Lei nacional integra ações públicas, determina responsabilidade compartilhada por destinação final de resíduos e fortalece reciclagem com incentivos a associações de catadores. Áurea Lopes

ARede nº59, junho 2010 – Pela primeira vez no país, uma lei nacional vai exigir que todos os atores envolvidos no ciclo de consumo de bens – fornecedores, cidadãos e governos – assumam sua parte de responsabilidade para reduzir, reutilizar e reciclar os resíduos sólidos gerados pela sociedade. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em tramitação no Senado, depois de passar pela Câmara dos Deputados, é resultado de discussões que se arrastaram por 19 anos. Mas chega em clima de consenso e traz avanços que – se devidamente regulamentados e fiscalizados – poderão colocar em movimento um círculo virtuoso na gestão integrada de resíduos no Brasil.

Já não era sem tempo. A última pesquisa federal disponível sobre saneamento básico, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que, no ano 2000, mais da metade (59%) dos municípios brasileiros depositava rejeitos em lixões ou vazadouros a céu aberto. Dez anos depois, em termos quantitativos, a melhora não foi significativa: especialistas estimam que atualmente esse número esteja, no máximo, apenas 10% menor.

O mais preocupante, no entanto, é o agravamento qualitativo desse cenário. Entre o material descartado, cresce, a cada ano, o percentual de lixo eletrônico, que já se tornou um problema até em aldeias indígenas. Os números falam por si: em 2009, foram vendidos cerca de 12 milhões de PCs, fadados a virar sucata dentro de três ou até dois anos; em 2010, atingimos a marca de 180 milhões de telefones celulares habilitados, equipamentos com vida útil bem menor do que a dos computadores; uma rede de supermercados paulista comemorou um crescimento de 110% na venda de televisores, no primeiro quadrimestre de 2010, em relação ao mesmo período do ano anterior.

Essas máquinas, entre tantos outros equipamentos eletroeletrônicos, contêm componentes tóxicos prejudiciais aos seres vivos e aos recursos naturais (ver página 13). Mas vão parar em aterros inadequados ou lixões de onde escorre o chorume que contamina o solo e os mananciais hídricos – sem falar nos riscos para comunidades que vivem da exploração do lixo, incluindo muitas crianças. “É fundamental conscientizar o usuário final, que desconhece os perigos que corre”, alerta Tereza Cristina M. B. Carvalho, diretora do Centro de Descarte e Reuso de Lixo Eletrônico (Cedir), da Universidade de São Paulo. “Esse usuário precisa ser informado e orientado a cobrar dos fornecedores soluções sustentáveis de descarte”, diz.

Para ilustrar os efeitos invisíveis da destinação inadequada de resíduos, a tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, no Rio de Janeiro, foi lembrada por Patrícia Raquel S. Sottovira, professora de engenharia ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), em seminário realizado em maio, pela instituição. O local, onde um deslizamento destruiu 50 casas, provocando 48 mortes, no início do ano, abrigou o segundo maior lixão do estado, até 1986. O acidente não foi mera consequência das fortes chuvas. Entre os escombros, o barro preto acusava a presença de lixo decomposto no terrreno. A mestre em gestão urbana e doutora em biotecnologia industrial deu ainda outro exemplo, no Paraná – onde, por sinal, se localiza o rio mais poluído do país, o Rio Iguaçu. “Aqui existem áreas que não recebem mais resíduos há 20 anos e, mesmo assim, ainda apresentam alta concentração de metal no solo”, informou Patrícia.
Problemas estruturais como esses estão na mira da PNRS, que “é ambiciosa, mas precisa vir acompanhada de uma estratégia consistente de gestão pública”, na opinião de Diógenes del Bel, diretor-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos (Aberte). O engenheiro avalia que o texto da lei não explicita pontos concretos, como metas, prazos, especificações jurídicas e modelos de logística reversa, entre outros. Essas definições, diz ele, foram deixadas para a regulamentação e os acordos setoriais. “Para chegar aos avanços, de fato, será que vamos ter de enfrentar as mesmas divergências que levaram às discussões por duas décadas?”, escreveu del Bel em artigo para a Folha de S.Paulo.

