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O Fórum Internacional de Software Livre (FISL) comemorou dez anos em grande estilo. Pela primeira vez, um presidente da República foi ao evento. Mais que isso, defendeu os códigos aberto. O evento teve mais de 8 mil inscritos, vindos de todos os estados do país e de 27 nações.

Qualidade técnica, importância política e recorde de público marcam evento que completa uma década de ativismo em defesa da ciberliberdade. Áurea Lopes

O Fórum Internacional de Software Livre (FISL) comemorou dez anos em grande estilo. Pela primeira vez, um presidente da República foi ao evento, visitou a exposição e conversou com os participantes. Mais do que prestigiar o Fórum, no dia 26 de junho, em Porto Alegre, Luiz Inácio Lula da Silva defendeu com entusiasmo o uso de códigos abertos, exaltou o sucesso da experiência do governo com software livre e manifestou seu apoio público à garantia dos direitos civis fundamentais por meio da liberdade na internet – essa foi a bandeira do Fórum deste ano, em uma reação dos ativistas contra as iniciativas mundiais de controle da rede (veja reportagem na página XX).

O 10º FISL, realizado de 24 a 27 de junho, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), bateu o recorde de mais de 8 mil inscritos, dos quais 40% estudantes e 60% profissionais de TI, vindos de todos os estados do país e de 27 nações. Foram mais de 350 palestras, encontros de 52 grupos de usuários, oficinas, eventos comunitários, entre outras articulações. Paralelamente, aconteceram o Festival de Robótica Livre e o Festival de Cultura Livre. Tudo registrado e divulgado em tempo real pela TV Software Livre e – novidade deste ano – pela rádio Software Livre, criada em parceria com a Universidade Federal de São Carlos.

“As palestras são ótimas, com excelente conteúdo, em especial as internacionais”, avaliou o pernambucano Jonathan Roque, de 25 anos. Estudante do terceiro ano do curso à distância de Análise de Sistemas da Unitins e professor do Senac, ele participou do fórum pela primeira vez este ano e achou “o máximo” encontrar “ao vivo” pessoas que só conhecia virtualmente, além de especialistas que costuma ler na internet. Marcelo Leite, da Associação de Software Livre (ASL) e coordenador geral do FISL, concorda que uma das melhores coisas do evento é esse ambiente de interação, tanto no aspecto técnico, quanto político, com destaque, este ano, para a forte presença das principais comunidades internacionais. “Outro ponto forte desta edição foi o vínculo que fizemos com a Cultura Livre, pois somos partes do mesmo movimento”, acrescenta Leite.

Nomes de peso
As maiores audiências do 10º FISL ficaram por conta de convidados internacionais, como o sueco Peter Sunde, um dos fundadores do site The Pirate Bay, que utiliza tecnologia torrent, e está sendo processado nos Estados Unidos. Sunde foi condenado por um tribunal sueco a um ano de prisão, sob acusação de quebra de direito autoral. Em sua opinião, as indústrias de música e de cinema pretendem manter um modelo de negócio sem sentido nos dias atuais: “As pessoas não vão parar de baixar. Querer tornar ilegal essa ação é como querer tornar ilegal a cor azul. Por mais que se apague, sempre vai haver algo azul, em algum lugar. Todo mundo deve ter o direito de baixar o que quiser, para qualquer finalidade, comercial ou não. O público não quer pagar por conteúdo”.

As salas do Centro de Eventos da PUC-RS estiveram especialmente concorridas nas palestras de ícones do software livre como Richard Stallman e Jon Maddog Hall. Para Stallman, fundador do Movimento Software Livre, do Projeto GNU e da Free Software Foundation, houve um grande progresso, nos últimos 25 anos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “A batalha é pela liberdade dos usuários de computador. Um programa que não é livre priva os usuários de sua liberdade. É essencial educar as pessoas a lutar por sua liberdade. Elas correm o risco de perder a liberdade sem notar. Troca-se liberdade por um pouco de conforto”, alertou Stallman. Diretor da Linux International, Maddog apresentou o Projeto Cauã, um modelo de inclusão sustentável, baseado na utilização de um thin client distribuído gratuitamente, em substituição à CPU. “O aparelho traz redução de custo e de consumo de energia elétrica”, informou.

