemas de metodologia. Uma das questões centrais é a definição do termo “pirataria”. O acordo internacional Trips, sobre propriedade intelectual, afirma que é a “violação do direito autoral”. Mas, em pesquisas financiadas pela indústria e em campanhas sobre o tema, o conceito abriga contrabando e falsificação de produtos como tênis, remédios e brinquedos.
– Não se pode tratar da mesma forma a cópia de uma música e a falsificação de óculos escuros, remédios e tênis, cujo consumo pode causar danos à saúde – diz Luiz Moncau, da FGV. – Ao se fazer essa associação, o objetivo da indústria fonográfica e audiovisual é ensejar uma reação mais forte do Estado contra a pirataria, usando argumentos que não se aplicam a seus setores.
Olívia Bandeira, do Instituto Overmundo, destaca: – A confusão de conceitos dificulta inclusive o debate sobre as políticas públicas, como o Marco Civil da Internet e a nova Lei de Direitos Autorais.
A associação da pirataria ao narcotráfico (e, no exterior, ao terrorismo), explorada em campanhas de entidades como a União Brasileira de Vídeo, também não se sustenta, diz o estudo.
– Essa ligação não pode ser confirmada ou negada sem que seja uma defesa de um ponto de vista – argumenta Pedro Mizukami, da FGV. – Essa conexão visa justificar a investigação invasiva e atrelar o combate à pirataria a uma agenda de segurança internacional.
A pesquisa foi apresentada nos últimos três dias a jornalistas, pesquisadores brasileiros e estrangeiros e representantes do poder público (como o órgão que integra o Conselho Nacional de Combate à Pirataria), em encontros que servirão de base para o aprimoramento do relatório.
– O estudo não propõe a abolição do direito autoral ou que se ignore a pirataria. Queremos, sim, trazer mais tranquilidade ao debate, entender quais são as questões centrais, verificar se o custo do combate à pirataria compensa seus resultados – diz Oona Castro.