RESOLUÇÕES DO CONAMA
Não é o que desejam os integrantes do Grupo de Trabalho do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), composto por representantes do governo, da indústria e da sociedade civil ligados ao setor de eletroeletrônicos. O grupo deve concluir, até o final do ano, a definição de metas e modelos para responsabilidades de todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo.

“Queremos uma resolução exequível”, ressalta Maria Thereza Fadel Gracioso, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Já temos o exemplo das determinações sobre baterias e pilhas, que estão no papel, mas não são cumpridas”, diz. Além disso, considera a técnica, cada segmento tem suas características e precisa ser regulamentado segundo demandas particulares.

Por isso, a PNRS tem como proposta ser um guarda-chuva debaixo do qual sejam articuladas leis regionais e acordos setoriais. Mas com força de legislação federal. “Agora, não dá mais para se omitir”, comenta Patrícia, da PUC-PR alertando que os estados que mais avançaram nas práticas de reciclagem, nos últimos dois anos, são exatamente aqueles onde existem leis consistentes e bem implementadas, como São Paulo e Minas Gerais. “Existem legislações sobre lixo eletrônico em 16 estados brasileiros. Essas experiência precisam ser aproveitadas”, recomenda Luciane Furukawa, especialista em Sustentabilidade da Itautec.

Uma iniciativa do governo federal que deve dar subsídios para o debate e apoio a decisões é um inventário de produção, recolhimento e reciclagem de resíduos eletrônicos no Brasil, que será realizado em convênio entre o MMA e a organização não-governamental Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre). André Vilhena, dirigente da ONG, esclarece que será feito um diagnóstico qualitativo do setor. O ministério e o Cempre também lançaram um hotsite para informar o consumidor sobre procedimentos necessários à logística reversa de produtos da categoria. Os varejistas e as indústrias do setor, que hoje formam o Comitê de Eletroeletrônicos do Cempre, divulgam informações e serviços sobre devolução de diversos produtos.

www.cempre.org.br
www.mma.gov.br
www.lixoeletronico.org
www.cce.usp.br

As boas novas
Estes são os pontos positivos do PNRS, de acordo com especialistas e ativistas ambientais:
• previsão de planos de gestão integrada de resíduos sólidos nas esferas nacional, estaduais, regionais e municipais;
• criação do Sistema de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir);
• obrigação de os fornecedores estabelecerem um sistema de logística reversa, para realizar a coleta dos resíduos sólidos;
• determinação de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos entre fornecedores, consumidores e gestores dos serviços públicos;
• fortalecimento da atuação dos catadores de materiais recicláveis, com incentivo a associações ou cooperativas;
• definição do conceito de ciclo de vida dos produtos, considerando todas as etapas da cadeia de produção, desde o desenho e a escolha das matérias-primas até as formas de reciclagem e a disposição final;
• determinação de fabricação de embalagens com materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem.

sucata eletrônica mista…
(Composição de 1 tonelada)

Ferro Entre 35% e 40%
Cobre 17%
Fibras e plásticos 15%
Alumínio 7%
Papel e embalagem 5%
Zinco Entre 4% e 5%
Resíduos não recicláveis Entre 3% e 5%
Chumbo Entre 2% e 3%
Ouro 200 a 300 gramas
Prata 300 a 1000 gramas
Platina 30 a 70 gramas

… e riscos para saúde
Chumbo: causa danos ao sistema nervoso e sanguíneo
Onde é usado: computador, celular, televisão.
Mercúrio: causa danos cerebrais e ao fígado.
Onde é usado: computador, monitor e TV de tela plana.
Cádmio: causa envenenamento, danos aos ossos, rins
e pulmões.
Onde é usado: computador, monitores de tubo antigos, baterias de laptops.
Arsênico: causa doenças de pele, prejudica o sistema nervoso e pode causar câncer no pulmão.
Onde é usado: celular
PVC: se queimado e inalado, pode causar problemas respiratórios.
Onde é usado: em fios, para isolar corrente.
Belírio: causa câncer no pulmão
Onde é usado: computador, celular.
Retardantes de chamas (BRT): causam desordens hormonais, nervosas e reprodutivas.
Onde é usado: diversos componentes eletrônicos,
para prevenir incêndios.
Fonte: Cimélia Reciclagem

Chorume
Líquido que se forma pela decomposição de materiais do lixão e contém alta carga de agentes poluidores.