Internet livre
As discussões sobre as investidas mundiais para a criminalização da internet e sobre a proteção da propriedade intelectual permearam grande parte dos debates do fórum. Um forte movimento pelo veto ao PL84/89, de autoria do deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), conhecido como AI-5 Digital, deu o tom nas mesas de palestras. O professor Ronaldo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas, falou sobre a proposta alternativa ao projeto, entregue ao deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), relator do PL84/89 na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados. “O estudo, feito pelo Centro de Tecnolgia e Sociedade, da FGV, propõe uma legislação criminal que permita coibir condutas graves na internet, auxilie a ampliação das investigações de crimes virtuais, porém, que mantenha a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. O acesso à internet e a livre manifestação é um direito fundamental que não pode ser atacado”, disse Lemos.

O que estamos vendo, hoje, no Brasil e no mundo, segundo Lemos, é uma exacerbação do direito autoral: “Em favor da indústria de entretenimento, e, agora, da indústria da comunicação, o direito autoral vem se tornando cada vez mais severo. Não há mais como endurecer as regras. Por isso, o próximo passo é suprimir garantias fundamentais, privando as pessoas de acesso, ferindo o direito de privacidade, quebrando o princípio da presunçao de inocência. É isso que o projeto do Azeredo faz”.

O sociológo e ativista do software livre Sérgio Amadeu da Silveira explicou que as máquinas são totalmente rastreáveis: “E, se não for, é porque o criminoso é um cracker, não vai ser uma lei como essa que vai pegá-lo. A internet implica a cultura de liberdade. Precisamos de uma lei que garanta o direito de comunicação sem vigilância, da navegação sem observação. Não dá para colcoar a exceção como rgra, não dá para aceitar cadastramento indiscriminado de usuários”. Sobre o impedimento de difusão de conteúdo, Marcelo Leite ressaltou: “A mesma legislação que rege a produção industrial não pode ser aplicada para a internet. Até porque na web não existe custo de matéria prima, de produção, de distribuição”.

Educação em pauta

Diversas palestras e atividades envolveram a área de Educação. Foram apresentadas aplicações educacionais de software livre e programas governamentais para educação presencial e à distância. Marcos Castilho, da Universidade Federal do Paraná e integrante do Comissão dos Sistemas de Informação e Telecomunicações do Estado do Paraná, falou sobre o programa Paraná Digital, que colocou 42 mil computadores com software livre em todas as 2.100 escolas, urbanas e rurais, da rede de ensino estadual. “O projeto foi financiado pelo Banco Mundial. Decidimos investir todos os recursos em máquinas porque sabíamos que não teríamos gasto com os programas. Assim, deu pra comprar máquinas para todas as escolas, nenhuma ficou sem”, contou Castilho.

Discutir educação sem software livre é contraditório, na visão do professor mineiro Frederico Gonçalves Guimarães, coordenador do projeto Software Livre Educacional, que tem como objetivo organizar documentação e traduzir softwares livres a área educacional. “Educar significa preparar para a autonomia. O contrário do que acontece no mundo proprietário, onde os estudantes aprendem só a usar”, disse ele. Mandar utilizar um software proprietário, avalia o educador, é o mesmo que mandar ler um livro: “Não se pode fazer nada, apenas ler. Se tiver algo errado, é preciso esperar a editora publicar a edição atualizada”.

Mãos à obra
Pelo terceiro ano consecutivo, a Arena de Programação Livre propôs um desafio às comunidades. Tudo começa já na inscrição: os grupos precisam demonstrar suas habilidades técnicas decifrando pistas para encontrar o código da inscrição. Este ano, a proposta girou em torno do DNS Sec. Durante os trabalhos, os participantes da arena rceberam orientações diretas de D.J. Bernstein, desenvovedor do DNS Seguro. Os vencedores ganharam celulares G1, da Goolgle, que opera com o programa livre Android.

