13/09/2010
Do Viva Favela
Anderson Luis Balbino de Souza, o Dando, publicou no Viva Favela um artigo sobre sua lan house em Antares, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Veja como ele teve a ideia de abrir seu próprio negócio, superou as dificuldades, comprou computadores e colocou para funcionar uma lan house que faz enorme sucesso em sua comunidade:
Favela na rede local
O termo LAN foi extraído das letras iniciais de “Local Area Network”, que quer dizer “rede local”, traduzindo. Assim, a LAN é uma loja ou local de entretenimento caracterizado por ter diversos computadores de última geração conectados em rede de modo a permitir a interação de dezenas de usuários.
O conceito de “LAN House” foi inicialmente introduzido e difundido na Coréia, em 1996, chegando ao Brasil em 1998. A tradução para o português poderia ser “casa de jogos para computador”. O plural é “LAN Houses”. É o que nos informa Maria Tereza de Queiroz Piacentini, catarinense, professora de inglês e português, revisora de textos e redatora de correspondência oficial há mais de vinte anos.
“Cyber café” ou “Cibercafé” é um local que, podendo funcionar também como bar ou lanchonete, oferece a seus clientes acesso à internet, mediante o pagamento de uma taxa, usualmente cobrada por hora. Neste local, as pessoas podem também se reunir com a finalidade de realizar pesquisas escolares e utilizar do ambiente para estudar. É o que diz a enciclopédia livre Wikipédia.
Então, posso dizer que faço parte da criação da SHANTYTOWN LAN, “favela na rede local”. Tudo sempre começa com uma oportunidade, e não foi diferente comigo, no ano de 1996. Até essa data, meu único compromisso era ir para escola e depois só rua. Sou filho, com muito orgulho, de uma doméstica e de um soldador, ambos nordestinos. Eles deram a esse carioca todas as regras de ser um cidadão direito até aonde podiam e conheciam, mas com a presença forte do tráfico, se tornando os heróis daquela geração, todos os moleques queriam ser iguais ou estar perto deles.
Um dia, tive em minha casa a vista de um tio, morador de Itaquera , zona leste de São Paulo. Foi quando ele viu a boca de fumo em minha rua, a venda de drogas, vários dos traficantes falando comigo e brincando de pipa – vai ali, faz isso, faz aquilo – que ele pediu permissão a minha mãe para me levar para São Paulo. Ela liberou e, naquele momento, fiquei puto, mas hoje sou eternamente grato por essa viagem ter me mostrado coisas diferentes. Tive a oportunidade de ficar em São Paulo e mudar minha vida, para voltar e mudar a vida de vários.
Já de volta ao Rio, cheguei na favela com olhar diferente, com vontade de realizar tudo aquilo que vi enquanto estive fora. Encontrei o Jessé, amigo de infância que havia servido ao exército, bolado com a falta de atenção. Com sua dedicação, ele virou um dos melhores em armamentos, mas na, hora de seu engajamento, deram a vaga a um peixe militar. Vocês sabem como é… Ele já havia decidido ir para o tráfico, onde estavam lhe dando tratamento adequado, que o exército não lhe deu.
Então, convidei-o a abrir um negócio comigo e começamos uma pesquisa sobre o que poderíamos fazer em Antares para nos dar renda. Bolamos um lava-jato, porque ninguém fazia a lavagem do carros do posto de saúde. Começamos com essa idéia e estávamos indo bem. A molecada veio trabalhar e começamos a criar uma idéia de que todos tinham que ter habilitação. Assim foi a minha, a do Jesse e de vários.
Mas, um dia, veio a grande sacada. Estava rolando uma fila de pessoas para fazer concurso de agente comunitário do posto saúde de Antares. Muita gente estava marcando lugar na fila para voltar depois, para poder ir até Santa Cruz, um centro próximo da favela, tirar xerox dos documentos, pois a comunidade não tinha um local para isso. Aí, eu e Jesse entramos em ação. Tínhamos que resolver aquela situação. Fomos às Casas Bahia e compramos uma multifuncional da HP em um milhão de vezes (rsrsrs) e começamos a tirar xerox na comunidade. Logo, as pessoas começaram a comentar sobre a necessidade de ter um lugar para imprimir, fazer currículo e outros serviços.
Mais uma vez, criamos algo. Rolou a oportunidade de comprar uma loja de conserto de celulares de um amigo, que estava fechada. Ele nos vendeu, parcelada em várias vezes, e entramos com nossa impressora, batizando aquele local de INFOLOJINHA. Mas, ainda faltava o principal: o computador. Um amigo nos emprestou um AMD K6II 500, com HD 10GB e 128 MB, e as pessoas começaram a trazer serviços e idéias do que a comunidade precisava.
