08/09/09 – A legislação eleitoral brasileira permite a campanha eleitoral na internet somente quando realizada pelo candidato em seu próprio website. Ao fazer isso, deixa de fora o ator mais importante do processo: o eleitor. Esta é uma das constatações dos pesquisadores Ronaldo Lemos e Bruno Magrani, professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, atuantes no debate sobre leis que se referem à internet. Os dois publicaram um documento chamado “Proposta de Modificação e Comentários Sobre o Projeto de Lei de Regulamentação de Campanha Eleitoral pela Internet”, que pode ser lido na íntegra aqui. Vale a pena ler, porque o texto discute vários aspectos da lei de reforma eleitoral em tramitação no Congresso. Entre outras coisas, explica porquê, em vários aspectos, a proposta restringe a participação dos cidadãos comuns no debate eleitoral, por meio da rede. E porquê ela pode vir a ser inaplicável, ao gerar uma potencial avalanche de processos na Justiça eleitoral.
“Se perante a mídia tradicional seu papel era de espectador passivo, na internet a equação se inverte e qualquer indivíduo pode alcançar uma audiência tão alta quanto qualquer grande empresa de mídia. O PL remedia este problema possibilitando que pessoas naturais façam campanha eleitoral na internet “por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação…” e “por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural”, constata o trabalho.
“Ao tentar delimitar o espaço de atuação na web, o projeto inverte regra básica da legalidade. Se por este princípio o indivíduo é livre para fazer tudo o que a lei não lhe proibir, ao estabelecer um limite relativamente fechado através do qual ele pode atuar na campanha online, o PL acaba por impor restrição deletéria. Em termos práticos: produzir um vídeo ou compor um jingle voluntariamente para promover um candidato e postá-los online constituiria um meio assemelhado àqueles mencionados na lei?” Amera inversão do princípio da legalidade combinado com esta indefinição já seriam suficientes para gerar dois efeitos: um desestímulo à participação ativa do cidadão na campanha eleitoral online e/ou uma potencial avalanche de processos na Justiça eleitoral, cuja eficácia limitar-se-ia apenas àqueles serviços que possuam representação no país.
O texto também explica porquê não se pode legislar sobre a internet com pressupostos exclusivos aos meios tradicionais de massa. “A regulação atual dos meios de comunicação tradicional de massa é fortemente influenciada por duas características básicas de sua arquitetura tecnológica: unidirecionalidade e centralidade. Rádio e TV são unidirecionais por só permitirem que a comunicação ocorra em um sentido – da emissora para os aparelhos receptores – e centralidade, pois sua essência é a comunicação de um para muitos. (…) A internet modificou essa dinâmica transformando a comunicação de massa em multidirecional – de espectador o indivíduo vira ator do processo de comunicação – e descentralizada – a comunicação ocorre de muitos para muitos. Além disso, a internet ignora limites jurisdicionais. Há muitos serviços estrangeiros populares entre brasileiros, que por sua vez não possuem representação no país, o que praticamente inviabiliza o exercício da jurisdição sobre os mesmos”
Um dos vídeos mais famosos da campanha de Barack Obama, observam os professors, foi produzido sem nenhum envolvimento do candidato ou de sua equipe. Em 2 de fevereiro de 2008 o cantor Will.i.am, da banda Black Eyed Peas, publicou no Youtube um vídeo que consistia em uma bem elaborada colagem de um discurso realizado por Obama em New Hampshire e sobre o qual foi sobreposta melodia gravada por diversos artistas. “O vídeo foi visto mais de 26 milhões de vezes e se destacou na campanha presidencial americana. Tal fenômeno dificilmente se repetiria no Brasil. Não pela falta de criatividade, mas pela atual redação do projeto de lei” em discussão. Mais sobre o debate aqui. E o link para a íntegra da proposta, aqui.