Novidade no FISL, o 1º Festival Internacional de Robótica Livre reuniu a comunidade de robótica livre, “movimento técnico e filosófico que propõe a utilização do conhecimento livre como base fundamental, ancorando-se em softwares livres e sucata de lixo eletrônico”. Palestras, debates, mostra de trabalhos e uma olimpíada agitaram os participantes.

Alunos do Centro Marista de Inclusão Digital, de Santa Maria, trouxeram para o FISL o robô Tux, feito com uma parte de um aspirador de pó e um sistema do limpador de para-brisas de automóvel. Além de andar, o robô fala, filma e mexe a cabeça. O CRC Cesmar exibiu um display de água, feito com materiais reciclados. O mecanismo é acionado por eletroválvulas que, de acordo um programa em software livre, libera gotas de água em formato de letras. Esse display pode ser usado em aplicações como letreiros de eventos, placares em shoopings, informaram Rafael de Vasconcelos e Júnior Meneghetti, dois integrantes da equipe de desenvolvimento do dispositivo.

Ambiente web para redes sociais

Um dos destaques da exposição foi o software de gerenciamento de redes Noosfero, desenvolvido pela Cooperativa de Tecnologias Livres (Colivre). Com forte ênfase em gestão de conteúdo, a ferramenta suporta blog, galeria de imagens, biblioteca de arquivos, agenda, envio de comentários por e-mail, sistema de tags, entre outras funcionalidades. “Nossa proposta é de que as redes sociais gerem valor para si próprias, e não para outros, como Google e Facebook”, advertiu Antonio Terceiro, integrante da Colivre.
O Noosfero, lançado em maio, já tem 1.400 usuários. Utilizam a plataforma comunidades como Unifreire, Diplô na rede, Zen3, Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Para baixar: www.noosfero.org.

Espaço para a cultura

O Festival de Cultura Livre, realizado pela primeira vez junto com o FISL, reuniu hackers, artistas e produtores culturais que realizaram oficinas, palestras, mini-cursos. E as “desconferências”, com programação criada de forma colaborativa, em que todos os participantes tinham a possibilidade de falar. Depois de cada dia intenso de trabalho, os participantes do FISL desfrutaram, todas as noites, de programações em tradicionais espaços culturais da capital gaúcha, como o Bar Ocidente, o Ponto de Cultura Odomodê e o Bar Opinião, onde houve um espetáculos do Teatro Mágico, grupo musical que apoia o compartilhamento livre de conteúdos na web.

O FISL apoiou, ainda, o primeiro fórum do Música Para Baixar (MPB) – http://musicaparabaixar.org.br. Everton Rodrigues, um dos integrantes do movimento, explicou que o MPB “vem em um momento em que profundas mudanças acontecem nas comunicações e que tem impacto significativo nas relações humanas, políticas, econômicas e na música”. Por isso, diz ele, o MPB nasce como “um importante espaço para reflexão e ação sobre o que nós queremos para a música. As visões de quem cria, produz e usa música devem estar representadas no debate para que as propostas e práticas”.

A partir desse encontro, os participantes do MPB articularam diversas inciativas concretas, como elaborar propostas para a mudança da lei autoral, participar da Conferência Nacional de Comunicação, que será realizada em dezembro, formatar um modelo de formação para músicos. “Já estamos pensando um seminário nacional de formação sobre direito autoral que seja presencial e à distância”, contou Rodrigues.

Outra iniciativa abrigada pelo FISL foi o projeto Casa das Sementes Livres, da Escola da Mata Atlântica, que tem o objetivo de coletar, armazenar e distribuir sementes para a expansão das sementes caboclas, livres de modificações genéticas e patentes. Dois bancos de sementes livres levaram seus produtos agroecológicos para a exposição.