Fanfics e Fansubbers e a cultura da convergência

Fãs também querem participar da trama ou da história que os encanta

Fãs também querem participar da trama ou da história que os encanta
Sérgio Amadeu da Silveira

Um fenômeno cresce no ciberespaço e está modificando as características dos fãs e das audiências. Este fenômeno pode ser resumido na palavra participação. Milhares de pessoas em todo o planeta, fãs de filmes, séries de TV, quadrinhos, livros de ficção, enfim, pessoas que se divertem assistindo ou lendo histórias produzidas pela indústria cultural não se contentam mais com a posição de meros consumidores. Querem também participar da trama ou da história que os encanta. Se assistir o filme “Guerra nas Estrelas “é bom, reescrever uma série ou recontar a odisséia dos jedi é melhor ainda. A internet está permitindo o surgimento de um novo fã, aquele que participa ativamente da história.

Vários pesquisadores denominam de cibercultura essas práticas de criação e convívio que foram construídas no mundo virtual, a partir da expansão do ciberespaço, ou seja, desse local que se forma no interior das redes digitais de conexão. O criador do termo ciberespaço, o autor de ficção Willian Gibson, disse, no início deste século: “A cibercultura é remix”. Umas das características marcantes dessas novas práticas culturais é a recombinação, a colagem e a convergência de idéias que são reunidas de modo criativo. O pensador francês Pierre Lévy havia declarado que a web é uma teia composta ou tecida pela inteligência coletiva e que cada vez mais as obras seriam inacabadas e abertas, principalmente, pelas pontes criadas pelos links. Essas pontes levam um texto a outro e acabam gradativamente interferindo na velha concepção de obra acabada e de autor exclusivo.

Henry Jenkins, fundador do Programa de Estudos Midiáticos Comparados do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT), nos Estados Unidos, foi mais longe e declarou que o que está ocorrendo é o avanço de uma cultura da convergência. Sem dúvida, a linguagem digital permitiu fundir, em um único site, textos, sons e imagens. O HTML, linguagem de marcação da web, facilitou a criação digital e facilitou o surgimento de milhões de sites. Atualmente, o XML está permitindo que textos e imagens possam ser escritos e transferidos independente das marcações que definiam seu formato. Assim, as possibilidades de transferência de conteúdos “limpos” foi acelerada. Mas não é a técnica que está criando o comportamento convergente. É o comportamento convergente que está criando tecnologias que permitem que ele se manifeste cada vez mais e melhor.

Jenkins diz que a rede e a cultura de convergência está promovendo o ressurgimento público da criatividade popular que a velha Indústria Cultural tinha soterrado. As pessoas estão aproveitando as novas tecnologias e as redes digitais para arquivar, comentar, apropriar-se, mexer, remexer e devolver para a circulação na rede os conteúdos midiáticos. Para ele, vivemos uma nova revolução criativa. Outros dizem que as tecnologias digitais estão permitindo superar o ideal limitado, imposto pela Indústria Cultural, de que somente a originalidade deve ser considerada criativa. A cibercultura está incentivando as práticas de recombinação de histórias, o recontar das ficções, a remixar personagens, enfim, as derivações de outras criações artísticas, tal como Walt Disney fez com os Irmãos Grimm, autores originais de Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, entre outras histórias.

Criada por fãs

Milhares de jovens e adultos participam de uma atividade que é chamada de fanfic, a abreviação de fan fiction, que significa ficções criadas por fãs. Eles recontam as histórias de ficção. As histórias mais preferidas para a recriação têm sido a “Guerra nas Estrelas”, “Star Trek” e “Harry Potter”. No Brasil, temos, por exemplo, o Expresso Hogart (www.expressohogwarts.com.br) que trabalha com os personagens de J. K. Rowling. A prática de recontar e recombinar é antiga no Japão. Com a internet, atingiu todo o Ocidente. Existem os Dojinshi, trabalhos feitos e distribuídos por fãs de quadrinhos japoneses chamados de mangás. Muitos criadores Dojinshi acabam se tornando profissionais, mas a maioria cria novas histórias a partir dos mangás de maior sucesso. Grande parte dessas recriações tem a mesma qualidade que os originais, outras têm qualidade superior.

Jenkins conta que uma jovem de 13 anos, chamada Heather Lawver, encantada com a leitura de Harry Potter, criou um site chamado The Daily Prophet (http://dprophet.com), um tipo de jornal sobre o que acontece no mundo dos bruxos. Logo, a então pequena Lawver passou a contar com mais de cem crianças colaboradoras. Vários professores se interessaram pela atividade e viram que era uma forma de incentivar não só a leitura, mas também a escrita. A Warner Bros., detentora do copyright de Harry Potter, não gostou e começou sua jornada de ataque aos fãs criativos. Heather Lawver não se intimidou e criou uma organização chamada Defesa Contra As Artes Obscuras, com sede nos Estados Unidos. Defende o direito dos fãs recriarem as histórias dos personagens que eles gostam. Muitos professores apoiaram seus jovens alunos, pois perceberam claramente que “se aprende copiando” e que a cópia para fins pessoais e lúdicos não deve ser considerada crime.

André Perides, aluno da pós-graduação da Cásper Líbero, em São Paulo, fez uma grande pesquisa sobre a atividade dos fansubbers que habitam o ciberespaço brasileiro. Fansub é uma palavra inglesa nascida da junção de fan com subtitled, ou seja, fansub significa legendado por fãs. Assim, eles legandam filmes, traduzem mangás e animes, que são animações japonesas. Em seguida, esses grupos de tradutores e “legendadores” lançam seu trabalho gratuitamente na internet. Assim, trazem para nossa cultura as criações inexistentes ou que demorariam muito para serem traduzidas.

Perides afirma que “os membros de fansubs dedicam parte do tempo livre para essa atividade que a princípio não visaria o lucro. Defendem como filosofia fundamental que se trabalhe apenas com séries que não forem licenciadas no país e consideram o trabalho e distribuição gratuita como premissa: a maioria acrescenta em seus trabalhos frases como ‘feito de fã para fã, não venda’; ‘se você pagou por este trabalho você foi enganado’. É uma atividade voluntária que não apenas exige grande esforço e dedicação, mas também conhecimentos técnicos específicos tais como o domínio de idiomas diversos, linguagens de vídeo, internet, editoração, além de inúmeras outras habilidades.”

A atividade de fanfics e fansubs é uma das expressões da cibercultura e das práticas de recombinação e de compartilhamento. Sem dúvida, atraem milhares de pessoas que não se contentam em assistir passivamente uma série de TV ou um filme. Demonstram uma mutação no conceito de audiência. A rede incentiva o fã ativo, o leitor-criador e a audiência participativa.