Mais uma vez, veio a oportunidade, quando o governo lançou o recadastramento de CPF online. Eu havia assistido na TV a notícia e visto as pessoas procurando aquele serviço, mas não tinha acesso à internet, uma ferramenta que só conhecíamos de filmes. Ouvi falar de um lugar que tinha acesso a preços populares, que era a Estação Futuro, uma idéia da ONG Viva Rio. Foi muito foda e entrei no site pela primeira vez. Logo, já estava rolando aquela coisa do MSN. Pedi para um amigo fazer um, pois precisava, e ele me fez a maior sacanagem, criando o MSN dandodemais@hotmail.com, que rola até hoje.
Já mexendo um pouco, levei anotado o site da receita, na mão, e os dados de muitos moradores em um disquete (rsrsr), para salvar o comprovante que rolou cadastramento. Pegava a bicicleta e ficava no vai e vem entre INFOLOJINHA, em Antares, e a Estação Futuro, em Santa Cruz, que dá mais ou menos 1,5 Km, todos os dias durante período de recadastramento. O Jessé fazia a recepção dos clientes e eu fazia os serviços. Quando passou o período de recadastramento, passei a usar a Estação Futuro como fonte de pesquisa e comecei a me perguntar como um computador controlava todos os outros, como funcionava aquilo. Passei horas do dia enchendo o saco do cara lá, e foi aí que nasceu em minha cabeça o conceito de rede local (LAN HOUSE).
Mais uma vez, a oportunidade. No governo Lula, foi lançado o programa federal “Computador para Todos”, que tinha como objetivo principal possibilitar que a população que não tem acesso ao computador possa adquirir um equipamento de qualidade com preços populares. Nessa, eu e Jessé convencemos alguns amigos e parentes a comprar dez maquinas, com prestações de R$ 68,00, em 18 vezes. Beleza! Máquinas compradas, com prazo de entrega para dez dias, encontramos um problema: não havia internet e tivemos que adquirir o “gato net”. Ou melhor, “tigre net” (rsrsr), já que era para 10 computadores. Começamos toda uma jornada para adquirir o conhecimento para fazer a 1ª LAN HOUSE de Antares funcionar. Eram eles:
1. Como criar uma rede?
Soluções: Puxar os cabos lá da Estação Futuro e ver aonde dava aquilo, tudo sem ser descoberto e sem danificar nada, para que todos pudessem usar. E também: invadir o curso técnico do SENAI só para adquirir conhecimento, sem chance de certificado, pois não tinha grana para pagar. Mas aprendi como funcionava tudo aquilo, desde uma crimpagem de um cabo a configurações de IP.
2. Como fazer a LAN rodar?
Soluções: Visitamos, no shopping, os cybers e as LAN’s, para ver os nomes do gerenciadores e o que as estações (que é como se chamam as máquinas que os clientes acessam), tinham instalado. Vimos que os gerenciadores mais usados eram: Timer Café, Vscyber e Opticyber. E, nas estações, eram jogos como: COUTER STRIKE e NEED FOR SPEDD, MSN, LINK DO ORKUT e ADOBE, para baixar editais, etc…
Depois de pesquisar muitos espaços, a idéia foi usar um gerenciador que mais se encaixasse com o que nós queríamos, além de pesquisar como burlar sua licença, já que são pagos e muito caros, não havendo formas de negociações.
Após alguns dias trancados na lojinha e só saindo para comer ou dormir, nos apropriamos dessa tecnologia e de como ela funciona Metemos as caras e resolvemos abrir a Lan House. Foi nesse momento que as pessoas começaram a entrar na loja querendo fazer algo naquele bicho chamado computador e começamos uma grande oficina, aprendendo e ensinado.
Assim, de início, foi uma revolução digital em Antares. E não parou por aí. Alguns simples usuários começaram a querer montar sua própria LAN. Ficaram com medo de falarem comigo, achando que eu iria ficar chateado, por ser uma espécie de concorrência. Quando não teve jeito, eles tiveram que falar comigo, e eu expliquei como fazer, pois sabia que uma LAN só não iria dar contar de toda comunidade. E que nem todas iriam sobreviver, embora aqueles que trabalhassem buscando sempre estar interados, e trazendo para sua LAN novas tecnologias, iriam estar de pé.
Nesse momento, surgiu a LAN HOUSE DE FAVELA ou SHANTYTOWN LAN, que seria uma mistura de prestação de serviços com acesso à internet, com jogos, com lanches à venda e tudo mais – sem essa coisa de LAN HOUSE ser para jogos e CYBER CAFÉ para acesso e serviços. LAN HOUSE DE FAVELA ou SHANTYTOWN LAN virou a nova esquina, estúdio de gravação, virou diário da menina, o local de divulgação do músico e muitas outras coisas. Eu virei um desenvolvedor de novas tecnologias da favela pro mundo, de coisas que os usuários realmente querem usar, e fazia todo mundo entender um pouco o seu papel.
“Era dono da informação aquele que aprendia e ficava com ela. Hoje, é o que aprende e repassa. Transformação é isso”.
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