Festival aposta em rede móvel

O Mobilefest deste ano vai debater o uso do celular para a mobilização democrática e em produções coletivas, entre outros temas.

O Mobilefest deste ano vai debater o uso do celular para a mobilização democrática e em produções coletivas, entre outros temas.  Lia Calder


O Mobilefest — Festival Internacional de Arte e Criatividade Móvel, criado em 2006, para tratar das tecnologias móveis em suas relações com os mais diversos âmbitos da sociedade, é o primeiro festival internacional do gênero. Este ano, o tema é “como a tecnologia móvel pode contribuir para a democracia, cultura, arte, ecologia, paz, educação, saúde e terceiro setor”. E as inscrições de projetos, trabalhos, pôsteres estão abertas até 30 de junho. A data do evento não está definida (possivelmente entre setembro e novembro), mas há várias ações previstas até lá. Para Paulo Hartmann, fundador do Mobilefest, a criação de redes democráticas de diálogos e de mobilização é o eixo da proposta temática.

Apesar de diversos especialistas apontarem grandes potenciais no celular para as aplicações so­ciais, o mercado de conteúdos ainda está voltado para o entretenimento. Vídeos caseiros de amigos, festas e viagens são os mais comuns entre os usuários dos serviços. Mas as possibilidades comer­ciais desses novos produtores são limitadas. Além dos festivais, há apenas a vantagem de disponibilizar as peças nos sites das operadoras. O produtor e VJ Mauro Rubens da Silva comenta que, nesse caso, a remuneração é irrisória; a cada 200 downloads, o produtor recebe R$ 20,00, dos quais ainda serão descontadas algumas taxas.


CitySpeek
CityWide

Neste cenário, a tecnologia Bluetooth aparece como promessa na difusão de dados pelo celular. Através de navegação em banda de rádio aberta, a chamada ISM (Industrial, Scientific, Medical), os dados são enviados de um aparelho a outro, desde que os dois estejam equipados para tanto, e a uma distância de até dez metros. Tanto Hartmann quanto Mauro enxergam a evolução do Bluetooth com grande entusiasmo, já que a tecnologia oferece uma rede de tráfego de dados sem tributação. Hoje em dia, no caso de vídeo e fotos, esse intercâmbio só é possível pelo envio de mensagens MMS (Multimedia Messaging Service), que variam entre R$ 0,36 e R$ 0,99 cada uma, dependendo da operadora e do plano. A possibilidade de formação de uma rede sem a mediação das operadoras de telefonia móvel anima os produtores.

O caráter informal e espontâneo dos conteúdos de imagem e voz feitos de e para celulares acaba por não ligar a obra ao seu dono. “Muitas das pessoas nem ligam para isso”, afirma Mauro, que vê a licença C.C. (Creative Commons) como uma forma de os produtores profissionais se protegerem. Hartmann concorda. Para ele, a C.C surge como tendência tanto pelo caráter da produção quanto pela dificuldade em comercializá-la.

A mobilidade vai além da definição do aparelho móvel como suporte ou gerador de dados. O próprio Mobilefest, por exemplo, recebe as inscrições dos trabalhos por SMS, MMS e WAP. Mas o custo alto para aquisição de um L.A. (Large Account), ou seja, um número promocional, ainda é obstáculo para o perfeito funcionamento desse processo. O L.A. funciona graças à interoperabilidade entre as operadoras; em outras palavras, é um número único capaz de receber mensagens do país inteiro.


Dispositivo monitora ovulação e
dispara SMS

O Mobilefest foi concebido para contemplar, premiar e abrir as discussões sobre conteúdos em mídias móveis. Na primeira edição, em 2006, foram 60 projetos inscritos, sendo 20 estrangeiros, nas três frentes: mostra expositiva, seminário e premiação. Na edição seguinte, com o crescimento da programação, contou com a realização de eventos simultâneos na Inglaterra (University of Westminster ), na Holanda (The Waag Society) e nos Estados Unidos (New York University – ITP) por meio de videoconferências e encontros presenciais nesses países. No audiovisual, criou uma rede internacional de festivais sobre produção de conteúdo móvel. Além do Telemig Arte Mov (Brasil) e do Mobifest (Canadá), já presentes no ano anterior, outros festivais foram exibidos, tais como Movilfilm Fest (Espanha), Pocket Shorts (Inglaterra e Escócia), Pocket Films (França), Microfilmes (Portugal) e The 4th Screen (Estados Unidos). Foi lançado o I Prêmio Mobilefest, para os melhores trabalhos nas categorias Fotojornalismo, Escrita SMS (Poesia e Microconto), Vídeos e Moblogs e Videologs.

Nas inscrições deste ano, Mauro Rubens, que já participou de edições anteriores, dá as dicas: “Não dá para pensar em legendas nos vídeos para celulares pelo próprio tamanho da tela; os detalhes também não são bem-vindos, e, pela qualidade das máquinas, tem de se tomar cuidado com a iluminação”.

No mais, se alguém ainda duvida que a tecnologia móvel possa “contribuir para a democracia, cultura, arte, ecologia, paz, educação, saúde e terceiro setor”, como questiona o tema do evento, é interessante considerar que o mesmo aparelho que será usado para escolher a próxima miss Brasil mudou os rumos de um país da Europa. Em 2004, período de eleição presidencial na Espanha, o governo direitista de Aznar imputou o atentado à estação ferroviária Atocha, onde houve 191 mortos, ao movimento separatista ETA, acusando o candidato de oposição de ser incapaz de contê-lo. Uma pequena emissora de rádio, contudo, desmentiu a informação, atribuindo o atentado a uma célula ligada à Al Qaeda. Embora a grande mídia insistisse na versão de Aznar, milhares de SMS e torpedos saíram de celulares denunciando a mentira. Resultado: o socialista Zapatero ganhou a eleição. O celular teve papel de destaque nesse episódio. Os dias que sucederam a tragédia registraram um aumento do tráfego de dados em 30%, principalmente entre jovens com menos de 30 anos.

Outro exemplo, citado por Hartmann, é o projeto CitySpeak CityWide, do grupo canadense Mobile Digital Commons Network (MDCN), exposto em 2006. A idéia é permitir a construção coletiva de uma narrativa por meio de mensagens enviadas pelo celular (SMS) ou por PDAs ligados à rede Wi-Fi e reproduzidas em tempo real em um painel eletrônico de larga escala.